terça-feira, 8 de setembro de 2020

Política: Com pandemia, esquenta rivalidade entre Lula e Bolsonaro no sertão nordestino

Covid leva a cancelamento de eventos, impacta renda e impõe máscaras até em estátuas

Da redação com AGORA RN
Por Redação/Folha de S.Paulo
Josefa Camilo de Almeida, 72, mora na avenida Coronel Chico Romão, principal via de Serrita, município de 19 mil habitantes no sertão pernambucano. Mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, ela mantém um hábito comum em cidades do interior: sentar à porta de casa e olhar o movimento.

Em uma cadeira de plástico sob a sombra de uma árvore frondosa, que aplaca o calor sertanejo de 32°C, ela diz ter medo de contrair a Covid-19, apesar de dispensar o uso de máscara para conversar com a vizinha, também sem máscara, acomodada em uma cadeira apenas meio metro ao seu lado.

Dona Josefa é aposentada desde os 56 anos e por isso não teve dificuldades financeiras quando a pandemia forçou um isolamento social e reduziu drasticamente a renda de milhões de brasileiros. Apesar disso, elogia o governo de Jair Bolsonaro pelo auxílio emergencial aos que perderam renda em decorrência da pandemia.

Em Serrita, 39% da população são beneficiados diretamente pelo benefício, segundo o governo. “Ele [Bolsonaro] não é uma pessoa má, porque quem não está trabalhando também está recebendo”, diz, em referência às parcelas de R$ 600 pagas pelo Estado.

Questionada sobre como avalia o presidente em relação a governos anteriores, ela diz ainda preferir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Por quê? Ela sorri e diz: “Porque ele dava valor aos pobres”.

A opinião de dona Josefa reflete um pensamento cada vez mais comum no sertão nordestino.


Boa parte dessa melhora de imagem é atribuída ao pagamento do auxílio emergencial, embora a paternidade do benefício seja motivo de embate entre governo e Congresso.
Bahia, Ceará e Pernambuco

A Folha percorreu municípios do sertão nordestino, passando por Bahia, Ceará e Pernambuco. Em vários deles, embora a lembrança do ex-presidente Lula ainda seja muito forte, boa parte da população tem aprovado Bolsonaro, a quem atribuem a concessão do auxílio.

Em Serrita, o baque econômico causado pela pandemia teve um agravante: uma parcela significativa da economia da cidade gira em torno de um evento anual, que foi realizado sem público em 2020: a tradicional missa do vaqueiro, que em julho costumava levar até 60 mil pessoas ao parque João Câncio, na zona rural do município.

A celebração, que reúne vaqueiros de todo o Nordeste, surgiu como uma homenagem a Raimundo Jacó, vaqueiro assassinado ali em 1954. Na entrada da cidade, a estátua de Raimundo Jacó montado em seu cavalo está diferente: apesar de tocar o berrante, o vaqueiro agora usa máscara.

A fim de conscientizar a população para essa e outras medidas de prevenção contra o coronavírus, a cena se repete em monumentos de todo o sertão. Na entrada de Exu (PE), por exemplo, um enorme Luiz Gonzaga traz, além da sanfona aos pés, uma máscara no rosto.

Também usa a proteção facial o Padre Cícero de 30 metros que fica em Juazeiro do Norte (CE).

Na maior cidade do Cariri, onde a economia depende fortemente do turismo religioso, a pandemia suspendeu todas as romarias. Igrejas, monumentos, museus, comércios e restaurantes foram fechados. Segundo o governo federal, 37% dos 276 mil habitantes do município são beneficiados pelo auxílio emergencial.

Anderson Ribeiro Karam, 44, tem uma mercearia na subida para a colina do Horto, onde fica a estátua do Padre Cícero. Sem os milhares de romeiros que passavam diariamente pelo local, as vendas despencaram. Como recebe auxílio-doença, não pôde solicitar a verba emergencial do governo, mas outros membros da família o fizeram.

Ele diz aprovar a postura de Bolsonaro de incentivar a reabertura dos comércios. Apesar de não ter votado no presidente em 2018, avalia como razoável a gestão dele até aqui. Mas nada que se deva comparar aos anos Lula, diz. “Antigamente, era muita pobreza. O povo aqui tinha no máximo uma bicicleta. Hoje em dia todo mundo tem sua ‘motinha’.”

Todos os demais municípios da região do Cariri têm uma grande parcela da população recebendo o auxílio. No Crato, esse percentual fica nos 36%; em Barbalha, 39%; Missão Velha chega aos 45%.

Do outro lado da Chapada do Araripe, em Exu, terra natal de Luiz Gonzaga, 49% dos habitantes recebem a verba. Em Granito e Trindade (PE), essa taxa chega a 45% e 43%, respectivamente.

No outro extremo do sertão pernambucano, na divisa com a Bahia, está Petrolina (distante 712 km do Recife), uma das maiores cidades de todo o semiárido brasileiro, com 354 mil habitantes, segundo estimativa do IBGE. Lá, a situação não difere do resto da região: 34% da população são beneficiados diretamente pelo auxílio.

Entre elas está Joana Salú Barbosa, 66. Há 36 anos ela vende tapioca na feira da Areia Branca, que chegou a ser suspensa. Sem poder vender seus produtos, vários feirantes tiveram que recorrer ao auxílio emergencial. “Sem esse benefício, o povo ia morrer de fome”, diz Joana.

Entre as dezenas de outdoors espalhados por Petrolina e Juazeiro (BA) para exaltar a imagem de Bolsonaro e promover a Aliança Pelo Brasil, legenda que bolsonaristas tentam criar, um deles diz o seguinte: “Obrigado, presidente! Mais de 80 milhões de pessoas receberam o auxílio emergencial”.

​É nesta onda de aprovação do auxílio emergencial que devem surfar vários candidatos bolsonaristas nas eleições municipais de novembro.

O impacto econômico causado pela crise do coronavírus, o alívio temporário gerado pelo auxílio emergencial e a consequente melhora de imagem do presidente devem ter forte influência na campanha em cidades pequenas e médias da região, nas quais até metade da população recebe a verba do governo.

O prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (MDB), pré-candidato à reeleição, ressalta a importância do auxílio emergencial e de outros projetos do governo federal e indica que gostaria de ter o presidente em seu palanque. Ele, contudo, evita criticar as gestões petistas.

“Eu acho que a gente tem que separar a história, o trabalho feito, da questão política. Não sou militante da esquerda, mas reconheço o governo Lula como sendo bastante exitoso, em especial para a nossa região Nordeste”, diz à reportagem. “Mas o presidente Bolsonaro vem trabalhando para poder também se inserir.”

Filho do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), o prefeito diz que o auxílio emergencial é apenas uma das obras do governo federal que justificam a alta na aprovação do presidente. Ele menciona ainda o programa de manutenção de emprego e a continuidade de projetos como a transposição do rio São Francisco.

“É óbvio que [o auxílio emergencial] é o mais tangível e o que chegou mais rápido nas classes sociais mais vulneráveis. Você fala da obra da transposição, por exemplo, ou qualquer outra obra física, é uma obra emblemática, importante, fundamental para o desenvolvimento, mas o efeito prático no pai de família, no grupo familiar, leva um tempo para se consolidar. Já o auxílio emergencial é na conta, é na veia.”

No segundo turno de 2018, o candidato petista Fernando Haddad teve mais do que o dobro de votos alcançados por Bolsonaro em Petrolina. Coelho, no entanto, minimiza o resultado e afirma que é natural que o militar tenha tido menos votos no Nordeste, uma vez que ele “foi a vida inteira um político do estado do Rio de Janeiro”.

Ele vê, portanto, como algo natural a consolidação da imagem do governo e a valorização do “ativo chamado Bolsonaro, do político chamado Bolsonaro”, o que deve ter consequências nas eleições. “Como a gente já vem vendo muita gente querendo pegar essa onda dele”, afirma.

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