Ficha Limpa não pune crimes de menor potencial
A punições previstas na Lei da Ficha Limpa esbarram em dois tipos de crimes, cujas previsões não estão fixadas em termos de inelegibilidade eleitoral: quando a infração é de menor potencial ofensivo, como no caso das contravenções penais, e se o crime for culposo (quando o ato não é intencional). A informação é do promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina, Pedro Decomain. Ele é considerado um dos maiores especialistas em Direito Eleitoral do país e esteve ontem em Natal na condição de palestrante do Seminário "Eleições 2012: condutas vedadas e outros aspectos da legislação eleitoral", promovido pela Associação Nacional de Gestores Públicos (Angesp). Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE Decomain afirmou ainda que no caso das condenações por improbidade administrativa estas somente podem acarretar em inelegibilidade quando, na sentença, o magistrado determinar a perda ou suspensão dos direitos políticos.
"Pode haver uma condenação por improbidade em que o juiz entenda não ser necessário cassar esses direitos [políticos], e, neste caso, o cidadão pode concorrer como candidato na eleição", enfatizou. Além disso, destacou ele, para ser banido do pleito eleitoral em virtude da Ficha Limpa, o contraventor deve ter sido condenado por improbidade por enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário. Já no caso das punições no âmbito criminal praticamente todas são passíveis inelegibilidade. A exceção são justamente as penas por infrações de menor potencial ofensivo, quando a pena é inferior a dois anos.
Depois de quase dois anos e 11 sessões de julgamento, a Lei da Ficha Limpa foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e será aplicada integralmente já nas eleições deste ano. Pela decisão do tribunal, a lei de iniciativa popular que contou com o apoio de 1,5 milhão de pessoas, atingirá, inclusive, atos e crimes praticados no passado, antes da sanção da norma pelo Congresso, em 2010. A partir das eleições deste ano, não poderão se candidatar políticos condenados por órgãos judiciais colegiados por uma série de crimes, como lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e contra o patrimônio público, por improbidade administrativa, por corrupção eleitoral ou compra de voto, mesmo que ainda possam recorrer da condenação a instâncias superiores.
A lei barrará também a candidatura de detentores de cargos na administração pública condenados por órgão colegiado por terem abusado do poder político ou econômico para se beneficiar ou beneficiar outras pessoas. Não poderão também se candidatar aqueles que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos e funções públicas rejeitadas por irregularidades que configurem ato doloso de improbidade.
Pelo texto da lei aprovado pelo Congresso e mantido pelo STF, aqueles que forem condenados por órgãos colegiados da Justiça, como um tribunal de Justiça, permanecem inelegíveis a partir dessa condenação até oito anos depois do cumprimento da pena. Esse prazo, conforme os ministros, pode superar em vários anos o que está previsto na lei.
Punições no âmbito dos TCEs ainda geram dúvidas
O promotor comentou ainda sobre as punições decorrentes de decisões administrativas no âmbito dos Tribunais de Contas dos Estados (TCE's). Ele enfatiza que embora a Lei da Ficha Limpa dê uma previsão clara para inelegibilidade por condenações colegiadas, sejam elas de quais esferas forem, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda entende que no caso da análise das contas dos chefes de Executivo a última palavra ainda é do respectivo legislativo. "Ele [o TCE] faz um parecer prévio, que no caso dos prefeitos é levado à Câmara de Vereadores para apreciação. Se um terço dos parlamentares derrubarem esse parecer as contas passam à condição de aprovadas", destacou ele. Para os demais gestores, o julgamento dos conselheiros dos Tribunais de Contas podem levar a punições como a devolução do dinheiro malversado e a multa. "Quando esta decisão for definitiva também pode acarretar em inelegibilidade", assinalou Pedro Decomain.
Ele destacou, porém, que nutre o entendimento de que o gestor condenado também no TCE, mesmo os chefes de Executivo, devam estar sujeitos às penas previstas na Lei da Ficha Limpa. No âmbito do Supremo, assinalou, já se sabe que essa questão será tema de análise dos ministros. "Essa questão ainda está em discussão no STF. Não se sabe se haverá mudança de opinião ou não", concluiu.
Na edição de domingo passado, a TRIBUNA DO NORTE publicou matéria em que dois juristas potiguares - os advogados Paulo de Tarso Fernandes e Erick Pereira - demonstraram opiniões comuns e ao mesmo tempo divergentes sobre o assunto. Paulo de Tarso observou que o acionamento dos magistrados será inevitável, para começar, porque os ministros do Supremo, embora tenham definido a constitucionalidade da nova lei de forma genérica, não o fizeram nesse ponto específico. "A constitucionalidade se deu em relação a alguns dispositivos, mas neste não", assinalou. O jurista explanou que uma "leitura direta na lei" efetivamente dispensa a participação do Legislativo no processo, mas a indefinição quanto à constitucionalidade certamente provocará questionamentos dos descontentes. O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Erick Pereira, entende diferente. Para ele, a lei foi analisada e julgada constitucional na íntegra. Pereira faz uma ressalva, por outro lado, destacando que a decisão dos TCE's somente se sobrepõe ao Legislativo em casos de irregularidade insanável ou probidade de natureza dolosa (ou intencional).
*Tribuna do Norte
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