domingo, 28 de agosto de 2011
RN terá de correr, para decolar, na esteira do aeroporto
Andrielle Mendes - repórter
"Alguém vai aproveitar as oportunidades que você perdeu". A frase do dramaturgo inglês William Shakespeare soa familiar para quem conhece a economia do Rio Grande do Norte. O RN já viu isso ocorrer, pelo menos, duas vezes, quando perdeu a refinaria de petróleo para Pernambuco e quando ficou fora da Transnordestina, ferrovia que atravessa três estados na Região. Com o leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, arrematado por um valor três vezes maior que o estipulado, o estado tem a chance de compensar todas as perdas e se transformar numa plataforma de exportação e importação dentro do País. Para isso, porém, precisará corrigir falhas antigas. Só assim, dizem estudiosos, poderá atrair investimentos e potencializar os negócios já existentes.
rodrigo sena
São gonçalo é visto como alavanca para a economia do estado, foi leiloado à iniciativa privada, mas, para governo, dever de casa continua
Antes do leilão, o governo depositava toda a sua confiança no consórcio que arrematou o novo aeroporto. O Inframérica, porém, já avisou que vai priorizar a construção dos terminais. Atrair novos negócios estaria fora dos planos do consórcio, pelo menos neste primeiro momento. Para José Antunes Sobrinho, CEO (espécie de diretor executivo) da Engevix, parceira no consórcio vencedor, não seria necessário atrair novos negócios para o entorno. Para ele, o aeroporto em si é o negócio.
Segundo a empresa, o terminal atenderá todas as especificações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para um aeroporto de médio porte. Terá cinco terminais de embarque e desembarque em dois níveis; estacionamento e acessos internos ligando o local ao sistema viário da cidade. Como o projeto só será elaborado após assinatura do contrato, como esclarece o próprio consórcio, ainda não dá para dizer exatamente o que haverá. Entretanto, hotéis e shopping centers estão descartados, ao menos, neste primeiro momento. "Vamos ter o mesmo o que tem nos aeroportos internacionais", afirma o executivo.
A colocação de Sobrinho vai de encontro aos planos para a região e deixa o governo em alerta. Sem o braço do consórcio, pelo menos nesta primeira fase voltado a construção dos terminais, o governo teria de captar investimentos sozinho. Os investidores, entretanto, só viriam se encontrassem um ambiente favorável aos negócios, como um porto competitivo e boas estradas para escoar a produção.
Para Flávio Azevedo, presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern), "o RN já perdeu várias oportunidades. Se não se movimentar, perderá esta como perdeu a refinaria e a rota da transnordestina". Por ser multimodal, o aeroporto receberá grande volume de carga. A mercadoria, diz Flávio, chegará em grandes aviões e será escoada em aviões de médio e pequeno porte, caminhões, trens e embarcações.
"Não temos como integrar nossa malha ferroviária com o restante do País, porque a Transnordestina está passando longe do RN. Temos que nos concentrar em ligar os acessos à BR 101. Também temos que cuidar do nosso porto. Mesmo que amplie sua estrutura, ele não estará preparado para fazer parte desta rede multimodal. É preciso construir um porto 'graneleiro' (capaz de escoar minério, por exemplo) em Porto do Mangue, próximo a região produtora. Além disso, é preciso operacionalizar o Terminal Pesqueiro, que precisa de alguns ajustes, incluindo sua ligação com a rodovia. Também temos que implantar a ZPE de Macaíba", enumera Azevedo.
Para o diretor geral do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e titular da Secretaria Extraordinária para Assuntos da Copa, Demétrio Torres, "o RN já perdeu demais". "Por que perdemos a refinaria de petróleo? Por que ficamos fora da rota da Transnordestina? Não tem como ficar perdendo os grandes investimentos por falta de infraestrutura. O Estado já perdeu demais. E digo mais, a gente perdeu o melhor momento da economia mundial".
ZPE deve complementar estrutura
A Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Macaíba, área de livre comércio onde empresas produzem e exportam com isenção de tributos, e o aeroporto de São Gonçalo do Amarante podem transformar o estado num dos maiores pólos exportadores do Nordeste. A ZPE, como explica Flávio Azevedo, presidente da Federação das Indústrias do RN (Fiern), já foi 'juridicamente constituída' e está com todos os projetos aprovados, incluindo o alfandegário. Resta construir o complexo que abrigará as empresas e atrair investidores. Por enquanto, a ZPE está vazia "como um hotel sem hóspede", afirma Flávio. Para 'povoar' a ZPE "é preciso fazer as malas e partir para o mundo em busca dos investidores", afirma Flávio. "E Isso não se faz com uma simples conversa. É preciso convidar os investidores para conhecer o estado, visitar o país deles, realizar seminários no RN", orienta. Segundo ele, não adianta começar a construir o complexo que abrigará as empresas, se não tem cliente para colocar lá.
Atualmente, o Distrito Industrial e o Centro Industrial Avançado de Macaíba (CIA), fatores levados em consideração na hora de escolher a localização da ZPE, comportam empresas do setor de alimentos, informática, têxtil e material para produção de produtos e fica a poucos quilômetros de São Gonçalo. A expectativa é que a quantidade de empresas aumente ainda mais com a implementação da ZPE. Segundo Flávio, ZPE e aeroporto de São Gonçalo são peças de uma mesma engrenagem. Para que o conjunto funcione, é preciso que cada peça desempenhe sua função e trabalhe de forma integrada.
Atrair negócios é papel do Estado, diz especialista
É o governo do estado quem tem que atrair investimentos, caso queira que a região cresça e que o aeroporto se transforme numa plataforma de exportação e importação dentro do País. Caso contrário, a própria operação do aeroporto será afetada. A afirmação é do especialista aeroviário Guilherme Amaral, que acompanha de perto o processo de desestatização dos aeroportos brasileiros. "Negócios no entorno são benéficos para o aeroporto, mas viabilizá-los não é papel do consórcio. É papel do governo", afirma. "Seria um absurdo colocar esta responsabilidade nas mãos do consórcio", complementa.
Se quiser que São Gonçalo se transforme num 'hub' de cargas e passageiros, afirma o especialista, o governo terá de trabalhar para atrair as grandes indústrias e prestadoras de serviço. "As chances desse aeroporto gerar receita e justificar o investimento serão pequenas se não houver grandes negócios na região", justifica o especialista. O aeroporto, se construído da forma como está sendo planejado, atrairá, por si só, grandes empresas. Mas ele sozinho não basta. É preciso criar uma política de incentivo fiscal, investir em infraestrutura, capacitar mão de obra. "Um estado deficiente em infraestrutura não pode sobreviver a base de um aeroporto", defende.
Sem condições favoráveis às empresas, o aeroporto pode acabar vazio e frustrar as expectativas do estado, que vê em São Gonçalo do Amarante a chance de transformar o estado na porta de entrada do Brasil, e do consórcio, que apostou alto no projeto, pagando o triplo do valor estipulado para a concessão. O trabalho do governo não acaba com a concessão do aeroporto, relembra Guilherme. Pelo contrário, só começa. Acomodar-se, alerta o especialista, é perigoso. "A acomodação pode levar ao fracasso do aeroporto", resume.
"O Rio Grande do norte tem uma grande oportunidade na mão. Mas para aproveitá-la é necessário muito investimento. De nada adianta carregar e descarregar mercadorias vindas do exterior, se caminhões vindos de outros municípios e regiões do País não conseguirem entrar ou sair do aeroporto. Não adianta ter ligação com a Europa, se não há ligações com o Brasil. O aeroporto precisa se comunicar com o restante do País", afirma. O poder público, segundo Guilherme, precisa assumir a responsabilidade pelo projeto e cumprir seu papel. "O consórcio pode até querer investir em outras áreas, mas o grande negócio dele será a construção e operação do aeroporto e ponto. Ele não é responsável por trazer mais nada", conclui.
Acessos deverão ser concluídos no final de 2013
O governo do estado corre para construir os acessos ao aeroporto, que, por enquanto, mais parece uma ilha em meio ao matagal. De tudo que está previsto no projeto, só a pista de pouso e decolagem está pronta, segundo a Infraero. A expectativa é que o ritmo das obras, até o momento conduzidas pela Infraero, acelere com a concessão do aeroporto à iniciativa privada. Embora ainda não tenha assinado o contrato, o que só deverá ocorrer em novembro, se não houver nenhum entrave, o consórcio que venceu o leilão já planeja terminar a obra antes do prazo, embora não garanta cumprir a promessa feita em rede nacional.
Segundo o diretor geral do Departamento de Estradas de Rodagem e titular da Secretaria Extraordinária para Assuntos da Copa, Demétrio Torres, os acessos ao aeroporto de São Gonçalo foram licitados no início de 2010 e as obras devem começar até início outubro. A ideia é concluir os acessos até dezembro de 2013 - antes, portanto, da conclusão do aeroporto. Dos R$76 milhões necessários às obras, o governo, conforme explica Demétrio, garantiu R$15 milhões (recurso previsto no projeto Pac da Copa). Licitado de uma única vez, o projeto se divide em dois blocos: o bloco 1 liga o aeroporto à Zona Norte de Natal e ao município de Ceará Mirim, Região Metropolitana. E o bloco 2, à Mossoró e Fortaleza, no Ceará. "O governo está ciente de que precisa investir em infraestrutura para atrair grandes investimentos", afirma Demétrio. Segundo ele, de nada adianta estimular a produção no interior e construir um bom aeroporto próximo a capital, se a produção não conseguir chegar ao aeroporto. "Portos, aeroportos, ferrovias, estradas. Todos estes modais precisam estar interligados para que a gente dê condições e estimule a chegada de novas empresas. Essa é a visão do governo. As dificuldades não são pequenas, mas a gente está voltado para isso", afirma.
Bate-papo: José Antunes Sobrinho » CEO (espécie de diretor executivo) da Engevix, componente do Consórcio Inframérica na concessão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante
"O Aeroporto, em si, é o negócio"
Quais os planos do consórcio para a área do aeroporto? Que tipo de negócios o consórcio quer atrair?
Agora estamos focados no terminal. A gente vai estudar as outras possibilidades mais na frente.
Mas vocês pensam em atrair hotéis, indústrias, shoppings centers?
Nós não sabemos. Não estudamos isso. Não geramos nosso modelo baseado em outras atividades. Nós nos concentramos no terminal e nas receitas do terminal.
Concluir o que está previsto para depois incrementar...
Entender primeiro, eu diria.
Alguns especialistas dizem que construir apenas um aeroporto naquela região não basta. Seriam necessários vários outros negócios no entorno. O consórcio concorda com esta colocação?
Não.
Não concorda? Por que não?
Porque achamos que o aeroporto em si é o negócio. Claro, se houver outros negócios que gerem renda, ótimo. Mas nossas receitas foram baseadas no terminal. Vamos tirar receita dos espaços alugados dentro do terminal. Não estamos falando de hotéis, shopping centers. Vamos ter o mesmo o que tem nos aeroportos internacionais. Não geramos receita com hotéis ou coisas assim.
Qual a taxa de retorno prevista para o negócio? Na última entrevista concedida à Tribuna, logo após o leilão, o senhor disse que antes de divulgá-la precisaria pedir autorização os parceiros. O senhor já os consultou?
(Silêncio). Olha, em valor real, sem inflação, a taxa está estimada em torno de 9% a 10%.
Numa das entrevistas concedidas logo após o leilão, o senhor disse que a Engevix procurava alguém e a Corporación procurava alguém e aí houve esse casamento. Pergunto: Quem encontrou quem primeiro?
Ótima pergunta. Mas eu não sei te responder. Acho que acabamos sendo apresentados.
Mas como foi esse primeiro contato?
A Engevix precisava de um operador. Sabíamos que os argentinos tinham vencido a licitação para operar vários aeroportos e que os aeroportos andavam bem. Achamos melhor um parceiro latino-americano que um europeu. O latino-americano está mais próximo de nossa cultura e de nossos custos.
Antes desse 'casamento' entre Engevix e Corporación América, a Engevix chegou a 'flertar' com outras empresas?
Contatos. Nada muito forte.
Poderia citar os nomes? Dizer se são nacionais ou estrangeiras?
Estrangeiras. Não me recordo dos nomes.
De algum país específico?
Não me recordo.
Saberia dizer o que aconteceu com essas empresas? Se entrarão sozinhas na disputa pelas próximas concessões?
Empresas que operam aeroportos europeus devem se interessar pelas grandes concessões.
Por que o casamento com essas outras empresas, que o senhor não recorda os nomes, não deu certo?
Essas empresas europeias, que operam os grandes aeroportos, estão interessados em aeroportos muito maiores (que o de São Gonçalo do Amarante, considerado de médio porte pelo consórcio).
A Engevix não poderia entrar na disputa sozinha? Precisava realmente desse parceiro?
Ah não, nós não entraríamos sozinhos. Nós não temos expertise de operação. Nem de operação nem de comercialização. Isso eles (a Corporación) sabem porque operam 46 aeroportos. Nós nunca entraríamos sozinhos.
Sua resposta já abre caminho para a próxima pergunta. Casamento, ao menos para mim, passa ideia de complementariedade. É isso o que ocorre com esta parceria?
É assim mesmo. Nós compreendemos muito bem de projetos de construção de aeroportos. Eles compreendem muito bem de operação de aeroportos e comercialização.
O senhor já tinha anunciado o interesse em disputar as próximas concessões dos aeroportos. Poderia nos dizer quais aeroportos estariam no radar do consórcio?
Vamos examinar primeiro os editais.
Mas vão entrar na disputa?
Vamos esperar.
Mas não vai dizer nem se vai participar?
Bom, cada aeroporto é um negócio. Não é uma concessão de aeroportos em blocos (como ocorreu na Argentina). Pode ser que um aeroporto médio (como é o caso do aeroporto de São Gonçalo do Amarante) seja mais interessante que um grande aeroporto. Também não sabemos como a Infraero vai participar. Vamos olhar cuidadosamente.
O fato de terem vencido o leilão de São Gonçalo mostra que entraram bem no processo...
Isso sim.
*Tribuna do Norte
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