quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Flexibilização da posse de arma deve atingir 124 municípios do RN, aponta levantamento

Essa estimativa se dá levando em conta um dos principais critérios definidos pelo decreto assinado por Bolsonaro: poderão adquirir armas de fogo os moradores de áreas rural e urbana com índices de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes.

Da Redação/Jornal De Fato
Uma das principais e mais polêmica promessa de campanha do então candidato à presidência da República Jair Bolsonaro se tornou realidade. Nesta terça-feira (15), ele assinou o decreto que flexibiliza o acesso à arma de fogo. Cento e vinte e quatro cidades do Rio Grande do Norte devem estar entre os municípios brasileiros que podem ser afetados pela medida.

Essa estimativa se dá levando em conta um dos principais critérios definidos pelo novo decreto: poderão adquirir armas de fogo os moradores de áreas rural e urbana com índices de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes, conforme dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Com isso, pouco mais de 70% dos municípios potiguares devem se enquadrar nesse requisito. Na edição deste domingo (13), o jornal Tribuna do Norte reportou esse cenário.

A matéria trouxe que 124 das 167 cidades do RN se enquadram nesse perfil, segundo dados referentes ao ano passado da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais (COINE), da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESED). A reportagem detalhou que o total de municípios potiguares que devem ser atingidos pela flexibilização da arma de fogo soma cerca de 90% da população do estado, “mas que não necessariamente são pessoas aptas a possuir uma arma de fogo”.

Com mais de 50 homicídios por 100 mil habitantes, Natal e Mossoró são cidades potiguares afetadas pela medida; além de municípios considerados menores como São Bento do Norte, Lagoa Salgada, Parazinho, Baía Formosa, Rafael Godeiro, João Dias, Tibau, Grossos, Patu, Assú, Apodi, e Pureza, dentre outras.

Flexibilização do acesso à arma de fogo foi destaque em promessas de campanha

Ao completar 15 anos de existência em 2018, o Estatuto do Desarmamento, que trata do registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, voltou a estar no centro das atenções neste ano eleitoral após constar entre as propostas do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). O tema ainda é bastante polêmico e gera muitos posicionamentos divergentes. Os defensores da flexibilização do acesso ao equipamento alegam a necessidade de autoproteção diante do aumento da criminalidade e os contrários à medida temem o crescimento da violência.

“Agora o porte de arma de fogo tem que ser flexibilizado também. Por exemplo, por que o caminhoneiro não pode ter porte de arma de fogo?”, questionou Bolsonaro em uma das entrevistas durante a campanha, que disse acreditar que a facilitação ao acesso às armas irá melhorar a situação da segurança pública no país. “Casar isso com o excludente de ilicitude, que é em defesa da vida própria e de terceiros, pode ter certeza que a bandidagem vai diminuir”, afirmou na época.

Diante de tema polêmico, várias entidades e ONGs mantêm campanhas favoráveis e contrárias à flexibilização do Estatuto do Desarmamento. Eleito presidente, Bolsonaro assinou ontem, durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, o decreto que regulamenta o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo no país. “Como o povo soberanamente decidiu, para lhes resguardar o legítimo direito à defesa, vou agora, como presidente, usar esta arma”, afirmou ele, mostrando a caneta. “Estou restaurando o que o povo quis em 2005”, acrescentou mencionando o referendo realizado há 14 anos.

ENTENDA O DECRETO

A partir do decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro ontem, cidadãos brasileiros com mais de 25 anos poderão comprar até quatro armas de fogo para guardar em casa. O texto regulamenta o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição no país. Vale lembrar que o decreto refere-se exclusivamente à posse de armas. O porte de arma de fogo, ou seja, o direito de andar com a arma na rua ou no carro não foi incluído no texto. Os cidadãos deverão preencher uma série de requisitos, como passar por avaliação psicológica e não ter antecedentes criminais. O que muda com o novo decreto é que não há necessidade de uma justificativa para a posse da arma. Antes, esse item era avaliado e ficava a cargo de um delegado da Polícia Federal, que poderia aceitar, ou não, o argumento.

Estudo nacional aponta que mortes por armas de fogo no RN cresceram mais de 400% em dez anos

Mortes por armas de fogo no Rio Grande do Norte cresceram mais de 400% dentro de um período de dez anos. O dado é do Atlas da Violência 2018, publicado em junho deste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Segundo o estudo, no estado potiguar o aumento de óbitos causados por tiros ficou em 412,7% entre 2006 e 2016.

O levantamento aponta que no primeiro ano de pesquisa foram 306 mortes, contra 438 em 2007, 536 em 2008, 620 em 2009, 611 em 2010, 788 em 2011, 856 em 2012, 1.149 em 2013, 1.314 em 2014, 1.238 em 2015 e 1.569 em 2016. O Atlas aponta que entre 1980 e 2016, cerca de 910 mil pessoas foram mortas com o uso de armas de fogo e que no começo dos anos 1980, as tensões sociais aumentaram, sem que o Estado tivesse conseguido prover boas condições de segurança pública para a população, que, angustiada e insegura com esse cenário, procurou se defender pelos seus próprios meios, quando passou a adquirir gradativamente serviços de segurança privada e armas de fogo.

“Começa aí, em meados dos anos 1980, uma verdadeira corrida armamentista no país só interrompida em 2003, por conta do Estatuto do Desarmamento. O fato é que a maior difusão de armas de fogo apenas jogou mais lenha na fogueira da violência letal”, destaca trecho do estudo. O levantamento traz ainda um gráfico em que é apontado um crescimento dos homicídios no país ao longo dessas três décadas e meia, atribuindo tal aumento às mortes com o uso das armas de fogo e afirmando que os óbitos por outros meios permaneceram constantes desde o início dos anos 1990.

O estudo defende que “o Estatuto do Desarmamento, ainda que não seja uma panaceia para todos os problemas de violência letal, interrompeu a corrida armamentista no país que estava impulsionando as mortes violentas” e cita uma pesquisa que aponta que se não fosse essa lei, os homicídios teriam crescido 12%.

Sobre o cenário de armas retiradas de circulação no estado potiguar, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, do FBSP, publicado em agosto deste ano, mostra que somente no Rio Grande do Norte, a Secretaria Estadual De Segurança Pública registrou 1.007 armas de fogo apreendidas em 2016 e 961 em 2017; contra 55 e 94 apreensões da Polícia Rodoviária Federal em cada ano. Quanto a notificações de porte ilegal de arma de fogo no estado potiguar, o levantamento dá conta de 228 casos em 2016 e 157 em 2017. O Anuário detalha ainda que no RN, em 2016, foram 300 armas de fogo extraviadas, perdidas, roubadas ou furtadas; contra 367 em 2017.

OPINIÃO JURÍDICA

Consultado pela reportagem na época da campanha presidencial no ano passado quando ainda se discutia a então promessa de campanha do atual presidente Jair Bolsonaro, o advogado Bruno Saldanha, que integra um escritório de advocacia em Natal, se posicionou sobre o assunto. “O criminoso nato vai continuar a praticar o crime independentemente do estatuto, uma vez que o acesso a armas ilegais em nosso país é franco, inclusive armas legais adquiridas através de assaltos, furtos ou outros crimes. A preocupação, a nosso ver, é com o cidadão não voltado à prática de crimes que passa a ter uma arma de fogo na ideia de proteção pessoal e de sua família e acaba por se envolver em delitos passionais, brigas de trânsito, bar, ou mesmo vem a óbito por reagir de maneira desqualificada a um assalto”, pontuou.

O especialista destacou na ocasião que o tema vem sendo objeto de análise há mais de uma década por diversos setores da sociedade e que não há consenso quanto ao impacto da restrição e sua correlação com a escalada da violência. “Há compreensões de que ela não foi suficiente para diminuir as taxas de homicídio como se esperava, mas também há aqueles que defendem o contrário, ou seja, de que se não fosse pela restrição, o cenário seria ainda pior”.

“Isso é um erro, segundo os especialistas na área da Segurança Pública. Entendemos que o combate à violência, enquanto política de Estado, deve ser monopólio desse que deve construir políticas públicas que possam arrefecer a violência”, frisa o advogado, explicando que, atualmente, a legislação penal trata do porte ilegal de armas e munição de maneira mais rígida do que a posse ilegal em razão do perigo abstrato que cada um oferta na sociedade.

“Em geral, preenchidos os requisitos para aquisição, qualquer cidadão pode possuir uma arma de fogo ou adquirir determinada quantidade de munição, porém não pode portá-la fora de sua residência ou propriedade. O caminho é burocrático e demasiadamente caro, o que leva a severas críticas, por isso a ideia de flexibilizar os requisitos e trâmites para aquisição de armas está em curso conforme pronunciamentos já vistos na imprensa pelo novo governo que assumirá o Brasil”, esclarece.

“Já o porte, em linhas gerais, é destinado aos profissionais da segurança pública, militares das Forças Armadas e a algumas autoridades, como magistrados e promotores, em razão da função. Advogados buscam obter o mesmo direito em razão de estarem no mesmo patamar constitucional de tais profissionais e sujeitos aos mesmos riscos”, detalha Bruno Saldanha, avaliando ainda que a sociedade é dinâmica e, por esse motivo, há necessidade de que o formato seja atualizado.

“O dilema é em qual sentido e em que proporção. É necessário um debate mais qualificado e menos apaixonado sobre o tema. Temos pouquíssimas estatísticas efetivamente específicas e segmentadas sobre os reais efeitos das diretrizes do Estatuto do Desarmamento e a criminalidade. A própria análise realizada pelos especialistas é prejudicada nesse aspecto, uma vez que as avaliações têm como base dados e estatísticas superficiais”, analisa.

“Na atual conjuntura de violência, não entendo que o criminoso deixará de praticar um assalto, por exemplo, por temer que alguém esteja armado num estabelecimento. O foco, a nosso ver, deveria ser em políticas de valorização das forças policiais, com treinamento, equipamentos, qualificação dentro de um modelo de polícia menos burocratizado e mais próximo da população, com aumento de investimentos na área da inteligência e presença do Estado, com todo o seu aparato nas regiões de mais criminalidade, mais educação, lazer, esporte, cultura, assistência social, desenvolvimento econômico e saúde”, defende ele.

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