Por Aura Mazda - Repórter
Quase 25% dos 167 municípios potiguares não tiveram repasses da primeira cota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em setembro, informou a Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn). A situação deverá dificultar ainda mais os orçamentos municipais, alertou o presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn), Benes Leocádio, para quem o momento econômico do país continua preocupante: “Historicamente, o segundo semestre do ano sempre afeta o FPM, devido à restituição do Imposto de Renda”, explica.
Presidente da Femurn alerta os municípios que não fizeram reserva no 1º semestre não terão como arcar com obrigações do 2º
O mais expressivo da lista de 39 municípios com FPM “zerado” é Mossoró, que tem uma população de 295.619 pessoas – a segunda maior do Estado, atrás apenas de Natal, que tem 885.180 habitante, segundo a estimativa populacional de 2017 divulgada no fim de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O atraso de repasses da União reflete, consequentemente, no equilíbrio das contas públicas. O pagamento da folha salarial dos servidores municipais, da menor cidade até a capital do Rio Grande do Norte, sentem os reflexos da crise fiscal. Na balança da economia dos municípios, o peso das dívidas tem sido cada dia maior. A crise fiscal e a consequência na economia dos municípios será abordada durante o Seminário Motores do Desenvolvimento do RN que acontece nesta segunda-feira (18), no hotel Holiday Inn, em Natal. Confira a entrevista com Benes Leocádio.
A queda de transferência de repasses de recursos federais aos municípios do Rio Grande do Norte é uma realidade. Desde quando esse cenário começou e qual a situação hoje?
Essa queda de recursos vindos principalmente da União vem ocorrendo desde 2008, 2009, quando se iniciou aquela crise econômica internacional e que impactou diretamente no contexto nacional. Isso vem se agravando e teve um ritmo acentuado com as desonerações do governo federal através de aprovações no Congresso Nacional. As desonerações de impostos aconteceram na linha branca, automobilística, de material de construção. Isso impactou diretamente na redução da arrecadação, principalmente de IPI e imposto de renda, que compõe o Fundo de Participação dos Municípios. Com isso, atingiu diretamente as transferências através do FPM. Claro que tinha a justificativa de aquecer ou de manter o emprego naquele segmento, e que isso poderia ser compensado com novas contratações, mas isso não aconteceu. O desemprego aumentou, a arrecadação diminuiu. Chegamos em 2017 ainda com receitas que se aproximam dos valores passados há dois ou três anos e a despesa pública tem um aumento contínuo, como o salário mínimo, custo da máquina. Esse cálculo não bate, a receita é sempre crescente e a fonte é estagnada, a conta não fecha.
A receita dos municípios é gerada a partir de quê?
No Nordeste, cerca de 85% dos municípios vivem de transferências da União, com o FPM, ou dos Estados através do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), poucos municípios têm vida própria em relação a arrecadação. O ICMS ainda tem sido a salvação da lavoura em nível de Rio Grande do Norte, porque ele não têm registrado quedas comparando com o exercício anterior, embora nos últimos tempos tenha tido um pequeno crescimento, de 7% a 8%. Isso vem se mantendo e ajudando muito os municípios, principalmente porque o ICMS é parte fundamental para constituir o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que compõe os recursos dos estados e municípios, ou seja, 20% de tudo que é arrecadado vai para o Fundeb, e isso tem ajudado ao cumprimento das obrigações, principalmente o magistério.
Essa crise fiscal que o Estado passa não é diferente para os Municípios. No que isso reflete, na prática da menor até a capital do RN?
Antigamente a gente ouvia essas informações pelas entidades que representam os municípios, que havia crise e achávamos que era choradeira, reclamação e até exagero de alguns gestores. Mas hoje vemos na prática, que isso é fato. Hoje vemos do menor ao maior município passando seríssimas dificuldades em relação ao cumprimento das suas obrigações básicas, como pagar pessoas, o que os municípios não estão conseguindo. Há uma crise real, ela existe e infelizmente nós só teremos mudanças ou perspectiva de melhora quando a economia voltar a ser aquecida, com maior geração de renda, contribuição de impostos para que sejam melhorados condições de repasses, sob pena de se ter na prática o prejuízo na prestação do serviço público. Ou seja, a grande maioria dos municípios do RN em 2016, segundo diagnóstico do Tribunal de Contas do Estado, cerca de 75 ultrapassando o limite da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) com o pagamento de pessoal. Se os salários aumentam e tem que ser reajustados, e receitas não crescem, automaticamente esses limites serão ultrapassados. Com isso, os municípios ficam ‘emparedados’, se for demitir pessoal vai prejudicar o funcionamento do serviço público, e eu me pergunto se é justo limitar a população de não ter aquela prestação. Como exemplo, cito o programa Saúde da Família, do Governo Federal, no município de Lajes, por exemplo, existem cinco equipes, se reduzir uma ou duas as pessoas ficarão desassistidas. Temos aí outro confronto, porque o Ministério Público Estadual exige que se faça concurso e que respeite o limite, o TCE traz posição contrária e diz que não é possível realizar concurso e que não há como homologá-lo se estiver excedendo o limite de pessoal, fica a pergunta, a quem obedecer? O que fazer? Uma certeza eu tenho, a de que não é vontade do gestor esse excesso do limite legal e sim por essas condições que falei. Há uma preocupação muito grande de melhor prestar o serviço público, mas infelizmente as condições não permitem.
A maior consequência na queda de repasses da União é comprometimento do pagamento do servidor público?
É um dos principais, e localizando especificamente a obrigação previdenciária da folha de pessoal. Porque a Receita Federal debita na primeira cota do FPM a obrigação da gestão local com o INSS na parcela do empregador, o que é descontado dos servidores. Então, se a receita está pequena e a obrigação previdenciária cresce em função dos servidores, ela é insuficiente para sofrer esse débito da Receita Federal de uma única vez. Já tivemos casos de municípios ter as três cotas zeradas, nos dias 10, 20 e 30, por ter tido uma grande queda de arrecadação naquele mês, e a folha não diminuir.
Isso impacta também na economia local destes municípios?
Sem dúvidas. Porque hoje os municípios de pequeno porte são os maiores empregadores de uma cidade. Ou seja, a gente tem em média 5% ou 6% da população de cada município compondo os quadros da administração pública municipal, se temos o comprometimento de receita e para alguns o prejuízo de não ter salário em dia, naturalmente traz danos à economia. Deixa de circular dinheiro na economia local, as pessoas não conseguem honrar seus compromissos seja com pagamento de água, luz ou cartão de crédito, enfim, é uma ciranda que acaba atingindo a todos em uma comunidade.
Os prefeitos vão conseguir pagar o décimo terceiro de 2017?
Essa é uma preocupação permanente, mas alguns tem atentado para antecipar parte desse pagamento, aqui no Rio Grande do Norte, fruto da emenda constitucional que aumentou em 1% o FPM, em julho, uma boa parte destes municípios usaram isso para antecipar em até 50% do pagamento do décimo dos seus servidores. Outros já fazem esse pagamento na data de aniversário de cada servidor. Em 10 de dezembro iremos receber outra parcela do 1% do FPM e esperamos que a grande maioria consiga honrar com esse pagamento. Ainda assim, é preocupante porque nesse período, de julho a novembro, acontece a restituição do imposto de renda àqueles contribuintes que têm direito a restituições e isso impacta no FPM, sem dúvidas serão três ou quatro meses de receita em queda, ou seja, se o gestor não fez reserva nos primeiros meses do ano, ele não suportará o equilíbrio das finanças para o segundo semestre.
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