A Amazônia não é apenas a maior floresta tropical que restou no mundo. Este sem-fim de verde entrecortado por rios serpenteantes de tamanhos e cores variadas também não se limita a ser a morada de uma incrível diversidade de animais e plantas. A floresta amazônica é também um motor capaz de alterar o sentido dos ventos e uma bomba que suga água do ar sobre o oceano Atlântico e do solo e a faz circular pela América do Sul, causando em regiões distantes as chuvas pelas quais os paulistas hoje anseiam. Mas o funcionamento dessa bomba depende da manutenção da floresta, cuja porção brasileira, até 2013, perdeu 763 mil quilômetros quadrados de sua área original, o equivalente a três estados de São Paulo.
Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não aponta o dedo para culpados. O que importa para ele é reverter esse processo e não apenas zerar o desmatamento, mas recuperar a floresta. No relatório “O futuro climático da Amazônia”, divulgado em outubro de 2014, ele deixa claro que o único motivo para não se tomarem providências imediatas para reduzir o desmatamento é desconhecer o que a ciência sabe. Para ele, o caminho é conscientizar a população. “Agora é um bom momento porque as torneiras estão secando”, afirma.
No relatório, elaborado a partir da análise de cerca de 200 trabalhos científicos, ele mostra que a cada dia a floresta da bacia amazônica transpira 20 bilhões de toneladas de água (20 trilhões de litros). É mais do que os 17 bilhões de toneladas que o rio Amazonas despeja no Atlântico por dia. Esse rio vertical é que alimenta as nuvens e ajuda a alterar a rota dos ventos. Nobre explica que os mapas de ventos sobre o Atlântico mostram que, no hemisfério Sul e a baixas altitudes, o ar se move para noroeste na direção do equador. “Na Amazônia a floresta desvia essa ordem”, diz. “Em parte do ano, os ventos alísios carregados de umidade vêm do hemisfério Norte e convergem para oeste/sudoeste, adentrando a América do Sul.”
Essa circulação viola um paradigma meteorológico que diz que os ventos deveriam soprar das regiões com superfícies mais frias para aquelas com superfícies mais quentes. “Na Amazônia, o ano todo eles vão do quente, o Atlântico equatorial, para o frio, a floresta”, explica. Uma parceria com os russos Anastasia Makarieva e Victor Gorshkov, do Instituto de Física Nuclear de Petersburgo, tem ajudado a explicar do ponto de vista físico os fenômenos meteorológicos da Amazônia. Em artigo publicado em fevereiro de 2014 no Journal of Hydrometeorology, eles afirmam, com base em análises teóricas confirmadas por observações empíricas, que o desmatamento altera os padrões de pressão e pode causar o declínio dos ventos carregados de umidade que vêm do oceano para o continente. O grupo analisou os dados de 28 estações meteorológicas em duas áreas do Brasil e viu que os ventos que vêm da floresta amazônica carregam mais água e estão associados a maiores índices de chuvas do que ventos que partem de áreas sem floresta e chegam à mesma estação.
Isso acontece, segundo os pesquisadores, por causa da bomba biótica de umidade, uma teoria proposta pela dupla russa em 2007 para explicar a dinâmica de ventos impulsionada por florestas. Essa ideia completa a descrição feita pelo climatologista José Antonio Marengo, à época pesquisador do Inpe, de como a Amazônia exporta chuvas para regiões mais meridionais da América do Sul. A teoria da bomba biótica aplica uma física não usual à meteorologia e postula que a condensação da água, favorecida pela transpiração da floresta, reduz a pressão atmosférica que suga do mar para a terra as correntes de ar carregadas de água.
Os fundamentos da influência da condensação sobre os ventos foram apresentados em artigo publicado em 2013 por Anastasia e Gorshkov, em parceria com Nobre e outros colaboradores, na Atmospheric Chemistry and Physics, uma das revistas mais importantes da área. Por meio de uma série de equações, eles mostram que o vapor de água lançado à atmosfera pela transpiração da floresta gera, ao condensar, um fluxo capaz de propelir os ventos a grandes distâncias. De acordo com Nobre, a nova física da condensação proposta por eles gerou, ainda durante a revisão do artigo, uma controvérsia com meteorologistas, que debateram o assunto furiosamente em blogs científicos com a intenção de derrubar a principal equação do trabalho. Não conseguiram e o trabalho foi publicado. O pesquisador do Inpe explica a polêmica. “É uma física que atribui à condensação, um fenômeno básico e central do funcionamento atmosférico, um efeito oposto ao que se acreditava”, diz. “Será necessário reescrever os livros didáticos da área.”
Para dar a dimensão da dificuldade de diálogo entre físicos teóricos e meteorologistas, Nobre lembra que a física desenvolve um entendimento dos fenômenos atmosféricos a partir de leis fundamentais da natureza, enquanto a meteorologia o faz, em grande parte, com base na observação de padrões do clima do passado, cuja estatística é absorvida em modelos matemáticos. Tais modelos representam bem as flutuações climáticas observadas, mas apresentam falhas quando há alterações significativas no padrão.
É o caso agora, quando um novo contexto – ocasionado por desmatamento, mudanças globais no clima ou outros fatores – gera fenômenos climáticos inesperados para certas regiões, como chuvas mais torrenciais e secas mais extensas. A teoria física acerta onde extrapolações do passado erram, por isso é preciso, segundo ele, construir novos modelos climatológicos que recoloquem a física no centro dos esforços da meteorologia.
O momento agora é crucial porque o clima amazônico vem mudando. Secas importantes nessa região marcaram os anos de 2005 e 2010. “Antes a Amazônia tinha a estação úmida e a mais úmida, agora há uma estação seca”, diz Nobre. Os danos dessas secas na floresta não foram aniquiladores porque ela consegue se regenerar, mas o acúmulo dos danos aos poucos erode essa capacidade. Um efeito importante que já se observa, previsto há 20 anos por modelos climáticos, é um prolongamento da estação seca, que tem prejudicado a produção agrícola em porções do estado do Mato Grosso. A grande preocupação é que se chegue a um ponto de não retorno, em que a floresta já não consiga produzir chuva suficiente para suprir nem a si própria. Trabalhos de modelagem que levam em conta clima e vegetação indicam que esse ponto será atingido quando 40% da área original de floresta for perdida, um número que não é unânime. Segundo o relatório de Nobre, 20% da floresta já foi cortada e outros 20%, alterados a ponto de terem perdido parte de suas propriedades.
Se a teoria da bomba biótica estiver correta, os efeitos desse ponto de não retorno devem ser mais graves do que a savanização proposta pelo climatologista Carlos Nobre, irmão mais velho de Antonio. “Se a floresta perder a capacidade de trazer a umidade do oceano, a chuva na região pode cessar por completo”, diz o Nobre caçula. Sem água para sustentar uma savana, o resultado poderia ser uma desertificação na Amazônia. Se isso ocorrer, o cenário que ele infere para o Sul e o Sudeste do país poderia ser semelhante ao de outras regiões na mesma latitude: tornar-se um deserto.
Antonio Nobre não se arrisca a falar muito sobre São Paulo. “Meu relatório é sobre a Amazônia.” Mas ele acredita que a seca por aqui não independe do que acontece no Norte. Em sua opinião, foi possível devastar boa parte da mata atlântica sem sentir uma redução nas chuvas porque a Amazônia era capaz de suprir a falta de água na atmosfera local. Mas isso já não parece acontecer mais. Ele aproveita o ensejo para sugerir que não apenas a floresta amazônica, mas também a que acompanhava a costa de quase todo o Brasil precisa ser recuperada imediatamente. Se não for por outro motivo, o esgotamento a que chegaram as represas que alimentam boa parte da população paulista deveria bastar como argumento.
A exportação de água desde a Amazônia para outras regiões do Brasil, sobretudo o Sudeste e o Sul, é uma realidade, por meio do fenômeno conhecido como rios voadores. Um indício dessa linha direta foram as intensas chuvas no sudoeste da Amazônia no início de 2014, praticamente o dobro do volume habitual, ao mesmo tempo que São Paulo passava pelo pior momento de uma seca histórica. “A chuva ficou presa em Rondônia, no Acre e na Bolívia por causa de um bloqueio atmosférico, algo como uma bolha de ar que impedia a passagem da umidade. Isso criou uma estabilidade atmosférica, inibiu a formação de chuvas e elevou as temperaturas”, conta Marengo, agora pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ele é coautor de um artigo liderado por Jhan Carlo Espinoza, do Instituto Geofísico do Peru, que está em processo de publicação pela Environmental Research Letters e é parte dos resultados do programa Green Ocean (GO) Amazon, que tem apoio da FAPESP.
Não é possível, porém, afirmar o quanto essa relação determina a estiagem paulista. “Ainda não se sabe calcular quanto das chuvas do Sudeste vem da Amazônia nem quanto chega aqui trazido por frentes frias vindas do Sul, pela umidade carregada por brisas marinhas ou pela evaporação local”, diz. Para ele, o desmatamento pode ter um impacto no longo prazo, mas ainda é impossível dizer se ele está relacionado com a seca atual. “O Sudeste pode não virar um deserto”, pondera, “mas os extremos climáticos podem se tornar mais intensos”. Estudos usando modelos climáticos criados pelo grupo de Marengo já previam uma redistribuição do total das chuvas, com um volume muito grande em poucos dias e estiagens mais prolongadas, algo que já tem sido observado no Sudeste e no Sul do país nos últimos 50 anos.
Além desse efeito a distância, em escala nacional, a relação entre vegetação e recursos hídricos também se dá numa escala mais local, de acordo com o engenheiro agrônomo Walter de Paula Lima, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador científico do Programa Cooperativo de Monitoramento Ambiental em Microbacias (Promab) do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais. Em seus estudos sobre o efeito das florestas (ou sua remoção) em microbacias hidrográficas, ele mostrou que a mata ciliar, que acompanha os cursos de água, ajuda a manter a boa saúde de pequenos rios. “O sistema Cantareira, que abastece São Paulo, é formado por milhares de microbacias”, conta. “As que estão mais degradadas não contribuem para o manancial.” Essa avaliação, porém, carece de dados experimentais concretos. Segundo Lima, para se saber exatamente o efeito das matas ciliares nos mananciais seria necessário estudar uma microbacia experimental em que se possa medir propriedades dos cursos d’água com e sem a proteção de floresta, sem que haja outros fatores envolvidos. Um quadro praticamente inatingível.
Uma experiência prática que reforça a importância de se preservar as matas ciliares para a manutenção dos recursos hídricos é relatada pelo biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Esalq, especialista em recuperação de florestas nativas. Ele conta que há 24 anos a água desapareceu da microbacia de Iracemápolis, município no interior paulista. A prefeitura buscou ajuda na Esalq, e o grupo de Rodrigues implementou um projeto de conservação de solo da microbacia e de recuperação da mata ciliar que deveria estar ali. “Fui lá recentemente e levei um susto”, conta o pesquisador. O nível da represa está um pouco mais baixo, mas tem água suficiente para continuar abastecendo Iracemápolis, que teve sua população triplicada nesse período. “Toda a região está com problemas de falta de água, mas Iracemápolis não.”
As florestas afetam a saúde dos recursos hídricos por meio de sua influência nas chuvas, mas também tem importância a sua relação com as águas subterrâneas. O engenheiro Edson Wendland, professor no Departamento de Hidráulica e Saneamento da USP de São Carlos, estuda justamente o que acontece com a recarga do aquífero Guarani quando o cerrado é substituído por culturas como pastagem, cana-de-açúcar, cítricos ou eucalipto. O trabalho tem sido feito na bacia do Ribeirão da Onça, no município de Brotas, interior paulista, estudada desde os anos 1980.
Por meio de poços de monitoramento e estações climatológicas, a ideia é detalhar, antes que não sobre mais vegetação original de cerrado por ali, como se dá a recarga do aquífero Guarani sob diferentes regimes de uso do solo. “Não é possível gerenciar o que não se conhece”, diz Wendland sobre uma das fontes de água subterrânea mais importantes do Brasil. O aquífero é uma camada porosa de rochas na qual se infiltra a água das chuvas, depois liberada lentamente para os rios. Essa diferença de tempo entre o abastecimento e a descarga, consequência do trajeto lento da água pelo meio subterrâneo, é o que garante perenidade aos rios, que dependem dessa poupança hídrica.
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O grupo de Wendland tem mostrado, por exemplo, que a disponibilidade de água diminui quando se substituem as pequenas árvores retorcidas do cerrado, adaptadas a viver sob estresse hídrico, por eucaliptos, que consomem bastante água e em poucos anos atingem o tamanho de corte. Medições feitas entre 2004 e 2007 mostram que as taxas de recarga têm relação íntima com a intensidade da precipitação e o porte das culturas agrícolas nessa região onde o cerrado está praticamente extinto, de acordo com artigo aceito para publicação nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Isso não significa, porém, que os eucaliptos sejam vilões incondicionais. O impacto de árvores de grande porte depende, em parte, da profundidade do aquífero no ponto em que estão plantadas. Segundo Lima, os mais de 20 anos de monitoramento contínuo feito pelo Promab mostraram que a relação entre espécies florestais e água não é constante. “Onde a disponibilidade é crítica, um elemento novo pode secar as microbacias”, explica. “Mas onde o balanço hídrico e climático é bom, a diminuição de água nem é sentida.” Essas conclusões deixam claro que é necessário fazer um zoneamento de onde se pode plantar e onde a prática seria nociva, um planejamento que não existe no Brasil.
Para Wendland, a importância de entender a relação entre o cerrado e os aquíferos é crucial porque as nascentes da maioria das grandes bacias hidrográficas do país estão no domínio desse bioma. Além da importância como recurso hídrico, algumas dessas bacias – do Paraná, do Tocantins, do Parnaíba e do São Francisco – são as principais fornecedoras de água para geração de energia elétrica no Brasil.
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Em pouco mais de meio século, metade da área do cerrado foi desmatada e deu lugar a atividades agrícolas. Para avaliar o efeito dessa alteração no uso do solo sobre a disponibilidade hídrica, o doutorando Paulo Tarso de Oliveira, do grupo de São Carlos, fez um estudo usando dados de sensoriamento remoto em toda a área desse bioma. Com os sensores, é possível avaliar não só a alteração da vegetação, mas também quantificar as precipitações, os índices de evapotranspiração pelas plantas e estimar a variação de armazenamento de água. Segundo artigo publicado em setembro de 2014 na Water Resources Research, os dados indicam uma redução do escoamento por causa de atividades agrícolas mais intensas.
O desmatamento e o uso agrícola do solo têm importância, mas Wendland afirma que o maior problema para a recarga do aquífero hoje é a redução nas chuvas. “O aquífero supre a falta de precipitação por dois ou três anos, depois já não consegue manter o escoamento de base nos rios”, diz. Nos últimos anos as precipitações da estação chuvosa foram abaixo da média, o que diz os resultados observados. Explica também, segundo ele, fenômenos alarmantes como o esgotamento da principal nascente do rio São Francisco, que permaneceu seca por cerca de três meses e só voltou a jorrar água no final de novembro.
O desafio do gerenciamento das águas subterrâneas, que representam 98% da água doce do planeta, tem outras particularidades em zonas urbanas, onde pode ser um recurso crucial. Segundo o geólogo Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, 75% dos municípios paulistas são abastecidos, em parte ou completamente, por essas águas. Isso inclui cidades importantes do estado, com destaque para Ribeirão Preto, onde elas servem a 100% dos mais de 600 mil habitantes. Na escala nacional, outras cidades completamente abastecidas por águas subterrâneas são Juazeiro do Norte, no Ceará, Santarém, no Pará, e Uberaba, em Minas Gerais, de acordo com o livro Águas subterrâneas urbanas no Brasil, em processo de publicação pelo IGc e pelo Centro de Pesquisa em Águas Subterrâneas (Cepas).
Surpreendente nas cidades é que a água perdida pelo abastecimento público vai parar no aquífero. “A impermeabilização do solo diminui a penetração da água da chuva, mas as perdas compensam e superam essa redução e o saldo é uma recarga maior onde há cidades, em comparação com outras áreas”, explica Hirata. “Se analisarmos a água de um poço qualquer em São Paulo, metade será do aquífero e metade da Sabesp.” Ele estima que a capital paulista tenha quase 13 mil poços, todos particulares, muitos ilegais. “Existe uma legislação para gerenciamento desse recurso, mas ela não é seguida”, conta.
Um problema causado pelas cidades é a contaminação dos aquíferos por nitrato, devido a vazamentos no sistema de esgotos. Como a descontaminação é cara, os poços afetados acabam abandonados. Nas cidades em que são usados para abastecimento público, a solução é misturar água poluída à de poços limpos para que a qualidade total seja aceitável. “Em Natal não há mais água suficiente para mesclar”, alerta Hirata. O subterrâneo é fonte de 70% da água na capital potiguar.
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Outro tipo de poluição importante vem da indústria, como a causada pelos solventes organoclorados. O geólogo Reginaldo Bertolo, também do IGc e diretor do Cepas, estuda como esse poluente se comporta no aquífero abaixo de Jurubatuba, na zona Sul paulistana, uma região industrial desde os anos 1950. “É um contaminante de difícil comportamento no aquífero”, conta. Nessa rocha dura, onde a água corre em fraturas, o composto mais denso do que a água se aprofunda e só para quando chega a um estrato impermeável. “São produtos tóxicos e carcinogênicos.” A poluição impede o uso da água subterrânea numa região onde a demanda é forte.
Em colaboração com pesquisadores da Universidade de Guelph, no Canadá, o grupo de Bertolo está mapeando esses poluentes para entender como ele se comporta e propor estratégias para eliminá-lo do aquífero. Para isso, o próximo passo é usar um sistema desenvolvido pelos canadenses para retirar amostras da rocha e instalar poços de monitoramento especiais. “O equipamento permite coletar água de mais de 20 fraturas diferentes numa mesma perfuração”, afirma. “Vamos fazer um modelo matemático para reproduzir o que acontece e fazer prognósticos.”
Bertolo alerta que é importante mapear melhor as águas subterrâneas e analisar sua qualidade, porque é um recurso que pode ser complementar nas cidades. “A água subterrânea é um recurso pouco conhecido.” A engenheira Monica Porto, da Escola Politécnica da USP, não acredita que seja possível expandir muito o uso dessas águas na Região Metropolitana de São Paulo. Em sua opinião, para ir além dos cerca de 10 metros cúbicos por segundo (m3/s) extraídos dos milhares de poços existentes, seriam necessários milhares de novas perfurações. “Mas esses 10 m3/s não podem faltar, precisamos cuidar deles.”
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Monica, que já foi presidente e ainda integra o conselho consultivo da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, pensa em maneiras de assegurar a segurança hídrica para a população. Faltar água está, de fato, entre as coisas mais graves que podem acontecer numa cidade. “Somos obrigados a trabalhar com uma probabilidade de falha muito baixa.” Segundo ela, em 2009 o governo paulista encomendou a uma empresa de consultoria um estudo sobre o que precisaria ser feito para garantir o suprimento de água. O estudo ficou pronto em outubro de 2013, já em meio à mais importante crise hídrica da história do estado. Monica explica que é impossível considerar a Grande São Paulo de forma isolada, porque não há mais de onde tirar água sem disputar com vizinhos. Por isso, o estudo abrange a megametrópole, que engloba mais de 130 municípios e uma população de 30 milhões de pessoas.
As obras necessárias à melhoria da segurança hídrica já começaram, com um sistema para recolher água do rio Juquiá, no Vale do Ribeira, que deve ficar pronto em 2018. Está em fase de licenciamento ambiental a construção das barragens de Pedreira e Duas Pontes, que devem abastecer a região de Campinas. “Manaus e Campinas são as únicas cidades do Brasil com mais de um milhão de pessoas que não têm reservatório de água”, conta Monica. Não faz falta a Manaus, às margens do rio Amazonas, mas faz a Campinas, que depende do sistema Cantareira. Ela, que em casa “faz das tripas coração” para economizar água, afirma que a crise atual é importante para conscientizar a população sobre a necessidade de se reduzir o consumo. Também ressalta a importância do conjunto de medidas que precisará ser revisto em caráter emergencial. “Temos que aprender pela dor”, diz Monica, que costuma brincar que é melhor que não chova muito para não afastar a instrutiva crise. “Mas, se não chover muito em breve, vou parar de brincar: precisa chover.”
Matéria original publicada na revista Pesquisa FAPESP.
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