quinta-feira, 12 de julho de 2012

O adeus a D. Eugenio

Rio (AE) - Foi enterrado nesta quarta-feira o corpo do cardeal dom Eugenio de Araujo Sales, arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que morreu na noite de segunda-feira, aos 91 anos. Cerca de 5 mil fiéis se reuniram na Catedral de São Sebastião, no centro do Rio, para prestar as últimas homenagens ao homem que dedicou quase 70 anos de sua vida ao sacerdócio.

      ronaldo brandão/brazil photo press/ae
Cadetes da Marinha conduzem o caixão com o corpo de dom Eugenio de Araújo Sales para a cripta da Catedral de São Sebastião. Túmulo fica em frente ao do Monsenhor Ivo Calliari, construtor do templo
 
Durante toda a madrugada, o corpo do cardeal foi velado em vigília na Capela do Santíssimo Sacramento, no interior da Catedral Metropolitana. Pela manhã e no início da tarde, fiéis enfrentaram fila para assinar o livro de registro e dar o último adeus a dom Eugenio. "O cristão, quando celebra a eucaristia das exéquias, celebra a esperança na vida que não termina com a morte", afirmou o arcebispo do Rio, dom Orani João Tempesta, minutos antes de presidir a última missa de corpo presente. A cerimônia, que durou duas horas, foi prestigiada por representantes do islamismo, judaísmo, luteranismo e das igrejas Ortodoxa e Anglicana.

Autoridades civis também estiveram presentes à cerimônia, como o prefeito do Rio, Eduardo Paes, o governador do Estado, Sérgio Cabral Filho, e a governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Cialini. O ministro Garibaldi Filho, potiguar de nascimento como dom Eugenio, representou a presidenta Dilma Rousseff nos funerais.

Após a cerimônia, o corpo de dom Eugenio foi levado à cripta no subsolo da catedral, onde religiosos e familiares se despediram do arcebispo emérito. "Ao sepultarmos o seu corpo na cripta da catedral, nós estamos colocando uma semente na terra", disse dom Orani. O túmulo de dom Eugenio ficará em frente ao do Monsenhor Ivo Antonio Calliari, construtor e primeiro pároco daquela catedral.

Todos os pertences do religioso - incluindo o barrete, o chapéu vermelho usado pelo cardeal, simbolizando-o como um príncipe da Igreja, que permaneceu exposto sobre o caixão durante toda a celebração - serão levados para o Museu de Arte Sacra do Rio de Janeiro.

Visto pelos fieis como uma manifestação divina, a pomba branca que ficou sobre o caixão por mais de uma hora, na terça-feira, permanecia na nave central da Capela do Santíssimo, durante todo o velório. As portas da igreja permaneceram abertas durante a madrugada para que o povo pudesse dar um último adeus ao arcebispo emérito do Rio de Janeiro.

No testamento, a eterna gratidão à família e à Igreja

Em outubro de 2003, pouco antes de completar 84 anos, Dom Eugenio escreveu seu Testamento Particular. Dedicado à Igreja, ao Papa e ao fieis, o religioso manifestou sua eterna gratidão à família, às arquidioceses por onde passou e aos benfeitores que o ajudaram. Leia trechos do Testamento:

"Dirijo-me em primeiro lugar a Deus, a quem me entrego inteira e absolutamente. Consagrei-me à Igreja e renovo essa doação integral. Nunca me arrependi de tê-la feito. Tudo que escrevi, disse e ensinei fica submetido ao Magistério Eclesiástico. Deverá ser corrigido, em caso de discrepância da minha parte. Reafirmo minha Fé Católica. Creio em tudo que a Igreja ensina e como ela o ensina. Proclamo a plena aceitação do Mistério da Trindade, da Encarnação, Redenção e demais, que são parte do conteúdo de nossa Doutrina. Quero morrer sempre fiel ao Papa, Sucessor de Pedro. Não levo mágoas. Peço perdão a quem ofendi. Procurarei reparar os sofrimentos com minhas orações. Aceito plenamente a vontade de Deus. (...) Manifesto profunda gratidão à minha família, às Arquidioceses de Natal, Salvador e Rio de Janeiro. Aos benfeitores que me ajudaram a procurar ser sempre um bom Padre e Bispo. No céu, onde espero ser acolhido por meu Pai, o Senhor Jesus e Maria, procurarei retribuir tudo o que recebi (...)"

A fé como legado de vida

O velório de Dom Eugenio Sales, ocorrido nesta quarta-feira na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, onde também foi sepultado, foi acompanhado por religiosos de diversas regiões do país e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O ministro da Previdência Social, Garibaldi Filho, representou a presidenta Dilma Rousseff na cerimônia celebrada pelo arcebispo da capital fluminense Dom Orani João Tempesta. No sermão, Dom Orani destacou "o legado social, educador e religioso" de Dom Eugenio, visto como um dos principais personagens da história recente da Igreja Católica no Brasil.

A governadora Rosalba Ciarlini chegou à Catedral Metropolitana de São Sebastião na companhia do Bispo de Caicó, Dom Delson Pedreira da Cruz. "Dom Eugênio é um personagem marcante da história do Brasil. O RN está de luto em homenagem ao conterrâneo que se destacou como líder religioso e também no apoio às comunidades carentes e aos refugiados políticos", disse Rosalba. O corpo de Dom Eugenio de Araujo Sales foi sepultado às 15h, na cripta da Catedral. Também estavam presentes à cerimônia fúnebre o arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira e o antecessor D. Matias Patrício.

O mais novos dos oito irmãos Araújo Sales, o professor Otto Santana, 71, representou a família no funeral e se disse feliz ao ver o reconhecimento da contribuição que Dom Eugenio deu ao Rio de Janeiro com sua fé. "O que ele mais desejava era o bem da comunidade, das pessoas e do Brasil, pelo crescimento da fé. Essa manifestação do público, essa peregrinação para a despedida dele demonstra isso", enfatizou Otto. "Ele deixa como legado a fé encarnada que se transforma em qualidade de vida para as pessoas. Como Jesus, ele também cuidou dos humildes".

Nomeado Arcebispo do Rio de Janeiro em março de 1971 pelo Papa Paulo VI, função que exerceu por três décadas, Dom Eugenio era o mais velho de oito filhos, de dois casamentos, e Otto é o mais novo do segundo matrimônio da mãe, dona Josefa. O religioso potiguar era o mais antigo cardeal da Igreja Católica brasileira, proclamado por Paulo VI em 1969.

MISSAS E HOMENAGENS

Reconhecido por sua dedicação à Igreja, Dom Eugenio de Araújo Sales (1920-2012) foi homenageado em Acari, cidade onde nasceu, durante missa celebrada ontem pelo Padre Francisco de Assis Costa na Matriz de Nossa Senhora da Guia. No domingo (15), às 7h, também na matriz, Padre Costa e o Monsenhor Raimundo celebram Missa de 7º dia. Em Acari ainda está programada missa no 30º dia.

Em Natal, Dom Jaime Vieira Rocha, arcebispo de Natal, celebra Missa de 7º dia no sábado (14), às 11h, na Catedral Metropolitana, Cidade Alta.

A Polícia Militar do RN também presta homenagem à Dom Eugênio Sales nesta sexta-feira, quando será celebrada missa na Paróquia Militar Cristo Rei às 7h30. Dom Eugênio foi o primeiro Capelão da PM-RN, tendo sido nomeado no posto de Capitão PM pelo governador José Augusto Varela em 1948. A missa é aberta ao público. "Nós, que fazemos parte da Polícia Militar, sentimo-nos honrados pelo Capelão que tivemos e rogamos ao Senhor seu descanso eterno", declarou o Major Capelão Chagas.

Dom Eugenio de Araújo Sales nasceu no dia 8 de novembro de 1920. Entrou para o Seminário Maior da Prainha, em Fortaleza, com apenas 16 anos. Foi ordenado sacerdote por dom Marcolino, na Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, em Natal. Do trabalho com as comunidades do Rio Grande do Norte nasceu a semente da Campanha da Fraternidade.


A alegria pascal

Dom Eugenio Sales - publicado em 22/04 2011

Ao passo que a alegria, presságio do transcendente, faz-nos sentir algo superior às experiências comuns, ela, todavia, acorda em nós o mais próprio, o mais íntimo de nós mesmos. Será que não está inscrita na experiência pura e honesta da alegria uma tênue e todavia forte certeza de que a mais profunda realidade de nosso ser é imagem do eterno? Este estado de alma é como uma atmosfera jubilosa de nossa mente, que se reflete em nossos sentimentos e que se irradia em nossos relacionamentos humanos.

Já os antigos pensadores Aristóteles: Santo Tomás e São Boaventura, ou grandes poetas como Schiller, escreveram de modo sublime sobre a alegria humana, este clima de paz na alma, este sentir-se incluído na comunhão com o bem e com o belo. Foi ainda este tema que inspirou Beethoven a escrever a sua Nona Sinfonia.

A pessoa possui uma tendência insaciável para a auto-realização. Deus, felicidade eterna, é a fonte primeira e última meta de toda verdadeira alegria. Por isso, quem não viver em harmonia consigo ou com os outros já não é reflexo de Deus e perde a paz e a alegria.

As pessoas humanas trocam muitas vezes a alegria pelos prazeres. Mas o prazer não é alegria; é uma excitação momentânea e passageira, que deixa a pessoa recair no vazio, na decepção e na solidão. A alegria só é verdadeira se ela não nos escravizar no pecado ou no egoísmo. As alegrias, no entanto, mesmo pequenas, mas verdadeiras, preenchem-nos do belo e da luz; dão força à nossa alma e um discreto esplendor à nossa face. Assim, em toda verdadeira alegria, nossa alma e nosso rosto estão iluminados por Deus, e nós nos tornamos luz para o mundo e fonte de paz. Ela nos abre para Deus.

O exemplo perfeito da alegria cristã é Jesus Cristo. Isto se mostra no momento altamente dramático de sua vida. Sabendo que "se tinham completado os seus dias, ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém" (Lc 9,51). Diz então o Evangelho que Jesus, já caminhando na direção da cidade onde deverá morrer, oferece ao Pai do céu todo o seu ser e toda a sua obra, sente-se feliz com o empenho generoso dos seus discípulos e começa a rezar: "Naquela mesma hora, Jesus exultou de alegria no Espírito" (Lc 10,21).

O que hoje motiva minha alegria são especialmente duas coisas. Primeiro, lembro-me com gratidão que pude trabalhar com todo empenho pelo Evangelho, esta causa mais sublime de Deus. Pude lutar, em inúmeras ocasiões, pelo povo brasileiro, que tanto amo. Lutar pela libertação de prisioneiros, pelo tratamento digno de adversários políticos, pela escola cristã, pela mulher, cuja nobreza é a dignificação da sociedade humana, pela família, escola primordial do amor e da alegria e única fonte verdadeira do futuro de um país.

Ao chegar a quase 91 anos, ponho novamente tudo na mão de Deus, em cujo nome tentei trabalhar. Tenho diante de mim um segundo motivo de incalculável alegria: vejo no Arcebispo Dom Orani João Tempesta, meu atual sucessor, um homem sábio que nos foi dado por Deus. Ele não só continuará o que procurei fazer, mas seu espírito aberto, sua grande experiência e sua vida de homem de Deus darão à Igreja nova força de presença transformadora. Queira Deus abençoar este Pastor e todos os que o ajudam para que sua mensagem alcance todas as camadas da sociedade.

Coloco diante de Deus os meus mais profundos agradecimentos: em primeiro lugar aos jornais que, abrindo espaço, permitiram a irradiação de minhas mensagens. Depois aos leitores, cujo interesse animou e gratificou o meu trabalho. Finalmente a todos os que, com zelo e competência, ajudaram os meus esforços de manter, desde o ano 1971, a coluna semanal nos jornais para divulgar a fé e a doutrina.

Convido a todos a se abrirem à mensagem da Páscoa. Nela se anuncia aquele supremo fim que será a transformação e exaltação de toda a história: "Haverá o fim, quando Jesus entregar o Reino a Deus Pai (...). E, quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, para que Deus seja tudo em todos" (1Cor 15,24.28).

Esta é a nossa Páscoa. Desde já participamos, na fé e no amor, desta última e definitiva liturgia: em Cristo e com Cristo queremos ser um vivo ofertório, um louvor sem fim ao Pai da eternidade.

Este artigo, por decisão de Dom Eugenio, encerrou a série de publicações iniciadas por ele na imprensa brasileira desde 1971.

*Tribuna do Norte

Nenhum comentário:

Postar um comentário