Maurício Savarese
Do UOL Notícias
Em Brasília
O governo brasileiro esperava holofotes de todo o mundo durante a primeira visita à América do Sul do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Esperava que o americano apontasse o país como futuro membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esperava anunciar o fim dos longos processos de visto para entrada na nação mais poderosa do planeta. Acabou ficando com afagos genéricos, acordos modestos e todo o Ocidente bem mais interessado na intervenção na Líbia, deflagrada nesse sábado (19).
Quando Obama decolar nesta segunda-feira (21) da Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, o foco de suas preocupações será o mesmo de sexta-feira (18), dia em que deixou Washington com a mulher, Michelle, as filhas, Sasha e Malia, e uma comitiva de mais de 1.000 pessoas, rumo a Brasil, Chile e El Salvador: como impedir o ditador Muammar Gaddafi de continuar com o massacre de civis sem que isso pareça uma ação unilateral do país que nos últimos anos conduziu com ajuda de poucos as polêmicas guerras no Iraque e no Afeganistão.
Esse foi um dos temas de sua primeira agenda pública no país, poucas horas depois de aterrissar em Brasília. Embora os dez acordos assinados com o Brasil também estivessem na pauta da conversa com a presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, Obama usou grande parte de seu tempo para falar sobre a ação na Líbia, que seria desencadeada pouco depois. Do local onde conversava com a colega brasileira, deu seu ok ao início das operações. Voltou a falar sobre o assunto várias vezes ao longo de sua passagem.
Alguns dos principais veículos da mídia americana notaram desconforto em Obama por estar fora dos EUA ao anunciar a primeira intervenção de seu governo no exterior --ele aumentou o contingente de soldados no Afeganistão, mas a iniciativa já estava prevista pela gestão do antecessor, George W.Bush. Adversários do Partido Republicano já criticam o presidente por ter vindo à América Latina, permitindo que a França tomasse a liderança nos ataques à ditadura líbia, embora os americanos controlem a maioria das operações.
Sinais mistos
No Palácio do Planalto, apesar de expectativas frustradas, havia otimismo pelo sinal: o homem mais poderoso do mundo visitou Dilma antes mesmo de ela ir a Washington e em seu primeiro semestre no cargo. No mês que vem ela irá à China, país que os EUA já tratam como principal rival geopolítico. Aos EUA, ela só deve viajar em setembro --mês em que também abrirá a Assembléia-Geral da ONU, em Nova York, no dia 14. Até lá, espera-se um acordo sobre a extensão dos vistos --ou até o fim deles. Além de queda de tarifas.
Sobre a entrada no Conselho de Segurança, composto por EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha e França, a manifestação de “apreço” pela entrada do Brasil no clube foi vista pelo Itamaraty como “um bom primeiro sinal”, nas palavras de um diplomata. Embora insuficiente, disse ele, foi melhor do que o esperado, já que o Departamento de Estado americano não desejava sequer essa menção. A secretária, Hillary Clinton, mantém nos bastidores uma disputa com Obama pelos rumos da política externa.
“Essa visita é importante não pelos acordos, mas sim pelos sinais”, disse ao UOL Notícias Luciano Dias, do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos). “É verdade que o conflito na Líbia é o foco do Ocidente hoje e que a vinda do Obama não se compara à de outros momentos, como a do presidente Franklin Delano Roosevelt em 1943, durante a 2ª Guerra Mundial. Mas é a primeira visita de um presidente americano com o Brasil em posição de destaque no cenário internacional com base na economia e nas políticas sociais.”
Obama sem povão
O planejamento da vinda de Obama para o Brasil incluía um evento com ares de comício na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro. Cerca de 30 mil pessoas ouviriam o primeiro negro a mandar na Casa Branca. Mas o domingo (21), dia que se assemelharia ao do discurso diante do Portal de Brandemburgo, em Berlim, a milhares de fãs europeus, transformou-se em um protocolar pronunciamento no Theatro Municipal, mais parecido e menos histórico do que sua ida à Universidade do Cairo, no Egito, onde se dirigiu aos muçulmanos em 2009.
Restou-lhe elogiar a democracia brasileira a 2 mil testemunhas. “Onde a luz da liberdade brilha, todo o mundo se torna mais brilhante. É o exemplo do Brasil”, disse ele, que repetidamente se referiu ao passado de Dilma na luta contra a ditadura militar (1964-1985). “O Brasil mostrou que uma ditadura pode virar uma democracia. Mostrou que a reivindicação de mudança pode começar na rua e transformar o país, transformar o mundo.” Aí estava seu gancho para continuar falando da Líbia e das outras revoltas árabes.
“Vimos a população da Líbia se posicionar de forma corajosa contra um regime determinado a brutalizar seus próprios cidadãos. Vimos uma revolução que surgiu a partir do desejo de uma dignidade básica na Tunísia. Vimos pessoas protestando pacificamente na praça Tahrir, no Egito. Através da região, vimos jovens se levantarem. Uma nova geração exigindo o direito de determinar seu próprio futuro”, disse no Theatro Municipal. “Os EUA e o Brasil sabem que o futuro do mundo árabe será determinado por seus próprios povos.”
Gafe diplomática e simpatia
Obama não chamou os brasileiros de bolivianos, como fez Ronald Reagan em sua visita. Não pareceu desajeitado ao trocar passes com garotos da Cidade de Deus, na zona oeste do Rio de Janeiro, nem tropeçou no português ao dizer “muito obrigado” e “alô, Cidade Maravilhosa, obrigado a todo o povo brasileiro”. Mas sua segurança irritou ministros de Dilma e quase causou um incidente diplomático, resolvido pela obediência dos brasileiros às orientações dos funcionários da Casa Branca.
Guido Mantega (Fazenda), Edison Lobão (Minas e Energia), Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento) foram revistados pelos seguranças, apesar de um acordo com o cerimonial americano para que isso não acontecesse com eles. Incomodados com a ordem, eles acabaram deixando o local onde Obama falaria a líderes empresariais em Brasília sem ouvir o discurso.
Obama se esforçou para ser simpático. No Palácio do Planalto, fez uma criança de 10 anos chorar de emoção ao apertar sua mão. Recebeu camisetas de clubes de futebol, visitou o Cristo Redentor, afirmou repetidamente ainda estar magoado por Chicago ter perdido as Olimpíadas de 2016 para o Rio de Janeiro, fez piada com a seleção brasileira e lembrou da mãe, já falecida, que gostava do filme “Orfeu Negro”. “Ela nunca imaginaria que a primeira viagem de seu filho ao Brasil seria como presidente dos EUA”, disse.
Por volta das 9h, o presidente dos EUA parte com sua família e sua comitiva para Santiago, no Chile, onde deverá fazer um pronunciamento mais voltado aos hispânicos --um eleitorado importante em sua tentativa de se reeleger em 2012. Ainda assim, falando sobre cobre, dizendo “hola amigos”, cumprimentando os mineiros resgatados em Copiapó ou comendo ceviche local, é a ofensiva na Líbia que deve continuar dominando as suas preocupações até o retorno a Washington.
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