Roberto Lucena - repórter
Chapéu na mão, enxada no chão. Os olhos voltam-se para o céu em busca de nuvens carregadas que não estão lá. O azul do céu limpíssimo, apesar de bonito, aterroriza. Ao mesmo tempo, mãos calejadas são erguidas e ouve-se um lamento seguido de uma prece. Do alto, espera-se o milagre que há mais de dois meses não se repete. Por falta d'água, a plantação morreu e o gado começa a passar sede. O cenário, nos últimos dias, se repete em vários municípios do Rio Grande do Norte. A famigerada e temida seca desafia, mais uma vez, o sertanejo potiguar.
Foto: Júnior Santos
Antônio Ambrósio, sertanejo: Está com tempo que não vejo uma seca dessa, meu filho. Perdi tudo que plantei. Agora é esperar por Deus.
Homens como o agricultor Antônio Ambrósio, do sertão do Seridó, depositam as esperanças em Deus. "Só a Ele a gente pode recorrer nessas horas de sofrimento", diz.
A falta de chuva traz outras consequências que não estão restritas à lida do campo. Em algumas cidades, falta água nas torneiras e a procura pelo líquido essencial à vida causa transtornos e desespero. Açudes estão secando e obras de adutoras, que poderiam amenizar o problema, estão paradas há muito tempo.
Na última quinta-feira o Governo do Estado decretou Estado de Emergência em 139 municípios do RN.
Estiagem é considerada a pior dos últimos anos
Por enquanto, o verde ainda domina a paisagem. Na beira das estradas que conduz ao interior do Estado, a plantação apresenta-se resistente ao clima seco e às temperaturas elevadas. Um viajante mal informado tomaria como verdadeira a assertiva de que o inverno foi bom. Não é verdade. Basta um olhar mais atento e uma visita nas comunidades rurais para descobrir que estamos vivendo um dos piores períodos de estiagem nos últimos anos.
"O mês passado, em termos de precipitações, foi o pior nos últimos 25 anos. Tivemos índice zero de chuva em vários municípios. Por isso estamos vivendo essa situação de emergência", diz Antônio Carlos Magalhães Alves, coordenador de agropecuária da secretaria de Estado da Agricultura, da Pecuária e da Pesca (Sape).
A afirmação do servidor público é corroborada pelo depoimento de pequenos agricultores e pecuaristas. No assentamento Boa Sorte, localizado no município de Acari, região Seridó, Antônio Ambrósio dos Santos, 55 anos, conta que "ainda tem fé em Deus que as coisas vão melhorar este ano". Em fevereiro, Antônio plantou meio hectare com milho. A pouca chuva que caiu naquele mês não foi o suficiente. Com a estiagem no mês seguinte, a roça não vingou. "Está com tempo que não vejo uma seca dessa, meu filho. Perdi tudo que plantei. Agora é esperar por Deus que venha uma chuvinha nesses dias", completou.
Júnior Santos
Vaqueiros transportam gado de um município a outro em busca de pasto e de água na tentativa de salvar os animais.
Sem receber aposentadoria, Antônio Ambrósio sustenta mulher e três filhos com o pouco dinheiro que recebe vendendo leite. São apenas cinco vacas que produzem cerca de sete litros por dia. Cada litro é vendido por R$ 0,75. "Ainda bem que a comida para as vacas ainda consigo tirar, mas a água é pouca. Se as coisas não melhorarem, não sei como vai ficar", comenta.
A mais de 200 quilômetros do roçado de Ambrósio, no sítio Lagoa do Mato, localizado no município de Luís Gomes, Alto Oeste do RN, encontramos outros personagens que dividem a mesma história de luta, perdas e fé. A plantação de milho, à primeira vista, é bonita e chama atenção. Mas Francisco Raimundo da Silva, 77 anos, logo explica que o trabalho de arar, adubar e plantar foi em vão. Além do milho, o agricultor também plantou feijão. "Do milho, não vou conseguir colher nada. O feijão vai servir pelo menos para gente comer com a família, mesmo assim, será pouca coisa", explica. No sítio onde Francisco mora e produz, não há irrigação. O abastecimento d'água é feito através de carros-pipa. "Vem um a cada oito dias e às vezes passa semana sem vir", diz.
A estiagem afeta agricultores e criadores de gado. Em Pilões, município distante 390 quilômetros de Natal, o açude que abastece a cidade está com pouco mais de 10% de sua capacidade total. Por causa disso, moradores da zona rural temem os próximos dias. No sítio Volta, o pecuarista Raimundo Cícero de Oliveira, 52 anos, vê a pequena barragem secar. Quase não há água. O gado que antes era motivo de orgulho para o criador, começa a preocupá-lo. "Quando acabar essa água da barragem, o que vou fazer? Como vou matar a sede desse gado? Não vejo solução. O jeito vai ser meter bala na cabeça dos bichos e ir embora, deixar tudo para trás", desabafa emocionado.
O homem de rosto marcado pelo tempo e com a experiência que a vida difícil no campo lhe proporcionou conta que esse tem sido um ano difícil. "Nunca vi uma coisa dessas. Em 93, teve uma seca mas choveu forte em um dia que compensou. Mas agora a situação está pior. Tomara que Deus mande chuva", diz.
Devido ao cenário atual, conhecido como "seca verde", o Governo do Estado, através do Decreto de nº 22.637, declarou, na última quinta-feira, situação de emergência em 139 municípios, o que corresponde a 82% dos 167 do RN. Durante o período do decreto dura 90 dias, passível de prorrogação por igual período. Órgãos do Sistema Nacional de Defesa Civil, sediados no Estado, ficam autorizados a prestar apoio suplementar aos municípios afetados pelo desastre natural, mediante prévia articulação com a Codec.
Júnior Santos
Francisco Raimundo mostra o milho prejudicado pela estiagem
À procura de água
De longe, a imagem chama atenção. Na tarde da última quinta-feira, três vaqueiros conduziam um rebanho de aproximadamente 200 vacas, bois e bezerros pela RN-076. O motivo da viagem que interrompia momentaneamente o tráfego na via era o mesmo que prejudica agricultores e pecuaristas do Estado: a seca. Segundo o vaqueiro Roberto José da Silva, o gado estava em um sítio localizado na comunidade de Cascavel, no município de Marcelino Vieira.
O destino era um sítio próximo a um açude na cidade de Pau dos Ferros. "Estamos levando esse gado para lá porque em Marcelino Vieira está ficando sem pasto e sem água para eles. Não sei quando vamos voltar", diz. O vaqueiro acredita que não vai mais chover este ano e se preocupa com o futuro do rebanho. "Não chove faz tempo por essas bandas. O gado vai sofrer se continuar assim. Alguma coisa precisa ser feita para melhorar a situação".
A falta de água para a produção pecuária foi um dos motivos elencados pela Defesa Civil do Estado para embasar o pedido de estado de emergência. Apesar do Decreto, ainda não foi divulgado pelo Governo um cronograma para as ações no interior do Estado. O objetivo do é viabilizar a construção de barragens subterrâneas - obras que fazem parte do programa "Segunda Água" -, o incremento da agricultura irrigada junto aos pequenos produtores de forma racionalizada, facilitando, inclusive, o uso da "Tarifa Verde", um desconto de até 73% na irrigação durante o período noturno. Além disso, o Governo também vai buscar a liberação de emendas parlamentares direcionadas ao setor rural, bem como o descontingenciamento de verbas de programas do Governo Federal. As datas para as ações ainda não estão definidas.
Para ter acesso aos benefícios, os municípios precisar se adequar a uma série de exigências da Secretaria Nacional de Defesa Civil. Adquirir o Cartão de Pagamento da Defesa Civil é um delas. O cartão pode ser solicitado na agência regional do Banco do Brasil.
De acordo com o monitoramento do inverno feito pelo Setor de Meteorologia da Empresa de Pesquisa de Agropecuária do RN (Emparn), o desastre natural de estiagem que ocorre no Estado "é caracterizado como gradual, de evolução crônica e de nível III". Neste caso, o fenômeno é tido como de grande porte e grande intensidade". Os prejuízos contribuem para "intensificar a estagnação econômica e o nível de pobreza" na região semi-árida norte-riograndense e, consequentemente, os desequilíbrios nas regiões afetadas pela escassez de chuvas.
Moradores disputam baldes de água em Luís Gomes
Foto: Júnior Santos
Todos os dias os moradores da cidade de Luís Gomes têm que ir buscar água trazida por carro-pipa
A estiagem não maltrata apenas a população rural. Nas zonas urbanas de alguns municípios do interior potiguar, famílias são prejudicadas com o abastecimento d'água irregular. Em Luís Gomes, o cenário lembra cidades arrasadas por desastres naturais ou guerras. Não há destruição de casas ou prédios. Tudo está em seu lugar. No entanto, a população convive com um verdadeiro racionamento de água e, todos os dias, os menos abastados disputam por uma quantidade do líquido vital. Há exatos 168 dias, a cidade não é abastecida regularmente.
Júnior Santos
Açude Lulu Pinto, no município de Luís Gomes, Alto Oeste, secou desde outubro passado. Zona urbana é abastecida por carro-pipa
O açude Lulu Pinto, único reservatório da cidade, secou e, desde outubro passado, não há fornecimento de água através da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) nas residências. Como alternativa, a Caern e Prefeitura instalaram 18 caixas d'água com capacidade para 10 mil litros cada uma espalhadas no município. Todos os dias, três carros-pipa realizam quatro viagens, totalizando 96 mil litros de água por dia. O fornecimento também é feito pela chamada "Operação Pipa", comandada pelo Exército Brasileiro.
Na teoria, o sistema deveria funcionar sem atropelos e resolveria o problema de abastecimento. Na prática, o que se vê são pessoas que precisam chegar cedo aos reservatórios improvisados para garantir pelo menos um balde d'água. Na última quarta-feira, a TRIBUNA DO NORTE registrou as dificuldades que os moradores de Luís Gomes enfrentam para ter acesso ao líquido indispensável à vida. Eram quase 17h e o caminhão-pipa estava atrasado. "Geralmente ele chega às 16h. Não sei o que aconteceu hoje para essa demora", afirma a dona de casa Patrícia Silva, 24 anos. Uma dos reservatórios está instalado na frente da residência dela.
O caminhão não havia chegado mas a fila de baldes, latas e tambores já estava grande. Quando o veículo estacionou ao lado da caixa d'água, criou-se um pequeno tumulto. "Às vezes dá até briga. Uns querem furar a fila, levar mais água e os outros reclamam. É humilhante essa situação", diz a dona de casa Rita de Cássia, 48 anos. Naquele dia, Rita estava com quatro baldes. Cada um com capacidade para cerca de 50 litros. A quantidade, segundo ela, dura apenas um dia na casa com nove pessoas.
À pé, de moto, de bicicleta ou usando carrinhos de mão. Vale tudo para levar a água para casa. O fornecimento é feito gratuitamente. Mas quem não quer enfrentar a fila e tem dinheiro para pagar pela comodidade, pode comprar a água. O abastecimento irregular abriu espaço para um novo nicho de mercado e algumas pessoas faturam com a venda da água. Roberto Rodrigues da Silva cobra R$ 25,00 por 8.000 litros. "Faço várias viagens no dia. Não falta quem compre. A água que vendo é boa, serve para tudo. Vou pegar num sítio perto de Luís Gomes onde tem um poço", explica. "Quando sobra um pouquinho de dinheiro, compro. Para encher a caixa lá de casa, gasto R$ 50,00. Infelizmente nem sempre sobra dinheiro e o jeito é enfrentar essa fila", conta Rita de Cássia.
A situação provoca revolta na população de Luís Gomes. Na última quinta-feira, crianças, jovens e idosos interromperam o tráfego de veículos na BR-405, que liga o RN a Paraíba. Segurando faixas e cartazes, os moradores gritavam palavras de ordem e exigiam alguma resposta por parte da Prefeitura ou Governo do Estado. Eles querem que a obra da adutora do Alto Oeste seja retomada. Segundo o Governo do Estado, está previsto que no próximo mês o projeto seja reiniciado.
Em Pilões, mais problemas com abastecimento. O açude municipal está secando e a população da zona urbana enfrenta problemas. Segundo a comerciante Raimunda Rosa de Lima, 55 anos, a água chega barrenta às torneiras e é preciso deixá-la em um balde por pelo menos 24 horas para a areia decantar. "E essa água não serve para beber nem cozinhar. Para isso, preciso comprar água mineral mesmo", diz. O prefeito do município, Francisco Chagas, diz que investe R$ 1.200,00, por semana, comprando água. "Estamos nos desdobrando para poder pagar esse valor, pois não temos condições", diz.
Medidas
No dia em que os moradores de Luís Gomes realizaram o protesto na BR-405, a governadora Rosalba Ciarlini assinou um convênio entre o Governo do Estado com o Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos Comunitários (Seapac). O convênio visa a construção de 2.800 cisternas em 55 municípios. "É um convênio muito importante, principalmente para esse momento em que vivemos. Mais uma vez nosso estado, que tem 80% de sua área semiárida, está vivendo uma seca", disse a governadora.
Na última sexta-feira, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) anunciou a prorrogação até 31 de dezembro das parcelas de custeio e investimentos, vencidas ou a vencer, dos produtores rurais do Nordeste, Acre e Amazonas. A medida pode ser prorrogada por até cinco anos.
Segundo Caio Rocha, secretário de Política Agrícola, o Mapa recebeu a demanda de 300 municípios em situação de emergência no Nordeste. "Com essa medida, o governo dá condições para que se estabeleça a reconstrução da produção pelos agricultores afetados tanto pela seca no Nordeste, quanto pela chuva no Acre e Amazonas", afirma.
*Tribuna do Norte
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