Carlos Madeiro
Do UOL, em Maceió
Antônia Gomes da Silva, 71, está com o último frasco de colírio no fim e não recebeu os três a que tem direito este mês porque a verba para custeio do medicamento foi cortada por suspeita de desvio
Uma auditoria realizada pelo Ministério da Saúde apontou que estabelecimentos conveniados ao SUS (Sistema Único de Saúde) em quatro Estados do Nordeste teriam recebido indevidamente mais de R$ 30 milhões em procedimentos oftalmológicos durante dois anos e meio. Até a conclusão das investigações, o governo federal suspendeu os repasses, o que afetou o tratamento de milhares de pacientes nordestinos.
Segundo o Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS), o valor teria sido pago indevidamente por consultas e tratamento não realizados em pacientes com glaucoma nos Estados de Alagoas, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte. Os relatórios já foram encaminhados aos ministérios públicos estaduais e federais, que deverão aprofundar investigações e ingressar com as ações judiciais para ressarcimento. Os gestores de saúde locais também foram informados e deverão se pronunciar sobre o caso. O nome das 29 clínicas e hospitais acusados é mantido em sigilo pelo Ministério da Saúde.
Por conta da descoberta das fraudes, o repasse de recursos para tratamento da doença foi suspenso preventivamente às unidades de saúde dos quatro Estados. O corte interrompeu a entrega gratuita do colírio. O medicamento é essencial para controle da doença –que não tem cura-- e era distribuído pela clínica conveniada para o tratamento. Estima-se que mais de 70 mil pessoas possam ter sido afetadas pelo corte.
A suspensão pegou de surpresa muitos pacientes, que estão procurando a Justiça para garantir a continuidade do tratamento. Em Alagoas, onde 25 mil pessoas fazem tratamento, a Defensoria Pública Estadual informou ao UOL que muitos pacientes já procuraram o órgão para denunciar o problema e pedir ajuda. “Somente nesta manhã [de quarta-feira, 14] foram nove pacientes que nos procuraram”, disse o defensor público Ricardo Melro, que deu entrada nesta quarta-feira com uma ação civil pública para que os pacientes não fiquem sem direito ao colírio, que na rede privada custa mais de R$ 150.
“Até sair a decisão da ação coletiva, estamos dando entrada com ações individuais, para garantir de imediato o tratamento desses pacientes que nos procuram. Na ação civil pública, eu peço liminarmente para que Maceió seja responsável pela continuidade o programa com recursos próprios, distribuindo todas as as três linhas de colírio. Já o Estado ficaria responsável pela distribuição aos pacientes do interior. Também peço que as entidades que estão sendo apontadas de atos irregulares não participem mais do programa”, alegou.
Enquanto esperam, os pacientes não escondem o temor em ter a visão prejudicada pela interrupção do tratamento. A aposentada Antônia Gomes da Silva, 71, contou que vinha conseguindo realizar com sucesso o tratamento, mas, pela primeira vez, não conseguiu ter acesso ao medicamento agora em maço.
“Eu recebia sempre três vidros, mas esse mês não recebi nada. Não me explicaram direito, e a doutora disse que eu não posso ficar sem usar e pediu para que procurasse a Defensoria Pública. Foi isso que fiz logo, pois fiquei com medo. Não posso deixar de usar o colírio, que está acabando e não posso comprar”, alegou a aposentada, que mora em Maceió e aguarda a decisão judicial que tem como réu a prefeitura da capital alagoana.
Procurada pelo UOL, a Secretaria de Saúde de Maceió informou que está discutindo com os prestadores do serviço o retorno do atendimento aos pacientes para garantir o diagnóstico e acompanhamento da doença. Sobre a distribuição dos colírios, a Secretaria disse que já está discutindo uma solução com o governo do Estado e com o Ministério da Saúde. Todas as ações no Estado, segundo o órgão, estão sendo tomadas de forma emergencial.
A reportagem do UOL também entrou em contato com as secretarias da saúde dos quatro Estado afetados, para saber se haveria algum "plano B" para garantir a distribuição dos colírios. Os órgãos em Alagoas e Paraíba informaram que o problema deveria ser resolvido pelos municípios, e não pelos órgãos estaduais, e não sinalizaram com distribuição de medicamentos.
Em nota, a Secretaria de Saúde do Maranhão informou que "a notificação oficial de suspensão dos recursos de municípios maranhenses, feita pelo Ministério da Saúde, chegou no final da semana passada. A Secretaria já está analisando a situação para que todas as medidas cabíveis sejam tomadas, normalizando o atendimento ao portador de glaucoma."
A Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte não se pronunciou sobre o assunto.
O desvio
O Ministério da Saúde informou a suspeita de desvio de recursos começou a existir após a análise dos repasses aos estabelecimentos conveniados nos quatro Estados nordestinos, que totalizaram R$ 142,9 milhões entre janeiro de 2008 a junho de 2011. Segundo os dados, o valor correspondia a 66% da quantia gasta em todo o Brasil no período.
Com a análise inicial, auditores fizeram inspeções e encontraram diversas irregularidades, que teriam totalizado um desvio de mais R$ 30 milhões em 29 unidades oftalmológicas de Alagoas, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte. As entidades acusadas não foram divulgadas.
Segundo os auditores, foram identificados, em alguns municípios, que a frequência de consultas era 100 vezes maior a prevalência esperada, de 2,4% da população maior de 40 anos. Já em outro caso, metade da população com mais de 40 anos estava inscrita para tratamento contra o glaucoma.
Outra irregularidade encontrada foi que havia estabelecimentos de saúde que recebiam por exames e consultas, mas sequer possuíam aparelhos ou equipamentos oftalmológicos em suas dependências.
O Ministério da Saúde informou ainda que, além da auditoria, governos federal, estaduais e municiais estão estudando novas medidas para reforçar o controle dos recursos para tratamento do com glaucoma. Entre as mudanças, está prevista, por exemplo, a definição de parâmetros de avaliação para Estados e municípios que apresentarem distorções de cobrança de recursos.
A doença
O glaucoma é causado pela lesão do nervo óptico e relacionada à alta pressão do olho. A doença o glaucoma pode causar sérias alterações no campo visual e até cegueira. Segundo a Organização Mundial de Saúde, entre 1% a 2% da população acima de 40 anos é portadora de algum tipo de glaucoma, que representa a segunda maior causa de cegueira no mundo e a terceira no Brasil.
Segundo o Ministério da Saúde, o tratamento é feito em regime ambulatorial em 95% dos casos, com uso contínuo de colírios. O SUS distribui sete categorias de medicamentos para controlar a pressão intraocular, além de realizar cirurgia, em casos mais avançados.
*UOL.Ciência e Saúde
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