Da redação com UOL
Por Lucas Gabriel Marins
Colaboração para o UOL, em Curitiba
O médico Abdon José Murad Junior, 38, é um dos cirurgiões bariátricos mais conceituados do Maranhão. Filho do presidente do CRM-MA (Conselho Regional de Medicina) do estado, de quem leva o mesmo nome, Murad Junior costuma aparecer com frequência na mídia para falar sobre obesidade.
Apesar de ter boa reputação como médico e de ser membro de uma das famílias mais tradicionais do Nordeste, envolvida não só com medicina, mas também com política, ele é investigado por ter criado uma suposta pirâmide financeira. Um de seus clientes, também médico, alega que sua família perdeu R$ 7 milhões. Cansado de cobrar uma solução, ele até alugou um carro de som para pedir o dinheiro de volta publicamente, em frente à casa de Murad, em São Luís (MA). Procurado pelo UOL, o cirurgião não comentou as acusações.
A Polícia Federal e o MPF (Ministério Público Federal) instauraram inquéritos para averiguar o suposto esquema, que prometia até 15% ao mês de lucro sobre o aporte financeiro. Como os casos correm em segredo de Justiça, os órgãos não repassaram estimativa de prejuízo, número de possíveis vítimas ou outros dados.
"As investigações seguem sob sigilo visando garantir o necessário segredo de Justiça, sob pena de comprometer ou macular o resultado da coleta de provas", disse a PF em nota.
Advogados e investidores ouvidos pela reportagem disseram que a fraude pode beirar a casa dos R$ 300 milhões. Entre os principais lesados estão promotores, delegados, empresários, juízes e médicos, que disseram ao UOL ter acreditado no cirurgião por causa de sua reputação..
Prometia ganho de 15% ao mês, dizem clientes
Murad Junior fundou a Abdon Murad Junior Participações e Empreendimentos, cujo nome fantasia é AMJ Participações, em novembro de 2017, conforme consulta do CNPJ da empresa na Receita Federal. Mas antes disso ele já captava recursos.
Segundo clientes, o cirurgião prometeu rendimentos de até 15% ao mês em cima de aportes financeiros. Isso seria supostamente conseguido com investimentos em fundos internacionais, Bolsa de Valores e em imóveis.
Para dar garantias, o cirurgião costuma formalizar contratos ou dar cheques com os valores prometidos. Alguns deles, com valores de R$ 470 mil, R$ 600 mil e até R$ 810 mil, foram encaminhados para a reportagem.
Os cheques, no entanto, eram sustados ou não tinham fundos, de acordo com os investidores.
Os atrasos nos pagamentos e as desculpas começaram no início de 2019. Algumas das justificativas foram problemas com supostas operações no exterior, lentidão para repatriar recursos de fora e, recentemente, coronavírus.
Família diz ter perdido R$ 7 mi e pede dinheiro em carro de som
Um dos investidores foi o médico Hugo Sousa da Silva, 37. Junto com a família, ele disse ter investido R$ 7 milhões no negócio no ano passado, com a promessa de receber R$ 10,6 milhões de retorno. O valor seria pago em cinco parcelas. A família só conseguiu recuperar R$ 500 mil, disse Silva.
"Ninguém cai hoje em golpes de pirâmide financeira, mas o Murad Junior é médico, filho do presidente da CRM, está no topo da carreira e tem boa reputação. Ninguém iria desconfiar que ele pudesse prejudicar as pessoas", disse Silva.
Ele afirmou ter cobrado o cirurgião diversas vezes desde o ano passado, mas sempre havia uma desculpa. Ele alugou um carro de som e foi até a casa de Murad Junior para pedir seu dinheiro de volta.
"Doutor Abdon, devolva o dinheiro do povo, que não é seu. Você não tem o direito de ficar com o dinheiro das pessoas. Você está sendo uma vergonha para a classe médica", disse Silva no carro de som.
Mulher de 78 anos teria investido R$ 450 mil
A filha de uma suposta vítima contou que sua mãe recebeu um precatório de R$ 450 mil depois de uma espera de 20 anos. Sem saber como aplicar o dinheiro, a senhora de 78 anos perguntou a ela sobre possibilidades de investimentos.
A filha da mulher, que preferiu não ter seu nome publicado, disse que, como sabia da reputação de Murad Junior e conhecia alguns médicos que haviam aplicado dinheiro e estavam recebendo, resolveu investir tudo. O contrato foi formalizado no começo do ano passado. Para ela, disse, foi prometido retorno de 15% ao mês, o que daria R$ 600 mil no final.
Dos R$ 450 mil, no entanto, a mulher disse que conseguiu recuperar apenas R$ 150 mil. "Hoje, estou com sentimento de culpa muito grande e com a consciência pesada, porque minha mãe confiou em mim e perdi parte do dinheiro dela", disse.
O que diz o médico?
A reportagem contatou a defesa de Murad Junior e o próprio cirurgião. Por meio de um aplicativo de conversa, a reportagem perguntou para o cirurgião como o negócio dele funcionava, por que os pagamentos estão atrasados, quando a situação seria regularizada, qual o valor da dívida e qual o número de clientes.
Além disso, questionou se ele tem autorização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para captar dinheiro de terceiros. De acordo com a Lei nº 10.303 da autarquia, que é responsável por regular o mercado de capitais, empresas ou pessoas precisam de permissão para captar dinheiro e investir em valores mobiliários, como ações e contratos de investimento coletivo atrelados a remunerações etc.
Murad Junior disse que precisaria de tempo para preparar uma resposta capaz de esclarecer "uma história de 10 anos de investimentos". Mas não enviou resposta até a publicação deste texto.
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