Da redação com UOL
Por Colunista - Reinaldo Azevedo
Ainda existem juízes em Brasília para garantir o devido processo legal. De todo modo, o embate não é fácil.
Por dois votos a dois, situação que beneficia o réu, a Segunda Turma do Supremo anulou a sentença condenatória contra Paulo Roberto Krug proferida por Sergio Moro, que era então juiz titular da 2ª Vara Criminal de Curitiba, no âmbito do caso conhecido como "escândalo do Banestado".
Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski consideraram que houve quebra do princípio da imparcialidade do julgador, segundo os termos dos Incisos I e II do Artigo 252 do Código de Processo Penal. Restaram como votos vencidos, para surpresa de quase ninguém, os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia.
Os fatos, que se extraem dos votos dos ministros — inclusive dos que, de modo que me parece incompreensível, votaram contra a suspeição — impressionam. O que fez Moro para ser declarado suspeito?
O doutor participou da homologação de acordos com beneficiários de delação premiada que, em seus respectivos depoimentos, incriminaram o réu. Entre estes, já estava Alberto Yussef, depois estrela também do petrolão. É curioso. Parece que esse doleiro é uma espécie de Coringa da Moro, não é mesmo? Sem ele, não teia construído a sua carreira. Poder-se-ia dizer, em termos puramente narrativos, que existe uma verdadeira parceria entre ambos.
Como resta claro nos autos, o então juiz foi além de verificar se estavam dados os requisitos técnicos para o acordo. Na condução do interrogatório, fica evidente que buscou produzir provas contra aquele que ele iria julgar depois.
Nos termos do voto do ministro Gilmar Mendes:
"A partir da análise dos atos probatórios praticados pelo magistrado, verifica-se que houve uma atuação direta do julgador em reforço à acusação. Não houve uma mera supervisão dos atos de produção de prova, mas o direcionamento e a contribuição do juiz para o estabelecimento e para o fortalecimento da tese acusatória".
Que se note: a sentença assinada por Moro é anterior à atual Lei das Organizações Criminosas, a 12.850, que é de agosto de 2013 e disciplina as delações. Ela é explícita ao afirmar cabe ao juiz homologar ou não a delação, verificando a sua higidez legal, mas dela não participa.
Ainda assim, por óbvio, já vigia no país o chamado "sistema acusatório", em que a função do juiz não se confunde com a do órgão acusador.
Afirma o ministro Lewandowski em seu voto:
"A Carta Política de 1988 consagrou, em matéria de processo penal, o sistema acusatório, atribuindo a órgãos distintos a atribuição de acusar e julgar. O legislador constituinte, nesse sentido, estabeleceu uma rigorosa repartição de competências entre os órgãos que integram o sistema de Justiça."
Edson Fachin e Cármen Lúcia, dois notórios punitivistas, ignoraram procedimentos assombrosos de Moro. Parece que a dupla está a nos dizer que, no processo penal, vale tudo em nome do que entendem ser justiça — e esse "tudo" inclui ignorar a lei.
Em seu voto, Mendes lembra algo espantoso. Prestem atenção:
"Ao final da instrução, sem qualquer pedido do órgão acusador, ou seja, após o exaurimento da pretensão acusatória já que o representante do MP entendeu como suficiente o lastro probatório produzido, o julgador determinou a juntada de quase 800 folhas em quatro volumes de documentos diretamente relacionados com os fatos criminosos imputados aos réus. Depois, ao sentenciar, o juízo utilizou expressamente tais elementos para fundamentar a condenação. O cenário é evidente: o magistrado produziu, sem pedido das partes, a prova que ele mesmo utilizou para proferir a condenação que já era almejada, por óbvio."
Vocês entenderam a situação? Moro juntou o papelório ao processo sem nem dar chance à defesa de produzir o contraditório. E, como se nota, Fachin e Cármen nada viram de errado no procedimento — como não tinham visto, é verdade, o TRF-4 e o STJ.
É evidente que a coisa ganha destaque poque está pendente na Segunda Turma o julgamento da suspeição de Moro no processo que condenou Lula no caso do tríplex de Guarujá. Fachin e Cármen já se posicionaram contra a pretensão do petista. Os votos foram proferidos em dezembro de 2018, antes do circo de horrores revelado pela Vaza Jato — e olhem que, mesmo sem ele, já havia motivos de sobra para declarar a suspeição.
Eles ainda podem mudar seus respectivos votos. Se, pré-reportagens do Intercept Brasil, declarar a suspeição de Moro era uma questão de direito, fazê-lo depois delas passou a ser uma questão também de caráter.
Que fique claro: país em que se punem pessoas ao arrepio da lei, ainda que culpadas, está pronto para fazê-lo também com inocentes. Se a lei não importa, então importa o arbítrio. E será este a definir culpados e inocentes. É isso o que se quer? Se é, então o que se quer é ditadura, não estado democrático e de direito.
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