sábado, 19 de agosto de 2017

Médico do Samu Natal é advertido por atendimento 'polêmico' ao telefone; ouça áudio

Profissional atendeu chamado de socorro ao advogado Rodrigo Paiva, baleado durante assalto em Natal. Atendente também foi advertida. Para secretário de Saúde, profissionais seguiram protocolo.

Da redação com G1 RN

Um médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em Natal foi advertido por usar 'linguajar inadequado' e apresentar 'excesso de preocupação com segurança no local' ao atender uma chamada com pedido de socorro ao advogado Rodrigo Paiva, de 37 anos, baleado em um assalto no último sábado (12), na Zona Leste de Natal. Uma atendente também recebeu advertência da coordenação do serviço por falta de objetividade na identificação do endereço. Escute o áudio.

A gravação da chamada foi conseguida pela família da vítima. Nela, uma mulher leva quase dois minutos para explicar à atendente a localização onde o fato aconteceu. Em seguida, ela é atendida por um médico, que usa palavras de 'baixo calão', segundo os familiares, que também reclamaram da falta de 'humanização' diante de um caso grave.

"Um médico grosso dizendo que não ia mandar ninguém sem polícia. Com esse tempo, chamasse o Itep [Instituto do estado que realiza perícia de locais de crime e exumação de corpos de vítimas]. Meu irmão estava morrendo. Não tem palavra para descrever isso. É uma falta de preparo", disse o irmão do advogado, Carlos Virgílio, à Inter TV Cabugi.

No áudio, a mulher reclama da burocracia para conseguir o atendimento. "Minha senhora, não tem como mandar logo não, a ambulância? É uma urgência", diz ao ser informada pela atendente que ainda falaria com um médico. Ao atender a ligação, o profissional ainda afirmou que só poderia enviar uma equipe com a presença da Polícia Militar no local.

"É assim mesmo senhora, funciona desse jeito, viu?", diz o médico ao iniciar o diálogo, enquanto a mulher comenta com alguém ao seu lado sobre a demora. "Ave maria! É que o homem tá baleado aqui", comenta a cidadã. "É que a culpa primeiro não é da gente, né?", retruca o profissional.

Ao questionar a mulher sobre o local do ferimento, ela responde o nome da rua. "Foi na bunda, na perna na cabeça, na orelha, em que local?", pergunta ele.

Apesar da advertência, os coordenadores consideraram que não houve falta severa dos profissionais. O secretário municipal de Saúde de Natal, Luiz Roberto Fonseca, afirmou que o caso poderá ser apreciado por uma comissão de ética. "Algumas colocações, alguns comentários, a forma como foi colocado, pode ter tido um tom jocoso. Protocolarmente, não houve erro", considerou.

De acordo com o secretário e a coordenação do Samu, os dois servidores cumpriram o protocolo de atendimento e o tempo estimado para o serviço. Ainda de acordo com o Samu, a ambulância chegou a ser encaminhada para o local, mas o procedimento foi cancelado quando a equipe foi avisada de que o advogado já tinha sido socorrido por populares.

Falhas

A coordenação do Samu considerou que houve excesso do médico com a segurança do local, mas confirmou que as equipes de atendimento só se deslocam para atendimento em locais de crime quando há presença da polícia. O secretário de Saúde afirmou que a medida visa proteger os profissionais bem como outros cidadãos. "Um dos nossos objetivos é justamente evitar fazer uma nova vítima", declarou ao G1.

Para Luiz Roberto, apesar de ter o objetivo de minimizar as falhas, perdas com trotes e com localização imprecisa, o protocolo, que tem entre cinco e 10 anos, está obsoleto diante da gravidade e da quantidade de casos violentos em Natal. "Em casos graves, o socorro tem que ser o mais breve possível. Mas hoje ele segue o mesmo padrão dos outros", considerou.

Outra falha identificada pelo secretário é quanto ao chamado da polícia. "Talvez fosse melhor que o próprio Samu chamasse o apoio da polícia, em vez de delegar isso ao cidadão. Mas precisamos de um contato com o comando da PM, que a polícia priorize, porque ela também enfrenta déficit e às vezes não tem como apoiar. Isso é um problema que a gente tem que rever", considerou.

Ele afirmou que na próxima semana realizará uma reunião para que a equipe possa repensar os protocolos de atendimento do órgão.

O caso

O advogado Rodrigo Paiva foi baleado durante tentativa de assalto no sábado (12), em Natal. Ele teve os dois pulmões, o diafragma, o fígado e o estômago perfurados pelo tiro que levou. Ele permanece internado, entretanto, de acordo com os médicos, não corre risco de morte.

Testemunhas relataram que os criminosos, com raiva, atiraram em Rodrigo porque não conseguiram dar a partida no carro. O advogado ainda teria tentado correr atrás dos assaltantes. Ferido, ele foi colocado de volta dentro do carro.


Protocolo cumprido

De acordo com o Samu, todo o protocolo para atendimento foi atendido. A chamada deve durar até quatro minutos. A ligação é atendida por um técnico auxiliar de regulação médica, que deve colher informações de endereço, pontos de referência e identidade da vítima - pelo menos idade aproximada e sexo, por exemplo. O atendimento deve acontecer em um minuto ou, no máximo, em dois.

Em seguida, a ligação segue para um médico que vai avaliar, pela conversa ao telefone, a gravidade do caso, podendo classificar a situação em leve, moderada ou grave. A unidade de atendimento deve chegar ao local em até 15 minutos após o início da chamada.

Segundo a coordenação do Samu, no caso do atendimento ao advogado, a ligação completa durou 3 minutos e 24 segundos. Mesmo sem saber a situação real da vítima, o médico classificou o caso como grave, uma vez que o tiro atingiu o tórax. Foi enviada uma unidade de suporte avançado, que está próxima ao local 11 minutos após a ligação, quando a operação foi suspensa. A vítima já tinha sido socorrida.

Diálogo

Confira o diálogo da conversa entre uma mulher e a equipe do Samu:

Atendente: Samu natal (inaudível) boa tarde!

Mulher: Boa tarde. Moça eu queria uma ambulância, uma Samu aqui pra rua aqui Régulo Tinoco, com Alberto Maranhão. O cara foi baleado.

Atendente: Qual é o bairro?

Mulher: Barro vermelho. Rua Régulo Tinoco com Alberto Maranhão.

Atendente: A senhora tá no local?

Mulher: A gente tá no local, o cara foi baleado. Não conheço, não, uma pessoa desconhecida. O tiro pode ter pegado no coração, tem que ser urgente.

Atendente: Vou fazer uma ficha de ocorrência e a senhora vai falar com um médico.

Mulher: O homem faleceu...

Atendente: Qual seu nome?

Mulher: O meu nome é [nome suprimido].

Atendente: telefone pra contato é esse que a senhora tá ligando?

Mulher: É esse que eu to ligando ...

Atendente: A senhora tá próximo, né, a ele?

Mulher: Tô, eu tô aqui. Ele tá do outro lado da rua.

Atendente: Próximo ao que, ai?

Mulher: Próximo ao Mercadinho Xavier, é uma esquina. próximo a régulo tinoco com alberto maranhão.

Atendente: Próximo ao Mercadinho Xavier?

Mulher: É!

Atendente: Então é na Régulo Tinoco com?

Mulher: Com Alberto Maranhão, é, mas é na Régulo Tinoco mesmo.

Atendente: Além desse mercadinho, tem mais algum ponto de referência aí?

Mulher: Tem o restaurante lumiar, tem, tem aqui, é um bar na esquina.

Atendente: Pronto, a senhora vai falar com o médico, só um momento?

Mulher: Minha senhora, não tem como mandar logo não, a ambulância? É uma urgência..

Atendente: A senhora vai falar com o médico, que é quem libera a ambulância.

"musica"

Mulher: Tá chamando.. porque é um protocolo do tamanho do mundo.

Médico: É assim mesmo senhora, funciona desse jeito, viu?

Mulher: Ave maria. É que o homem tá baleado aqui.

Médico: É que a culpa primeiro não é da gente, né?

Mulher: Não, eu sei, é porque no momento a pessoa fica agoniada.

Médico: O ferimento foi que local, senhora?

Mulher: É na esquina da Régulo Tinoco...

Médico: Foi na bunda, na perna na cabeça, na orelha, em que local?

Mulher: É na Régulo Tinoco.

Médico: Senhora, não é o endereço que eu to perguntando, não.

Mulher: É o que?

Médico: Tô perguntando: o ferimento dele, foi em que local?

Mulher: Ele levou um tiro. Não estou vendo. Ele pode ter pegado no coração. Ele está aqui se batendo.

Médico: Tem que chamar a polícia também. O Samu só chega quando a polícia chega.

Mulher: Mas a polícia está aqui. Tem um rapaz da Força Tática aqui já.

Médico: Passe ai pra ele. Deixa eu falar com ele.

Mulher: Só um instante. Peraí.

Homem: Opa, amigo.

Médico: Quem fala, amigo?

Homem: É marcos, eu sou enfermeiro.

Médico: A polícia tá no QTH? A polícia está aí?

Homem: Não tem polícia, não tem ninguém aqui não.

Médico: Pronto... é... isso... o Samu chega quando a polícia chega no QTH, vai ter que ligar pra polícia também, viu?

Homem: Rapaz, tá bom, tá bom, tá bom, tá bom...

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