Por Aldemar Freire - Especial para a TN
O município de São José do Seridó, a 222 quilômetros de Natal, parou neste sábado para uma mobilização que lotou o ginásio da cidade, fez o comércio fechar as portas e levou lideranças empresariais, dirigentes de entidades e lideranças políticas ao local da concentração. O ato, batizado como “O Grito do Emprego”, seria uma audiência pública da Câmara Municipal, mas se transformou em uma ampla manifestação coem resposta à ação judicial movida pelo Ministério Público do Trabalho e na qual é pedido o pagamento de uma multa de R$ 38 milhões ao grupo Guararapes, eferentes a contratos com as facções têxteis.
No inicio da manhã, um carro de som percorria as ruas de São José chamando a população para o ato. Por volta das 10 horas, havia uma concentração de populares em frente ao ginásio, com faixas, cartazes e declarações contra a iniciativa do Ministério Público. Trabalhadores. Eram trabalhadores das pequenas empresas, comerciantes e demais participantes que defendiam a continuidade do modelo de produção das facções.
Milhares de pessoas lotaram o ginásio de esportes na cidade de São José do Seridó
Os “faccionistas”, como são chamados os micro e pequenos empreendedores do setor, afirmaram, durante os pronunciamentos, que se a Justiça do Trabalho acatar o pedido do MPT o setor ficará inviabilizado, o que implicará em milhares de trabalhadores sem emprego e fonte de renda.
“Sinto como se quisessem me tirar um filho”, afirma disse Any Fabiola, empresária que tem onze unidades de facção e emprega 465 pessoas. Ela afirmou que, para contratar esses trabalhadores, teve que fazer treinamento e investir em máquinas, assim como os demais empreendedores do segmento. “Agora podemos perder todo esse esforço. Será muito grave para o Estado”, acrescentou.
O risco, aponta a empresária, é que a Justiça do Trabalho acate o pedido do MPT, o que implicaria no fim dos contratos com a Guararapes, que não teria como manter a atual “parceria com os faccionistas”. O Ministério Público do Trabalho pediu não só o pagamento de multa, como também que sejam registrados com funcionários da Guararapes os atuais empregos das facções (veja texto nesta página)
Fabíola destaca que não haveria como manter o atual modelo de produção, se essa exigência do MPT for acatada judicialmente, e não tem dúvida de que a Guararapes cumpriria a decisão judicial, “mas não haveria como garantir a permanência desses trabalhadores nas unidades de produção, porque seria economicamente impossível”.
Compareceram à manifestação o governador Robinson Faria; o presidente da FIERN, Amaro Sales; o presidente da FAERN, José Vieira; o representante da Fecomércio, Itamar Manso; o secretário de Desenvolvimento Econômico, Flávio Azevedo; o deputado federal Rogério Marinho; o desembargador Cláudio Santos, os deputados Hermano Morais, Vivaldo Costa e Nelter Queiroz; um representante da Guararapes, Sílvio Torquato, além de centenas de prefeitos, vereadores e demais lideranças de entidades empresariais.
MPT afirma que ação não visa atingir as facções
A Ação Civil Pública do Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a Guararapes, a maior empresa de confecções da América Latina e sediada no Rio Grande do Norte, teve origem em uma série de diligências realizadas ainda em 2015. Na época, foram vistoriadas mais de 50 empresas de facção de costura em 12 municípios do Estado, constatando-se, como consta no processo judicial que tramita no Tribunal de Justiça do Trabalho do Rio Grande do Norte, várias irregularidades. Atrasos no pagamento de salários, ambientes de trabalho inadequados e ausência dos equipamentos básicos de segurança para os trabalhadores são alguns dos itens elencados pelo MPT.
Na Ação Civil Pública, o MPT sustenta que em relação às facções têxteis a Guararapes “mantém completo controle sobre a produção têxtil de roupas em série, concebidas segundo seu padrão criativo de moda, realizando as atividades de criação, que compreendem a definição dos moldes, tecidos e aviamentos”. A maior parte das facções criadas a partir do programa Pró Sertão (62 das 120), atendia exclusivamente à Guararapes.
O Ministério Público do Trabalho, em nota distribuída na última quinta-feira, afirma que a ação “foi elaborada pelo Grupo de Procuradores do Trabalho vinculados à Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes”, com base nas inspeções e que “não foi proposta contra nenhuma facção de costura e não tem por fundamento a ilicitude da terceirização, mas a existência de subordinação estrutural e responsabilidade solidária.”
O MP alega que há “ausência de autonomia administrativa, operacional e econômica” das facções, o que justificaria o pedido. “Os contratos de facção utilizados pela Guararapes são contratos de adesão, porque as microempresas de facção não negociam suas cláusulas e as obrigações são estipuladas unilateralmente pela Guararapes, inclusive o preço a ser pago, e o contrato não prevê aviso prévio, em caso da Guararapes suspender o envio de peças para costura”, afirma o MPT. Na inspeção, foram ouvidos trabalhadores e faccionistas, que relataram as dificuldades financeiras pelas quais vêm passando para pagar salários, 13º e férias, pois o preço da costura das peças, fixado pela Guararapes (atualmente R$ 0,35 o minuto), não é suficiente para cobrir os custos operacionais.
Rebatendo a tese de que a ação provocará desemprego, o MPT complementa: “A própria Guararapes informou que transferiu 17% da sua produção, no Município de Extremoz, para as facções do Pró Sertão. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho demonstra que não houve criação de novos empregos, pois em dezembro de 2013 (ano de criação do Programa Pró Sertão) a Guararapes contratava 10.034 empregados, e em abril de 2017, o seu quadro de pessoal era de 7.539 empregados. A conclusão é que a Guararapes não gerou novos empregos no RN, mas transferiu empregos diretos da sua fábrica para as facções, transferindo para essas microempresas todo o risco da atividade econômica.”
Pró-Sertão emprega cerca de 4 mil pessoas no interior
Atualmente são 4 mil pessoas empregadas nas facções do Rio Grande do Norte, instaladas em 23 municípios. A maioria dos faccionistas está na região do Seridó, onde há 3.500 trabalhadores contratados. O município de São José foi escolhido para sediar a primeira mobilização pública contra a iniciativa do Ministério Público, porque a atividade é hoje a principal da economia da cidade e dois municípios vizinhos. Apenas em São José são 15 facções, que geram 460 empregos diretos, o que significa 800 indiretos, em uma cidade com 5 mil pessoas envolvidas na cadeia produtiva.
Ministério Público do Trabalho afirma que ação não inviabiliza modelo do Pró-Sertão, mas foi o alvo principal dos manifestantes
O presidente da FIERN, Amaro Sales, ressaltou que empresários que geram tantos empregos precisam do apoio para que continuem com sua atividade e até possam ampliar a produção. Ele destacou que em um momento no qual o país tenta sair da crise econômica e o Estado enfrenta tantos desafios, inclusive com uma seca prolongada, as confecções representam um setor fundamental e que não correr risco de ter suas empresas inviabilizadas.
Tanto a Guararapes quanto alguns dos proprietários das facções apresentam fortes críticas aos argumentos apresentados pelo MPT na ação, utilizando como base a lei da terceirização. Para eles, as alegações do MPT de que as facções estariam sob direto controle da Guararapes são infundadas.
Anny Fabíola garante que o argumento é infundado, especialmente porque grande parte das facções atendem a outras grandes marcas, como a Hering, e possuem até mesmo marcas próprias, como é o caso de sua empresa, Cmedeiros. “Eles precisam entender que por mais que a Guararapes seja o principal cliente de muitas das facções, a maior parte delas possui outros clientes e marcas próprias”, afirmou ela.
A opinião é corroborada por Zeca Melo, presidente do SEBRAE, entidade que coordena o programa Pró-Sertão. Para Zeca, o momento atual seria justamente da entrada de novas empresas, o que seria coibido pela ação do Ministério Público.
“Como vamos atrair novas empresas se elas correm o risco de se deparar com uma situação como essa? Estamos justamente no momento de crescer, empresas como a Farm já demonstraram interesse nas facções do RN, mas se elas encontrarem um ambiente de perseguição, nunca teremos novos investidores no Estado, e nossa indústria vai morrer”, afirmou Zeca Melo.
(Colaborou Mariana Ceci)
Nenhum comentário:
Postar um comentário