As cirurgias ortopédicas no Hospital Regional Deoclécio Marques, em Parnamirim, estão suspensas, desde a última quarta-feira, 26. Apenas procedimentos de urgência estão sendo realizados. A decisão de não realizar as cirurgias eletivas é da Cooperativa de Médicos do Rio Grande do Norte - Coopmed, que mantém 20 ortopedistas na unidade. Os médicos reclamam de desabastecimento e de atraso nos repasses à Coopmed, por parte do Governo do Estado.
Alex Régis
O pequeno Jalisson Daniel (9 anos) aguarda há duas semanas uma cirurgia no joelho direitoHá dois meses, a Secretaria Estadual de Saúde Pública [Sesap] não paga a Cooperativa. No caso do contrato dos plantões do Deoclécio Marques, Hospital Walfredo Gurgel e Samu Metropolitano, a dívida se acumula em R$ 700 mil. Além disso, há um atraso da ordem de R$ 1,6 milhão no repasse referente à alta e média complexidade. O valor é relativo aos meses de junho, julho e agosto. Os dados foram divulgados pelo presidente da Coopmed, Fernando Pinto.
Essa verba é o complemento do Estado na tabela do Sistema Único de Saúde para o custeio de cirurgias e procedimentos de cateterismo e hemodinâmica. A área cirúrgica inclui a ortopedia, neurocirurgia, cirurgia vascular, cardíaca, endoscopia e oncologia [que abrange oito especialidades]. Por mês, a unidade de Ortopedia do Deoclécio Marques realiza 2.600 atendimentos de urgência e 200 cirurgias. Mas deveria realizar 500 cirurgias.
A informação foi repassada ontem pelo chefe da Ortopedia do Deoclécio Marques e coordenador da Ortopedia do Estado, Jean Valber. Com a paralisação, segundo ele, a situação que já era delicada, se agravou. Em três dias, a lista de espera para as cirurgias ortopédicas aumentou de 32 para 48 pacientes. Esses pacientes estão em casa aguardando chamado para o procedimento, seja no Deoclécio ou na rede completar (hospitais Médico Cirúrgico e Memorial).
Por dia, segundo Jean Valber, dez pacientes, que buscam internação na unidade, voltam para casa. Os casos de cirurgia são incluídos na lista de espera. O ortopedista definiu a situação como sendo caótica. "O problema é que o Estado está formando uma geração de sequelados, e não faz nada para mudar esse quadro". Ontem, 30 pacientes estavam internados na enfermaria de Ortopedia - todos aguardando procedimento cirúrgico.
A operadora de máquinas Juliana Lacerda, 28 anos, está há 14 dias no Deoclécio marques. A cirurgia que precisa fazer foi adiada por cinco vezes. "Na terça, fui para o centro cirúrgico, mas não tinha anestesistas e o médico que ia me operar simplesmente foi embora. O Estado precisa tomar uma providência, por todos que estão aqui aguardando uma cirurgia", cobrou. Ela tem fratura de úmero e como outros pacientes, tem o quadro agravado com o passar dos dias.
O garoto Jalisson Daniel da Silva, 9 anos. Aguarda há duas semanas para fazer cirurgia no joelho. Na quarta-feira, ele chegou a ir para o centro cirúrgico, mas voltou para o leito, sem que o procedimento fosse realizado. "Nós já tínhamos conseguido o fixador que precisa ser implantado para alongamento da perna, mas infelizmente veio a decisão de suspender as cirurgias eletivas", contou Jean Valber. O médico escalado não realizou o procedimento. Essa foi a segunda vez que a cirurgia de Jalisson foi cancelada. Agora, ele depende do retorno dos médicos. "Queria ficar logo bom, mas tem que esperar", lamentou o garoto, que já tem sequela no joelho esquerdo. O setor de ortopedia enfrenta dificuldades, desde o início do ano. Em fevereiro, a lista de espera chegou a 200 pacientes. Foi reduzida pra 20, em média, mas agora cresce novamente.
Profissionais reclamam do desabastecimento do hospital
Segundo o presidente da Coopmed, Fernando Pinto, apesar do atraso do pagamento ter pesado na decisão, não foi o ponto crucial. "Os médicos já trabalharam até quatro meses sem receber. Há tolerância em não parar uma área que é crítica e gerar problema maior, mas a questão é de desabastecimento. O médico não quer correr risco de fazer cirurgia com material inadequado".
Na unidade, falta desde fios cirúrgicos à parafusos, pinos cirúrgicos e fixadores [usados para alongamento de perna]. "Essa é a razão da paralisação que decretamos na quarta-feria", informou Fernando Pinto. Para o presidente do Sindicato dos Médicos do RN, Geraldo Ferreira, o que frusta a categoria é que "apesar do sacrifício que o funcionalismo vem fazendo, não há resultado administrativo e financeiro positivo no Estado". Ele disse que os médicos pretendem continuar as mobilizações para exigir melhores condições de trabalho e de atendimento à população.
Pregão
Ontem o secretário estadual de saúde, Domício Arruda, falou sobre o desabastecimento do hospital Deoclécio Marques. Segundo Arruda, o governo abriu um pregão eletrônico que, apesar de ter sido visto pela Assessoria Jurídica da Sesap e pela Controladoria geral do Estado, foi embargado pelo Tribunal de Contas do estado. "Estamos analisando vê qual o motivo desse retrocesso", disse.
DIFICULDADE
Sem essa licitação fica difícil a aquisição de material, que terá de ser comprado em caráter emergencial, segundo o secretário. Quanto ao pagamento da Coopmed, Arruda informou que a previsão de pagamento é para o dia 10 de novembro. Nesta data também deve sair parte do pagamento da Cooperativas de Anestesistas (Coopnest). O débito é de R$ 500 mil. Domício Arruda explicou que a irregularidade nos pagamentos deve-se a dificuldades de fluxo de caixa.
"A partir do dia 20, de cada mês, a Secretaria deixa de receber repasse, porque todo o dinheiro do Estado é direcionado para a folha de pessoal. O orlamento 2011 da Sesap é de R$ 1,3 milhão, sendo R$ 800 milhões de recursos próprios do governo estadual e R$ 500 milhões do governo federal.
Bate-papo
Jean Valber, coordenador da Ortopedia do Estado
Qual é a situação hoje no Hospital Deoclécio Marques?
É caótica. Como médico eu estou aqui tomando as providências, mas temos pouco a oferecer. A gente ficada desesperado, quando se depara com essas crianças, esses pacientes que estão aqui e em casa, e estão sequelados e você saber que isso vai ter um ônus não só financeiro, mas social, para o resto da vida, e você não pode fazer nada. Tem jovens com problemas no fêmur que faz três meses, que precisa operar com urgência e está esperando. O Estado está formando uma geração de sequelados. Então tem que mudar isso.
O que é possível fazer hoje para melhorar a situação dessa unidade hospitalar?
Dar dando apoio e aguardar as transferências para Memorial e Médico Cirúrgico. Além disso, estamos fazendo as cirurgias de urgências, que não podem deixar de ser realizadas.
Por que essas cirurgias não são feitas na rede privada, conveniada ao SUS?
O serviço privado tem limitações de leitos, é complementar. Eu tenho aqui pacientes que estão aguardando há duas semanas transferência, porque precisam de cirurgia com aparelhos que não dispomos aqui. São seis, três que precisam de cirurgia de joelho e três, de coluna, mas estão esperando o serviço complementar fazer essa cirurgia e eles dizem que não tem vaga. A obrigação é o serviço público ter a sua resolução.
Há atraso com esses hospitais prestadores de serviço?
Do meu conhecimento, não. O que acontece é que o serviço complementar praticamente seleciona o que quer atender. Tem as fraturas de acetábulo [de bacia] que eles [os hospitais] dizem que o valor que o SUS paga não é suficiente. Então, dizem que não vão atender, que não podem mais operar e cruzam os braços.
Por que os problemas se arrastam sem uma solução?
O Estado precisa não só pagar fornecedores e ao pessoal da cooperativa, mas precisa 'pra ontem' formar uma unidade de referência de ortopedia e traumatologia, que dê resolução total em qualquer caso.
A população precisa ter uma referência e o Deoclécio Marques tem as condições de ser essa unidade. Não precisa construir nenhum outro hospital. Precisamos colocar pra funcionar o que já tem. O problema é que a decisão não está na esfera da secretaria de saúde, mas da governadoria. Precisa que a governadora [Rosalba Ciarlini] tome uma posição de priorizar e destinar mais recursos para a saúde. Isso é urgente.
*Tribuna do Norte
Nenhum comentário:
Postar um comentário