Juiz autorizou Edilson Bandeira a receber dinheiro. Ele sacou, gastou, perdeu em 2ª instância e agora tem dívida milionária
Wilson Lima, iG Maranhão
O taxista Edilson Ribeiro Pinto Bandeira poderia falar, há dois anos e meio, que era um cidadão sortudo. Ou pelo menos que a Justiça tinha sorrido ao seu favor. Após uma ação por danos morais e materiais, ele conquistou em primeira instância uma indenização milionária do Bradesco de R$ 8,8 milhões. A indenização mudou a vida de Edison - mas não da forma como ele imaginava.
Além de não ter tocado nem em 10% desse valor, hoje Bandeira tem uma dívida estimada de aproximadamente R$ 1,6 milhão com a justiça maranhense porque ele fez um saque antecipado da primeira parcela da indenização, que foi cassada pela Justiça em segunda instância. Agora, o caso está no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Foto: Wilson Lima/iG
O ponto de táxi onde Bandeira trabalha, em São Luís. Ele nunca pagou a multa de R$ 2 mil por ter sacado a indenização
Em 19 de maio de 2008, Bandeira entrou com uma ação contra o Bradesco afirmando ter sido vítima de uma cobrança indevida de R$ 28 mil, ocorrida no final dos anos 1990. A dívida estaria ligada a um crédito imobiliário supostamente contraído pelo taxista em 1984 no valor de Cr$ 1.331.351,08 e, em tese, nunca pago. O taxista alega nos autos do processo que nunca fez essa dívida e que a documentação de compra e de assinatura de contratos de financiamento teriam sido forjados. Ele afirma que nunca viu ou morou nessa residência.
Em agosto de 2008, três meses após a abertura do processo, o então juiz da 6ª Vara Cível da Comarca de São Luís, Abrahão Lincoln Sauáia, concedeu indenização por danos materiais em favor do taxista. O valor da indenização, nessa decisão de agosto de 2008, foi 20 vezes superior ao valor da dívida: algo em torno de R$ 560 mil. Em outubro, porém, os advogados do taxista apresentaram novos cálculos para a indenização.
Na primeira revisão dos cálculos, essa indenização saltou para R$ 1.288.699,72. E, dias depois, o juiz Abrahão Sauáia efetuou nova revisão da dívida do Bradesco e ela pulou para R$ 8.867.801,06. O Bradesco foi julgado à revelia, por não ter apresentado, na visão do juiz, defesa em prazo hábil.
“O mérito não foi julgado. O banco não perdeu os prazos. E esse valor de indenização é irreal”, afirma o advogado Fernando Anselmo Rodrigues, do escritório Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica, responsável pela defesa do Bradesco.
Como nasce uma indenização
Em 3 novembro de 2008, o juiz da 6ª Vara Cível de São Luís ordenou o levantamento e penhora dos bens do Bradesco e o pagamento imediato de uma parcela da indenização, no valor de R$ 1.288.699,72, apesar de o banco não ter se manifestado. Sauáia entendeu que o caso havia sido transitado em julgado e que, para o banco, não haveria problemas em disponibilizar logo essa indenização.
O taxista era conhecido como
“o senhor das ações” pelos
amigos, pelo hábito de
sempre ir aos tribunais
quando se sentia prejudicado
“O que é notório, portanto, não precisa ser provado, é que é uma das maiores instituições financeiras privadas do mundo, com faturamento anual superior ao PIB de muitos países do 3º mundo”, justificou o juiz na ordem de pagamento ao taxista. Na decisão, o juiz ainda determinou que policiais acompanhassem funcionários da Justiça para efetuar a retirada do cheque nesse valor.
Depois, o cheque foi depositado em uma conta da 6ª Vara e o taxista efetuou o saque do valor em 14 de novembro daquele ano. A partir daí começou uma batalha jurídica pela restituição do dinheiro e pela revisão da decisão tomada em primeira instância.
A vitória do banco
Do dinheiro sacado pelo taxista, metade foi gasta com custas processuais e com pagamento de advogados. Na prática, cerca de R$ 600 mil ficaram nas mãos de Bandeira. Com o dinheiro, ele comprou uma casa em um bairro de classe média em São Luís e um automóvel para o trabalho, com valor de mercado hoje de R$ 35 mil. O restante foi doado para familiares. Para um dos irmãos, ele comprou um outro veículo e uma placa de táxi. Em São Luís, somente a placa de táxi custa em torno de R$ 20 mil.
Após ter sacado o dinheiro, o Bradesco recorreu em segunda instância alegando que não teve direito de defesa. Em 24 de novembro de 2008, o desembargador Cleones Carvalho Cunha suspendeu a decisão e ordenou que o taxista e os seus advogados devolvessem o valor sacado. Em 2010, em uma das fases do processo, o Bradesco também conseguiu o bloqueio das contas do advogado Francisco Xavier de Souza Filho, que defende o taxista, de seus colegas de escritório e do próprio taxista.
A multa diária por descumprimento da decisão de devolver o dinheiro é de R$ 2 mil – dinheiro que Bandeira não tem. Até o momento, nem os advogados nem o taxista devolveram o dinheiro ao banco ou pagaram um único dia da multa.
Calcula-se que, hoje, somente a multa por descumprimento de decisão judicial chegue à aproximadamente R$ 1,6 milhão. Decisões de outros desembargadores do Estado ratificaram a decisão de Cleones Carvalho Cunha.
Juiz é investigado
O juiz que proferiu a decisão, Abraão Sauáia, foi afastado em 2010 de suas funções na 6ª Vara Cível de São Luís. Ele está prestes a ser julgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por decisões que o conselho avaliou como suspeitas, incluindo a do taxista Bandeira. Essa não é a primeira sentença milionária proferida por ele.
Na década de 1990, ele concedeu indenização em favor de um empresário, conhecido como “Vidraceiro do Norte”, na qual estipulava um valor contra o Banco do Brasil de cerca de R$ 235 mil. Nesse caso, Sauaia também determinou o pagamento em espécie em favor do empresário. A reportagem do iG tentou encontrá-lo, mas não conseguiu.
Desde seu afastamento, funcionários e amigos evitam dar detalhes sobre o que ele tem feito ou onde está morando.
A vida de Bandeira
Hoje, aos 52 anos, Bandeira trabalha com seu táxi pelas ruas de São Luís e evita falar sobre o caso. A reportagem do iG conversou com ele sobre a ação, mas o taxista preferiu não dar entrevista e pediu expressamente para não ser fotografado. Ele se resume a dizer que, com uma declaração, “poderia ser prejudicado pela Justiça novamente”.
Para amigos e familiares, Edilson afirma que a ação acabou com a sua vida. Depois dela, ele passou a tomar calmantes, antidepressivos e remédios para dormir. “Ele não teve mais paz”, disse um amigo que preferiu não se identificar.
Não há nenhum sinal de que o taxista um dia foi um milionário. Ele veste roupas simples, algumas até rasgadas. O sonho de ser rico acabou. O hábito de ir à Justiça também – ele era conhecido como “o senhor das ações” pelos amigos, pelo hábito de sempre ir aos tribunais quando se sentia prejudicado. Hoje, o objetivo de Bandeira na vida é muito mais simples: passar um dia sem dever R$ 2 mil ao Bradesco.
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