Maria da Guia Dantas - repórter
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado (MP/TCE) deve pedir na próxima quinta-feira (5), durante sessão da 1ª Câmara de Contas, a anulação, suspensão ou, em último caso, a correção das irregularidades constatadas no contrato de terceirização entre a Prefeitura de Natal e o Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social (ITCI). A informação foi dada ontem à TRIBUNA DO NORTE pelo procurador do MP/TCE, Luciano Ramos. A reportagem apurou, apesar de não haver confirmação por parte do procurador, que a terceira opção é remota. Isto porque, neste caso, a prefeitura terá de republicar o contrato por incorreção fundamentando a dispensa de licitação, o que requer uma seleção feita mediante análise de propostas de pelo menos três empresas.
emanuel amaral
Luciano Ramos (D) participa de audiência pública sobre a contratação do ITCI realizada na Câmara
A audiência pública ocorrida ontem e que discutiu o contrato entre prefeitura e uma empresa pernambucana para combater a dengue em Natal contou com a participação do secretário de Saúde da capital, Thiago Trindade, além de entidades e lideranças ligadas à área de Saúde no município. Os vereadores da base de sustentação da prefeita Micarla de Sousa (PV) foram criticados pela ausência. “Então quer dizer que a discussão de um contrato de oito milhões não é importante para os vereadores do governo?”, lamentou a vereadora Júlia Arruda (PSB). Ela, George Câmara (PCdoB), Mary Regina (PDT) e o propositor da audiência, Raniere Barbosa (PRB), foram os únicos parlamentares que estiveram presentes até as últimas considerações.
Ao elencar os indícios de irregularidade já constatados, o procurador Luciano Ramos apontou pelo menos cinco indícios problemas. Um deles diz respeito à antecipação de R$ 2,8 milhões, que corresponde a 35% dos R$ 8,1 milhões do total do contrato. “Esse valor não deveria sequer ter sido previsto no contrato”, disse ele. Luciano Ramos reagiu às declarações do procurador do município, Alexandre Alves, que argumentou a antecipação dos recursos enfatizando que “a entidade precisava se capitalizar porque não era empresa e não detinha os recursos para realizar o trabalho”. O secretário Thiago Trindade assegurou que se constatado erro, o repasse pode ser anulado e garantiu que o dinheiro não foi repassado embora o município já seja devedor.
De acordo com o procurador, entre as possíveis irregularidades está a falta de transparência quanto ao procedimento de contratação da empresa, critérios e objetivos específicos; a falta de informações acerca da qualificação da empresa no ramo (combate à dengue); a carência de metas e especificações respectivas; e a falta de esclarecimento quanto à escolha da terceirização em detrimento da realização de concurso público.
A retórica utilizada pelos representantes da prefeitura era de que a ITCI se constitui uma Organização Social (OS), a qual é regida por legislação própria. Eles insistiram que não há necessidade de submeter o caso à lei das licitações, a 8666/93, justamente por se tratar de OS. A lei municipal 6108/10, essa sim, foi alicerce para o contrato firmado pelo município. “Estamos falando de dinheiro público e, neste caso, a lei 8.666 deve sim ser consultada”, esbravejou o vereador Raniere Barbosa.
bate-papo - Thiago Trindade » secretário municipal de Saúde
Qual o resultado da audiência?
Discussão válida acerca da instrumentalização do contrato e estamos esclarecendo todas as questões.
Como explicar a terceirização de pessoal em detrimento de concurso?
Essa questão [o MP/TCE enfatizou que a barreira do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal no caso de contratar novos concursados também deveria servir para a contratação de funcionários através de terceirização] é mais por falta de conhecimento da legislação. Nós não estamos fazendo uma terceirização e sim contratando uma OS. Essa concepção do modelo de gestão é nova e não existia aqui, embora já se tenha conhecimento em outros lugares do país.
Como explicar a antecipação dos 35% do contrato?
Essa antecipação não foi regulamentada pela lei 8.666 (lei das licitações) e sim pela lei das OS. Essa antecipação não é nova em outros Estado, mas aqui é, por isso a falta de conhecimento.
Os agentes de saúde já falam em greve. Como resolver esse problema em meio a um surto de dengue?
Eu descarto essa hipótese da greve e eles devem saber que estão no período probatório. A procuradoria do município vai entrar com uma Ação para descartar isso aí.
O CNPJ do ITCI aparece como “empresa privada” no site da Receita Federal. Terceirização?
A OS aparece como empresa privada sim, mas o que vai mudar é o estatuto que mostra ser uma OS que exerce ações de saúde no país.
Agentes dizem que empresa não é capacitada
O diretor do Sindicato dos Agentes de Saúde, Cosme Mariz, acusou a gestão Micarla de Sousa de haver premeditado o contrato com a ITCI. Segundo ele, já havia previsão dos técnicos que atuam no ramo de um substancial surto de dengue para este ano e que, por isso mesmo, já havia um relatório técnico no âmbito da própria prefeitura que sugeria contratação de 150 novos agentes de saúde. De acordo com ele, a lei municipal que criou o cargo (106/2010) chegou a ser alterada na Câmara Municipal com a previsão de novos concursados. Ao retornar ao Executivo, no entanto, acabou engavetada. “O impacto no orçamento seria de R$ 4 milhões nos próximos três anos e não R$ 8,1 milhões pelo período de três meses como estão fazendo”, disse ele.
Mariz observou ainda que se o contrato com a empresa persistir a população corre o risco ter problemas de ordem mais séria. “Eles estão colocando veneno nas caixas d’água sem conhecimento nenhum”. Segundo o sindicalista, mais de 70 focos em prédios públicos abandonados já haviam sido constatados, o que referendava a indicação de surto de dengue.
Margarete Costa e Adelma dos Santos, agentes de endemias de Natal, afirmaram que o “desconhecimento da empresa é tão grande que quer fazer a medição da profundidade das caixas d’água com uma fita de costura”. “Isso é um absurdo. Cada vez que eles passam algum procedimento para nós temos a exata noção de que eles não têm condições de gerenciar nada daquilo”, disse Margarete.
Durante a audiência, a vereadora sargento Mary Regina mostrou uma foto de um motorista da empresa ITCI dormindo na van que trabalha. “Esse é um retrato de onde estão indo os oito milhões da prefeitura”. O vereador George Câmara criticou a maneira “atabalhoada” como o município confeccionou o contrato.
O vereador Adão Eridan (PR) disse que “tudo isso poderia ter sido evitado se a Prefeitura valorizasse os servidores” e chamou de absurdo o contrato. Franklin Capistrano (PSB) se mostrou contrário à privatização na área da saúde, mas lembrou que o setor não funcionaria se não fossem alguns convênios com o setor privado. Ele lamentou a ausência dos representantes do ITCI e questionou se o contrato não deveria ser rescindido para se buscar alternativas.
*Tribuna do Norte
Nenhum comentário:
Postar um comentário