segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Coronavírus: Pandemia cancela romarias à terra de padre Cícero

Uma das maiores festas do município ocorrerá virtualmente nesta terça (15).

Da redação com Folha de São Paulo
Por David Lucena
JUAZEIRO DO NORTE e SERRITA "Obrigado pela saúde que você me deu. Te amo, padre Cícero. Data: 13/03/2020". A inscrição de uma devota na estátua de 30 metros do sacerdote, em Juazeiro do Norte (distante 500 km de Fortaleza), é uma das últimas feitas antes de o monumento ser fechado, no final de março, em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

De lá para cá, o município, símbolo de devoção no Nordeste, sobretudo entre a população mais pobre, fechou as igrejas e cancelou todas as romarias, que atraem milhões de visitantes à maior cidade do Cariri, com 276 mil habitantes.

Somente a estátua do padre Cícero, na colina do Horto, ponto turístico mais visitado da cidade, recebe aproximadamente 2 milhões de pessoas por ano. Segundo a secretaria de Turismo e Romaria, cerca de R$ 580 milhões deixaram de circular na cidade com o cancelamento das romarias —uma das maiores ocorreria justamente nesta terça-feira (15), dia de Nossa Senhora das Dores, padroeira do município.

Neste ano, porém, a celebração da padroeira de Juazeiro do Norte é feita apenas de maneira virtual. Outra grande romaria, a de Finados, em novembro, muito provavelmente também não ocorrerá, ao menos presencialmente, segundo o secretário de Turismo e Romaria, José Bezerra Feitosa Júnior.

"Estamos estudando a possibilidade de [realização da romaria de] novembro, mas muito remota, haja vista que o público que vem para Juazeiro do Norte é composto majoritariamente por pessoas idosas", disse o secretário à reportagem. "Acreditamos muito que, para que elas venham a acontecer, somente com a vacina."

Como boa parte da economia da cidade depende direta ou indiretamente do turismo religioso, o baque econômico foi grande. Segundo o governo federal, 37% dos habitantes de Juazeiro do Norte são beneficiados pelo auxílio emergencial. Além disso, comerciantes e proprietários de hotéis acumulam meses de prejuízos.

Na colina do Horto, em frente à estátua de padre Cícero, quase todas as lojas de artigos religiosos e lembrancinhas estavam fechadas no final de agosto. As poucas que abriam as portas estavam vazias.

No centro da cidade, também estão fechadas ou praticamente vazias as várias pousadas que normalmente ficam lotadas.

Samuel Vieira é dono do hotel Maceió, que fica a poucos metros da Casa Museu do Padre Cícero, imóvel onde o clérigo morou nos últimos momentos de vida e onde morreu, aos 90 anos. Ele diz que a hospedaria ficou fechada desde o fim de março até meados de agosto, quando começou o processo de reabertura no município.

Entre os devotos do sacerdote perseguido pela Santa Sé está o trabalhador rural aposentado José Vieira, 78. Ele mora em uma casa simples na entrada de Serrita, município de 19 mil habitantes no sertão pernambucano, a 540 km de distância do Recife e a 100 km de Juazeiro do Norte.

Sentado em uma cadeira de plástico à porta de casa, usando uma máscara preta, Vieira diz que, em decorrência da pandemia do novo coronavírus, não vai nem a cinco metros de distância de casa.

Apesar disso, não deixa de contemplar a imagem de padre Cícero. Não a monumental estátua no topo da colina do Horto, mas uma mais modesta. É que ele mora na casa de número 59 da rua Coronel Francisco Xavier, bem em frente à praça Padre Cícero, onde fica uma escultura de aproximadamente 2 metros do religioso que batiza o logradouro.

Questionado se teme contrair o novo coronavírus, ele diz ter fé, olha para a praça à frente e diz: "Medo a gente tem, né? Mas quem nos protege é Deus e nosso padim Ciço".

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