ANDERSON MIGUEL II
Marco Carvalho
Valdir Julião
Júlio Pinheiro
Repórteres
O advogado Anderson Miguel estava freqüentando cada vez menos o escritório onde foi assassinado na tarde da quarta-feira passada. Ele passava um média de duas horas por dia e na próxima semana deixaria em definitivo o local, vendido a um colega há menos de um mês. A informação passada à TRIBUNA DO NORTE por uma fonte ligada ao escritório de advocacia pode indicar que o assassino tenha estudado ainda mais os movimentos da vítima antes de matá-la.
Adriano Abreu
Jane Alves, ex-mulher de Anderson, foi ao escritório ontem pela manhã
Além disso, a pessoa, que terá a identidade preservada pela reportagem, abre uma nova linha de investigação para o crime. Não acredito que a morte tenha sido encomendada por pessoas ligadas a Operação Hígia. Ele tinha dívidas com agiotas, que podem ter aproveitado a oportunidade da repercussão para apagar o Anderson, disse.
O escritório onde Miguel foi assassinado foi vendido há 20 dias e a movimentação com o advogado Gilberto Pires teria envolvido R$ 500 mil. A data de 10 de junho era o prazo dado pela própria vítima para deixar o local; foi morto nove dias antes.
A maioria das causas trabalhistas de Anderson já não estavam sendo tratadas na sede na avenida Miguel Castro, em Lagoa Seca. O local da nova sede é desconhecido.
A venda do local, que também pertencia a Jane Alves, foi decidida em consenso e viria sanar parte dos problemas da vítima. Parte do espaço divido em nove salas já serviu para Jane Alves, sediar o setor financeiro da sua empresa de limpeza, transferido posteriormente para a casa vizinha.
O relacionamento com a ex-mulher era tido como normal e por vezes se cruzavam nos corredores do escritório. No momento do crime, Jane estava na sala da amiga identificada apenas como Ana, advogada. O aluguel por um mês no local custa em torno de R$ 1 mil e antes da chegada de Gilberto Pires, que trouxe mais três advogados, quatro salas estavam vazias.
O crime encomendado foi idealizado e ainda intriga a polícia. As imagens do circuito interno de segurança não eram gravadas, mas serviam para autorizar a entrada de pessoas e o acesso até as salas dos advogados. No escritório, apenas Anderson e Gilberto Pires possuíam o dispositivo.
Anderson controla a entrada de pessoas na sua sala com um botão automático após aprovação com a recepcionista. Mas as vezes que tive acesso, a porta estava destrancada e não tive dificuldade em entrar, contou a fonte.
Duas das três testemunhas conduzidas à PF na noite de quarta-feira eram funcionárias do local. A recepcionista e a empregada da copa, que se encontrava na recepção no momento do crime, passaram para polícia informações fundamentais para a investigação. O primeiro contato do assassino ocorreu com a recepcionista e não foi de forma agressiva. O criminoso ainda não havia sacado a pistola. A terceira testemunha era cliente de Anderson e também estava na entrada.
O criminoso entrou no escritório de forma tranqüila e pediu para ser recebido pelo advogado. Menos de um minuto depois, Anderson estava morto dentro da sua sala alvejado por quatro disparos.
Anderson Miguel respondia a vários processos na Justiça
O histórico de Anderson Miguel na Justiça é extenso. Além da investigação da Operação Hígia, o advogado e empresário também respondia a outros processos referentes a improbidade administrativa, cobranças de dívidas por parte de pessoas e instituições financeiras, e ações de reintegração de posse. Ao todo, Anderson Miguel respondia a quatro processos na Justiça Federal e a 12 processos na Justiça do Rio Grande do Norte. Na segunda-feira (31), ele chegou a ser condenado ao pagamento de R$ 120.525,64 devido a uma dívida contraída com um terceiro.
Em alguns dos processos em curso, Anderson Miguel disputa com Jane Alves posse de propriedades. O mais recente é de 27 de maio, quando Anderson Miguel entrou com ação cautelar inominada requerendo busca e apreensão contra a ex-mulher em propriedade de Extremoz.
O escritório de advocacia onde Anderson Miguel foi assassinado também chegou a ser motivo de discussão na Justiça. Um filho de Jane Alves cobrava que Anderson Miguel, seu ex-padrasto, deixasse o imóvel. O advogado e Jane Alves teriam vendido o imóvel de nove salas para o filho da empresária, que teria fornecido uma sala para Anderson Miguel como comodato. Contudo, depois da separação, o autor da ação alegou que a convivência com o advogado era inviável e queria a saída o que não foi aceito pela Justiça, em decisão publicada no dia 4 de março deste ano.
Outros processos correm na Justiça cobrando altos valores a Anderson Miguel. O banco Bradesco move ação superior a R$ 256 mil contra o advogado, enquanto o banco Safra pede quase R$ 35 mil.
MPF e OAB participam da investigação
O Ministério Público Federal também está em campo para investigar o assassinato do advogado e empresário Anderson Miguel da Silva. Logo após o homicídio, o MPF solicitou a abertura do inquérito para que a Polícia Federal analise a possibilidade de que a morte tenha relação com a Operação Hígia, em que o advogado era réu. Os procuradores do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF ficarão responsáveis pelas investigações.
O grupo de oito procuradores da República que investigará o homicídio decidiu não se pronunciar, inicialmente, sobre o caso. Porém, como Anderson Miguel já havia prestado depoimento à Justiça sobre o esquema de corrupção, a possível queima de arquivo não teria efeito nas investigações e a única mudança seria com relação à impossibilidade de se punir Anderson Miguel.
Os procuradores designados para compor o grupo de investigação são Marcelo Alves Dias de Souza, Rodrigo Telles de Souza, Ronaldo Pinheiro de Queiroz, Cibele Benevides Guedes da Fonseca, Paulo Sérgio Duarte da Rocha Júnior, Gilberto Barroso de Carvalho Júnior, Caroline Maciel da Costa e Clarisier Azevedo Cavalcante de Morais, que é a responsável também pelas investigações da Operação Hígia.
Apesar da morte do delator, o MPF afirma que a investigação sobre a Operação Hígia não terá mudanças. Anderson Miguel era peça chave nas investigações sobre o suposto esquema de corrupção dentro da Secretaria Estadual de Saúde, durante a gestão da ex-governadora Wilma de Faria. O empresário admitiu que pagava propina a membros do Governo e pessoas influentes junto ao Executivo como Lauro Maia e Fernando Faria, filho e irmão de Wilma, respectivamente para conseguir a liberação do pagamento para a empresa A&G Serviços e Locação, empresa que Anderson Miguel era proprietário. Além de apontar os nomes das pessoas que supostamente eram beneficiadas, o advogado também acusou outras pessoas de serem operadoras do esquema, trabalhando desde o recolhimento da propina até o repasse da verba aos cabeças da quadrilha.
OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil também vai acompanhar as investigações sobre a morte de Anderson Miguel. Um grupo foi composto pelos advogados José Maria Rodrigues Bezerra, Thiago Amorim Silva Cândido de Araújo, Leonardo Dias de Almeida, Fabiano Falcão de Andrade Filho para receber informações que, de acordo com o presidente em exercício da OAB/RN, Aldo Medeiros, serão repassadas pela Polícia Federal caso haja indícios de que o advogado foi morto devido ao exercício da profissão.
O que ficou acertado (com a PF) foi que todas as informações que conduzam para a vertente da atividade dele como advogado, seremos informados. Se for algo passional ou relacionado à atividade como empresário, não teremos informações, explicou Aldo Medeiros, confirmando que a comissão não será informada em caso de ligação de réus da Operação Hígia com a morte.
Justiça
O juiz federal Mário Jambo, responsável pelo desenrolar do processo investigado na Operação Hígia, estava em Sergipe quando Anderson Miguel foi morto, e o trabalho em Natal na segunda-feira (6). Até o momento, a Justiça não se manifestou sobre possíveis mudanças que a investigação pode tomar após o homicídio.
Investigação dividida em duas frentes
A investigação da morte do advogado Anderson Miguel terá duas frentes distintas de trabalho: a possibilidade de ligação com a Operação Hígia e a motivações conseqüentes da prática da profissão. Tanto a Polícia Federal quanto a Civil, que irão atuar em conjunto, já instauraram inquéritos e designaram os responsáveis para dar início aos procedimentos.
Em entrevista coletiva na tarde de ontem, o secretário de segurança pública do Estado, Aldair Rocha, e o superintendente da PF, Marcelo Mosele, anunciaram o trabalho conjunto. Por parte da Polícia Civil, quem estará à frente é o delegado Marcus Vinícius, da Delegacia Especializada de Homicídios (Dehom). Na PF, o nome é o delegado Elton de Souza Zanatta.
A cargo da Polícia Federal caberá a linha de investigação de possível envolvimento com pessoas atingidas pela Operação Hígia, na qual Anderson Miguel é réu e delator. Nas mãos da Polícia Civil, estarão as diligências sobre o trabalho de advocacia da vítima, assim como possíveis dívidas com agiotas.
Apesar dessas linhas de investigação que chamam atenção, o superintendente Marcelo Mosele não descarta nenhum indício. Estamos trabalhando com tudo que nos chega. Ouvimos todas as denúncias, destacou.
A divisão de trabalhos entre PF e PC pode ser extinta em certo ponto dos inquéritos. Caso seja enxergado mais claramente uma linha, as forças das duas polícias serão unidas e focadas para este lado, afirmou Mosele.
Poucas informações sobre os vestígios encontrados na cena do crime foram repassados à imprensa. O superintendente da PF explica. Não queremos prejudicar o bom andamento das investigações que estamos tendo até agora. Também queremos afastar os achismos, já existem muitos boatos, explicou.
Sequer o calibre da arma utilizada pelo criminoso na tarde de quarta-feira passada foi confirmado. A informação apurada pela reportagem na cena do crime junto a policiais militares é que a arma seria uma pistola calibre ponto 40, de uso exclusivo das forças armadas.
Os 14 réus da Operação Hígia podem ser obrigados a prestar novos depoimentos, dessa vez à polícia. Ainda não sabemos se iremos optar por isso. Mas caso seja necessário não iremos hesitar, afirmou o delegado Élton Zanatta. Entre os envolvidos estão a ex-mulher de Anderson, Jane Alves, e o filho da então governadora Wilma de Faria, Lauro Maia.
Greve
O secretário de segurança pública do Estado, Aldair Rocha, garantiu que os trabalhos de investigação do caso não serão prejudicados pela greve dos policiais civis. Deflagrada há 15 dias, a paralisação ainda não encontrou negociação com o Governo do Estado e todas as delegacias do estado não contam com a maioria dos escrivães e agentes.
Partes dos servidores estão desempenhando suas funções normalmente. Espero que a categoria entenda o apelo e possa prestar os auxílios necessários aos andamentos dos nossos trabalhos, encerrou.
Suspeito foi liberado na madrugada
A delegado da PF Élton Zanatta esclareceu que, por enquanto, não irá divulgar o retrato falado do homicida. É uma estratégia que ainda não pensamos em usar, pelo menos nos primeiros passos da nossa investigação, disse.
Um suspeito identificado apenas como Wesclei foi liberado pela Polícia Federal após a aplicação dos procedimentos necessários. O homem não foi reconhecido pelas testemunhas do crime, assim como o teste residuográfico, que apontaria vestígios de pólvora em suas mãos, não deu positivo.
O suspeito havia sido detido pela Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) na noite de ontem poucos momentos após o homicídio do advogado. As características do homem se assemelhavam à descrição repassada à polícia: alto, magro, com problemas nos dentes e conduzindo um veículo tipo siena de cor branca. As testemunhas não o reconheceram como o mesmo que invadiu o escritório. Além disso, o carro era parecido, mas não era o mesmo, complementou o superintendente da Polícia Federal, Marcelo Mosele. Wescley havia sido preso próximo ao forno do lixo no bairro do Planalto, zona Oeste.
As três testemunhas foram ouvidas e liberadas durante a madrugada. A cúpula de segurança não confirmou quantas pessoas foram ouvidas, apenas esclareceu que não houve abordagem violenta a recepcionista, tendo o criminoso se dirigido diretamente à vítima.
Velório parou Maxaranguape
Mais de mil pessoas, segundo a Polícia Militar, acompanharam o velório do advogado Anderson Miguel da Silva, em Barra de Maxaranguape, onde o corpo chegou às 18h35 da noite de ontem. Pelo menos 50 pessoas esperavam a chegada do carro funerário em frente a um posto de gasolina na entrada da cidade, situada no litoral sul do Estado e a 44 quilômetros de Natal. A prefeita Maria Ivaneide da Silva fazia aniversário no mesmo dia, mas as comemorações não passaram de uma missa na igreja de Nossa Senhora da Conceição, um almoço e outras festividades foram canceladas, enquanto ela declarou luto de três dias pela morte do advogado, que era seu adversário político, mas com quem ela tinha boas relações de amizade.
*TRIBUNA DO NORTE
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