Marco Carvalho - repórter
Renildo Francelino, Dalvimar da Silva, Gleydson Fagundes, Elcione Borges. Laykson Franklin, Wendell Evandro, Elionai Tavares, Kerginaldo Pereira. Abimael Wilk e Euclides Fernandes. Esses são apenas 10 dos quase 200 nomes que compõem uma lista escrita com letras de sangue em páginas da violência. O Rio Grande do Norte registrou durante os 100 primeiros dias de 2012, 199 assassinatos. Em média, 14 por semana. Os números escondem as histórias que formam uma realidade cruel e desumana. As estatísticas são encobertas pela fumaça densa e branca do crack e abafada pelo estampido das pistolas automáticas.
Adriano Abreu
As mortes por arma de fogo predominam nas estatísticas
Cada homem e mulher que tombou sem vida no território potiguar se tornou marca de uma crescente violência. Os "alvos" possuem perfis comuns e formam o padrão da morte. Quase 50% dos assassinatos envolvem jovens entre 15 e 25 anos - a grande maioria homens - e em mais de 90% dos casos foram utilizadas armas de fogo. As execuções têm como característica principal a ligação das partes com a comercialização de entorpecentes.
A equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE reuniu durante mais de três meses as identidades das vítimas do descaso do Estado com a segurança pública. Os dados foram atualizados diariamente através do website da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado (Sesed), baseado no registro de óbitos do Instituto Técnico-científico de Polícia (Itep). Apesar da riqueza de detalhes e informações à disposição da polícia, diversos casos permanecem sem solução e se acumulam em uma pilha que talvez nunca seja esclarecida.
Enquanto os números se avolumam, a sociedade não vê os projetos previstos saírem do papel. A famigerada Divisão de Homicídios pode não se concretizar em 2012 e a Secretaria de Segurança já estuda outras medidas para conter o avanço da criminalidade. Para o secretário Aldair da Rocha, "a saída é investir".
A impunidade compromete a credibilidade do trabalho policial e dá espaço para o ciclo da criminalidade. A opinião é do promotor de Justiça de Investigação Criminal, Wendell Bethoven Ribeiro Agra. "Faz 15 anos que eu estou no Ministério Público e 12 que estou nessa promotoria. Posso dizer que eficiência da PC diminuiu nesse intervalo de tempo. Há 10 anos, a PC funcionava melhor do que funciona hoje", afirmou.
O Rio Grande do Norte revive o cenário traçado pelo escritor João Cabral de Melo Neto há mais de 50 anos, em seu "Morte e Vida Severina": "Morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte". A morte severina agora ganhou traços da vida urbana, em que se mata por uma pedra de crack, por um cigarro de maconha. Por quase nada.
Secretaria espera por investimentos
"Aguardamos investimentos maiores na área de segurança pública". As palavras são do secretário Aldair da Rocha. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, o titular da pasta esclareceu que está tentando pôr em prática os projetos, mas tem enfrentado dificuldades. Para ele, "daqui pra frente, há uma saída: investir".
Quando assumiu a pasta no início de 2011, Aldair diz ter se surpreendido com a quantidade de casos de homicídios não resolvidos. "Mas por que isso acontecia ou ainda acontece? Não temos uma estrutura adequada de investigação de homicídios", apontou.
Desde o começo da sua gestão, o secretário apontou como prioridade a instituição de uma Divisão de Homicídios. "Tenho falado desde o início da necessidade de se criar uma Divisão. Até o momento, infelizmente, não conseguimos o efetivo e nem a estrutura para criar essa divisão de homicídios. Ela é primordial na seqüência do trabalho".
Enquanto o reforço policial não surge, a Secretaria pretende disponibilizar equipes da Delegacia Especializada de Homicídios para investigar casos que ocorram nos finais de semana. "O delegado-geral está estudando o caso. Assim, na sexta, sábado e domingo, quando ocorre a maior concentração de homicídios, montaríamos uma plantão da Delegacia de Homicídios. Ela mesmo atenderia o chamado daria início às investigações. Ainda vai depender de diárias operacionais e horas extras". Hoje, a Dehom só recebe casos depois que as distritais não consegue resolvê-los.
Segundo ele, a sua gestão tem progredido, ainda que "lentamente". "Temos os projetos e temos encaminhado para a governadora a nossa vontade de trabalhar. Estamos progredindo, mas ainda muito lentamente", afirmou. Um exemplo do progresso citado foi a informatização das 15 delegacias distritais, com o funcionamento do boletim e procedimentos policiais eletrônicos. "Isso vai nos permitir o controle sobre a produtividade das delegacias da Grande Natal. Quero partir para as Especializadas e depois para o interior", esclareceu.
O secretário também enxerga um avanço quanto ao policiamento na Região Oeste do RN. "Lá, a gente conseguiu melhorar a parte de investigação. A Divisão de Polícia do Oeste (Divpoe) foi instituída sob o comando do delegado Odilon Teodósio, que tem feito um bom trabalho. A Polícia Militar também melhorou com a criação de um novo batalhão para Mossoró".
Bate-papo
Wendell Beethoven Ribeiro Agra, promotor
"Maioria dos crimes não são esclarecidos"
Qual a visão do MP sobre a ocorrência de homicídios e a investigação realizada?
O papel do Ministério Público é o de processar criminalmente quem pratica crime, dentre eles o homicídio. Para o MP processar criminalmente, é preciso que a polícia esclareça o crime. Junte provas da materialidade e aponte quem são os seus autores. É necessário que a Polícia Civil investigue e que o Itep forneça as provas periciais. E isso é a principal dificuldade nossa: a ineficiência da Polícia Civil e a deficiência técnica do Itep. Nos casos de homicídios, a maioria dos crimes não são esclarecidos por falta de investigação da Polícia Civil, ou por investigação deficiente. O que mais estimula a prática de novos crimes é a impunidade. E hoje, me parece que o grande responsável por essa impunidade no Rio Grande do Norte é essa baixa produtividade da Polícia Civil.
O senhor tem visto uma evolução no trabalho da Polícia Civil?
Faz 15 anos que eu estou no Ministério Público e 12 que estou nessa promotoria. Posso dizer que eficiência da PC diminuiu nesse intervalo de tempo. Há 10 anos, a PC funcionava melhor do que funciona hoje. Atribuo isso à falta de fiscalização interna da polícia em cobrar produtividade. A gente tem uma das polícias mais bem pagas do país, o que é bom porque tem que ser bem pago mesmo, mas me parece que não há uma cobrança quanto à produtividade. Muitos crimes seriam de "fácil" esclarecimento se fossem investigados prontamente.
Qual o caminho que o senhor enxerga para uma investigação que dê resultados?
A maioria dos crimes de homicídio ocorre durante à noite em determinadas áreas da periferia de Natal, em finais de semana. Se não for trabalhado nas primeiras 72 horas depois do crime, depois até a família da vítima fica temerosa em colaborar porque não se sente protegida. Quando você tem uma quantidade grande de crime, vai negligenciando novos crimes. Não há fator inibidor maior do que polícia eficiente. Se as delegacias distritais fossem eficientes para investigar os crimes praticados naquelas comunidades, a maioria desses crimes seriam esclarecidos. Porque os policiais da área conhece o terreno e as pessoas. Mas o que acontece hoje é que as delegacias distritais produzem muito pouco.
Como o senhor vê a iniciativa de se instalar uma Divisão para investigar homicídios, como a Secretaria de Segurança do RN pretende fazer?
Essa história da Divisão de Homicídios é pra mim um balão de ensaio. Não vi nenhuma providência concreta no sentido de efetivar isso. É uma suposta intenção. De concreto, zero, nada. Seria interessante, mas não é a salvação para tudo. Com essa quantidade de homicídios percebida, teria que ter uma divisão muito estruturada. Se for para as distritais deixar de lado essas investigação, seria necessário uma divisão tão grande que desse conta de investigar cerca de 140 homicídios em três meses. Isso me parece impraticável. A estrutura devia ser voltada para os casos excepcionais e que realmente demanda uma equipe muito mais especializada. É interessante uma divisão para se investigar grupos organizados, grupos de extermínio e casos que fujam à normalidade. Penso que a solução é a mais antiga e conhecida possível: polícia nas distritais para investigar.
*Tribuna do Norte
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