Por Luiz Henrique *Natal
Na próxima quinta-feira, a seleção brasileira entra em campo pela segunda vez em Natal. Há 34 anos, 48 mil torcedores viram a vitória por 3 a 1 do Brasil sobre a Alemanha Oriental. A festa na capital potiguar era o pontapé inicial na preparação do time comandado por Telê Santana para a Copa do Mundo daquele ano. Os gols na oportunidade foram marcados por Paulo Isidoro, Renato e Serginho. O amistoso era a realização de um sonho alimentado por anos.
Na véspera da partida, o desembarque da Seleção contou com a euforia dos torcedores, que a acompanharam até o luxuoso Hotel Ducal, localizado na Avenida Rio Branco, no bairro da Cidade Alta. Toda cidade queria ver de perto Zico e Roberto Dinamite, que tinham seus nomes cantados pelos potiguares na atmosfera mais calorosa que o Brasil presenciou numa cidade, segundo o presidente da Confederação Brasileira de Futebol à época, Giulite Coutinho.
- Era o inesperado acontecendo - conta o presidente da Federação Norte-rio-grandense à época e maior responsável pela vinda da seleção, Rui Barbosa.
Com 36 anos de idade, Rui Barbosa era um dos mais jovens presidentes das federações de futebol. Apaixonado pelo esporte, Rui chegou à presidência da FNF determinado a realizar um sonho de infância. Para concretizar, conquistou a amizade de Giulite Coutinho e insistiu quase que diariamente para que a seleção jogasse em Natal.
- Natal já merecia um jogo da seleção brasileira há muito tempo. Na época, havia uma disputa entre Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba para receber o jogo do Brasil. A Seleção já tinha passado no Ceará e a Paraíba não tinha tantas condições, então eu ficava ligando para conseguir que Giulite Coutinho aceitasse realizar o jogo aqui. Garanti que haveria muita organização e que o público lotaria o estádio e ele acabou aceitando - contou.
Nos arquivos do pesquisador do futebol do Rio Grande do Norte, Marcos Trindade, disponibilizados ao GloboEsporte.com, estão registrados os dias que antecederam o jogo. A cidade se via transformada por completo: todos os caminhos levavam ao Castelão. O jornal Tribuna do Norte estampava o mapa da cidade e ensinava à população o melhor modo de chegar ao estádio - que hoje é referência em área central da capital potiguar. Empresas de transporte garantiam ônibus saindo de todos os bairros em direção ao palco do jogo. O Castelão recebeu reformas em sua estrutura de iluminação e estacionamento. Natal acabava ali, em torno do estádio. Para frente, a praia de Ponta Negra, hoje um dos principais bairros da cidade, era um lugar distante, frequentada pelos moradores sobretudo no veraneio.
Àquela altura, a única forma de ainda conseguir ingresso era por meio dos cambistas que faziam movimentação intensa em diversos pontos da cidade. Mesmo assim, muitas pessoas ficaram de fora e a solução achada era exigir que a partida fosse transmitida pela televisão - feito raro para a Natal de 1982.
O dia do jogo
Às 8h da manhã de 26 de janeiro de 1982, as primeiras pessoas já estavam no entorno do estádio. Segundo os jornais da época, no início da tarde, semáforos das avenidas que levavam ao estádio foram desligados para melhorar a fluidez do trânsito e a Polícia Militar fazia uma operação inédita de segurança. Ambulantes montavam suas barracas com os diversos produtos da moda e torcedores procuravam os bares e restaurantes próximos dali para aguardar o início do jogo, marcado para as 21h15.
A imprensa da época anunciava: "Natal vai parar hoje para ver a Seleção Brasileira deitar e rolar no Castelão". O estilo da seleção canarinha de 1982 ficou conhecido por ser ofensivo e bem organizado. No jogo, o único desfalque era do "Doutor" Sócrates, peça fundamental daquele time. Contra a Alemanha Oriental, era o confronto de duas escolas diferentes de futebol e podia-se resumir em: ataque contra defesa. O time brasileiro entrou em campo com Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior; Toninho Cerezo, Renato e Zico; Paulo Isidoro, Roberto Dinamite e Mário Sérgio.
Apesar da vitória conquistada, o desempenho final não agradou a exigente imprensa esportiva local. O que foi apresentado pela Seleção foi ofuscado pelo sonho do espetáculo que os torcedores esperavam. Franklin Machado, cronista de futebol, escreveu: "O sonho-sonhado evidentemente, a nível de técnica, não foi aquele que se viu na noite da última terça-feira no Castelão". Teve manchete como "Seleção vence, mas sem grande exibição". No entanto, para a imprensa nacional, mais acostumada a cobrir os jogos da seleção brasileira, a impressão era de facilidade. "O bom começo de ano da seleção de Telê", anunciava a Folha de São Paulo no dia seguinte ao jogo.
Para os 48 mil torcedores que tiveram a honra de ir ao Castelão, restou a lembrança de tantos craques vistos pela primeira vez. A Seleção daquele ano não chegou a vencer a Copa do Mundo, disputada na Espanha, mas o tempo a colocou como uma das melhores equipes já montadas pelo Brasil.
Agora, 34 anos depois, o Brasil volta a jogar em Natal, contra a Bolívia, em jogo válido pelas Eliminatórias Sul-Americanas da Copa do Mundo de 2018. É uma nova página da história: Natal se transformou, cresceu, viu o Castelão ser transformado em Machadão e depois o nascimento da Arena das Dunas naquele mesmo espaço. Sentiu de perto a euforia da Copa do Mundo de 2014. A seleção brasileira também mudou: viveu momentos de glórias tornando-se pentacampeã mundial, se viu em queda livre nos últimos anos e tenta uma tímida recuperação do bom futebol para vencer a incerteza e reconquistar sua popularidade.
Rui Barbosa se emociona
Nas tribunas do estádio Castelão, o presidente da FNF sentia a vibração de 48 mil torcedores naquele amistoso de 1982. As lágrimas logo brotaram no rosto do jovem Rui Barbosa. Com apenas 36 anos de idade, o presidente havia prometido a Giulite Coutinho uma organização impecável aliado a uma torcida fanática. Cumpriu o que disse.
Rui Barbosa lembra primeira passagem do Brasil em Natal: "inesquecível" (Foto: Luiz Henrique)
- Foi uma organização enorme. Segurança, transporte, hospedagem no Ducal, tudo feito nos mínimos detalhes. Depois me disseram que, de todos os lugares por onde a Seleção havia passado, aqui foi onde teve a recepção mais bem organizada. Graças a Deus, deu tudo certo. Só me acalmei quando vi o avião da Seleção partindo. Pensei 'missão cumprida' e dei um suspiro de alívio - completou.
No fim de 1982, Rui Barbosa renunciou à presidência da FNF para comandar o ABC, seu time do coração. Ali, montou uma das maiores equipes da história do clube, tornou-se deputado estadual e, hoje, é advogado. Apesar de tantos momentos vividos nesses 34 anos, o brilho nos olhos ainda se faz presente quando lembra daquela noite no Castelão.
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