Da redação com De Fato
informações da ABL
O embaixador e escritor potiguar João Almino tomou posse na Cadeira 22 da Academia Brasileira de Letras (ABL), nesta sexta-feira, dia 28 de julho, em solenidade no Salão Nobre do Petit Trianon. O novo Acadêmico foi eleito no dia 8 de março deste ano, na sucessão do Acadêmico e médico Ivo Pitanguy, falecido no dia 6 de agosto de 2016.
Em nome da ABL, a Acadêmica e escritora Ana Maria Machado fez o discurso de recepção. Antes, José Almino discursou na tribuna. A seguir, assinou o livro de posse. Logo após, o Presidente da ABL, Acadêmico e professor Domício Proença Filho, convidou o Acadêmico e professor Arnaldo Niskier (segundo a tradição, o decano presente) para fazer a entrega da espada; o embaixador e historiador Alberto da Costa e Silva para fazer a aposição do colar; e o Acadêmico e embaixador Geraldo Holanda Cavalcanti para entregar o diploma. O Presidente, então, declarou empossado o novo Acadêmico.
Os ocupantes anteriores da cadeira 22 foram: Medeiros e Albuquerque (fundador) – que escolheu como patrono José Bonifácio, o Moço –, Miguel Osório de Almeida, Luís Viana Filho e Ivo Pitanguy.
O novo Acadêmico assegurou em seu discurso a preocupação com a literatura, lembrou o inconformismo de seus antecessores e a importância de não se perder de vista o compromisso social ou político:
“A literatura, não é feita para apaziguar o espírito, mas para aguçá-lo. Não é feita para opinar, expor demonstrações ou resolver problemas, o que cabe melhor noutras formas de expressão.
Os romancistas podem alienar a verdade em troca de uma boa frase quando esta revela a verdade mais profunda da própria ficção. Se o poeta é um fingidor, imagine o ficcionista! Embora nesse trabalho de invenção possam ser incluídos registros e documentos, isso não é o cerne da obra de ficção.
Seu compromisso não é com a conjuntura, dinâmica pela natureza; nem com a verdade factual, mutável com o surgimento de novas informações. É com a história não oficial, alternativa ou subterrânea e deve ir além da verdade e da realidade, sob pena de perder sua dimensão de fantasia, que traz em si forma peculiar de transmissão de conhecimento.
Dois e dois nem sempre são quatro e não só por formarem o número da cadeira que comento. Nem todos os meus antecessores tiveram obra engajada no sentido estrito, mas todos foram inconformistas. Seus trabalhos não perderam de vista o compromisso social ou político, o que não deveria jamais faltar num país com alarmantes índices de educação e de pobreza e com desigualdades sociais, raciais e regionais extremas”.
“É sobretudo ao romancista que a Casa de Machado de Assis abre as portas, acolhendo uma escrita de ficção que começou a ser publicada na década de 1980. (...) nesta casa, por enquanto, eu vinha sendo a única outra representante dos ficcionistas que estrearam nesse momento em nossa literatura.
Essa coincidência talvez nos faça compartilhar um entendimento por dentro do que significava se lançar às feras e aos leitores naquele momento. Insistir no poder da linguagem ficcional. Reiterar a fé na capacidade e na força da ficção para mergulhar na natureza humana, na complexidade social, no entendimento histórico em seu direito e avesso. Algo que poderia parecer ultrapassado e extemporâneo na ocasião em que, mais do que nunca, se insistia em dar a morte do romance como inquestionável, associada ao inescapável fim da História com H maiúsculo, como Francis Fukuyama logo enterraria na virada da década.
A partir desse detalhe biográfico compartilhado, faço um convite aos presentes, para que nos acompanhem em um momento de rememoração e reflexão, a partir de um mergulho nas águas da História recente do nosso país, balizadas por algumas datas que ajudam a situar a trajetória do acadêmico que agora recebemos”, afirmou Ana Maria Machado.
A Acadêmica rememorou as campanhas pela Anistia, pelas Diretas, pela eleição de Tancredo Neves: “Anistiados, após anos de desterro e saudade, os exilados começaram a voltar ao país. E logo estavam escrevendo seus testemunhos, numa sucessão de vigorosas narrativas, constituídas por depoimentos disputados por leitores curiosos, ávidos de saber mais sobre uma realidade cujo conhecimento lhes fora negado por tantos anos de censura a esconder segredos. A esse novo cardápio editorial se somaram reportagens de fôlego e relatos de história recente. Chegar à literatura nos anos 80 do século XX no Brasil significava, portanto, ir na contramão do intenso trânsito cultural dominante, que corria vertiginoso em direção aos fatos duros e comprováveis de um novo mundo que começava. Exigia coragem para enfrentar os riscos de ser ignorado e incompreendido”.
Ana Maria Machado reafirmou, ainda, a celebração da literatura: “Nesse entendimento profundo e íntimo da alteridade, a leitura de romances nos dias de hoje, como sempre, continua a contribuir para a consolidação de uma democracia enraizada em território comum, multiplicado dentro de cada indivíduo livre e único, mas ao mesmo tempo aberto a seus semelhantes e a todos os que lhe são diferentes. Uma forma de conhecimento emocional ao vivo do que cada um dos outros, diferente de nós, pode sentir. Um modo de estabelecer vínculos fraternos entre os seres humanos.
Uma maneira rica de reforçar denominadores culturais comuns, que sublinhem laços de solidariedade e pertencimento, vínculos que permitam ao mesmo tempo sonhar com utopias e reparações, ter consciência de erros e crimes – atuais ou históricos - ou, ainda, de purgar ressentimentos ou vergonhas de um passado coletivo, que não vivemos individualmente em nossas biografias individuais, mas que continuam a marcar nossa vida conjunta em nossos dias. Otimisticamente, essa experiência única de vivência complexa, que só a literatura é capaz de nos dar, se multiplicada por números crescentes de leitores, talvez possa até ser um modo de limitar os cultos sectários, as certezas fundamentalistas e a exacerbação do “nós contra eles” que cada vez mais parecem ameaçar nosso tempo”.
O NOVO ACADÊMICO
João Almino nasceu em Mossoró, no Rio Grande do Norte, em 1950. É conhecido sobretudo pelos seguintes seis romances, aclamados pela crítica e cujas histórias se passam em Brasília: Ideias para onde passar o fim do mundo(Brasiliense, 1987; editora Record, 2003); Samba-Enredo (Marco Zero, 1994; editora Record, 2012); As cinco estações do amor (editora Record, 2001); O livro das emoções (editora Record, 2008); Cidade Livre(editora Record, 2010) e Enigmas da Primavera (editora Record, 2015).
Todos esses livros, à exceção do segundo, receberam prêmios ou foram finalistas de prêmios literários. Entre os recebidos, incluem-se o Casa de las Américas 2003 (para As Cinco Estações do Amor) e o Zaffari & Bourbon 2011 (para Cidade Livre, que também foi finalista do Jabuti e do Portugal-Telecom).
Parte da obra de ficção está traduzida para o inglês, o francês, o espanhol, o italiano e outras línguas. É também autor de livros de ensaios de filosofia política ou de história, considerados referência para os estudiosos da democracia e do autoritarismo: Os democratas autoritários (Brasiliense, 1980), Era uma vez uma constituinte(Brasiliense, 1985), A Idade do Presente (Tempo Brasileiro, 1985; Fondo de Cultura Económica, México, 1986), O Segredo e a Informação(Brasiliense, 1986) e Naturezas Mortas (Francisco Alves, 2004).
Entre os ensaios literários incluem-se: Balanço Poético: Brasil-Estados Unidos (Memorial da América Latina, 1996); Escrita em Contraponto (Tempo Brasileiro, 2008; Leviatán, Buenos Aires, 2009) e O Diabrete Angélico e o Pavão(UFMG, 2009).
O diplomata João Almino foi Diretor do Instituto Rio Branco. Medalha de ouro no Curso de Preparação à Carreira Diplomática do Instituto Rio Branco, bacharel em direito pela UERJ e mestre em sociologia pela UNB. Defendeu tese de doutorado em História Comparada das Civilizações Contemporâneas em 1980 pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, de Paris, sob a direção do filósofo Claude Lefort.
Ensinou na UnB, na Universidade Nacional Autônoma do México e nas universidades de Berkeley, Stanford e Chicago.