Dois anos, quatro prefeitos e uma situação no mínimo inusitada para a população do município de Bayeux (PB). A cidade, que é passagem obrigatória para quem visita a capital João Pessoa, tem sido alvo do MP (Ministério Público) da Paraíba e da Justiça nos últimos 12 meses, e vive uma 'dança das cadeiras' que coloca a prefeitura como centro das polêmicas. O prefeito eleito, mesmo afastado, já recebeu mais de R$ 300 mil dos cofres públicos.
Tudo começou em julho de 2017, quando Gutemberg Lima Davi, conhecido como Berg Lima (sem partido, ex-PTN), eleito em 2016, foi preso em uma operação do MP, após ter sido flagrado em vídeo negociando propina com um empresário que tinha dinheiro a receber da gestão anterior por serviços prestados. A reportagem tentou contato com o advogado do prefeito Berg Lima, Raoni Vita, mas as ligações não foram atendidas.
Segundo as investigações, Berg condicionou o pagamento da dívida ao recebimento de R$ 11,5 mil. No vídeo, divulgado pelo MP, ele aparece recebendo R$ 4.000 -- o restante já teria sido pago. No mesmo dia da prisão, ele foi afastado do cargo de prefeito. Assumiu o vice-prefeito, Luiz Antônio de Miranda Alvino (PSDB), interinamente.
A liberdade de Berg Lima veio por meio de um habeas corpus, quatro meses depois. Mas ele continuou afastado da prefeitura.
Em dezembro de 2017, em uma sessão tumultuada que durou mais de 15 horas, a Câmara Municipal de Bayeux decidiu pela não cassação do mandato de Lima. A Procuradoria-Geral do Estado emitiu parecer contrário ao retorno de Lima ao cargo.
Em setembro, a Justiça condenou Berg Lima à perda do mandato, ressarcimento de R$ 11,5 mil ao pagamento de multa civil equivalente ao dobro da quantia recebida ilicitamente. O ex-prefeito teve ainda os direitos políticos cassados por oito anos.
Lima permanece afastado do cargo, contudo recebeu mais de R$ 320 mil em salários. Em setembro, recebeu exatos R$ 20.257,60, conforme pode ser visto no site do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB).
Vice é investigado e tem mandato cassado
Oito meses após a prisão de Berg Lima, a população de Bayeux viu o prefeito interino, Luiz Antônio Malvino, ser afastado do cargo pela Justiça da Paraíba. O gestor, assim como seu antecessor, também era investigado pelo MP estadual. . Segundo o MP, o vice pediu a quantia de R$ 100 mil a um empresário para liberar outro vídeo que comprometeria Berg Lima.
Luiz Antônio teve o mandato cassado em abril de 2018 na Câmara Municipal. Para os vereadores, ele procedeu de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo, conforme previsto no decreto 201/1967, que trata da responsabilidade dos prefeitos e vereadores. "Fui vítima de uma perseguição política. A população de Bayeux sabe disso", afirma.
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Para tentar reaver o cargo, Luiz Antônio procurou a Justiça e o processo está em andamento, segundo ele. "A população não aguenta mais o que está acontecendo. Reabri maternidade, deixei a cidade iluminada, tirei o lixo. Depois da minha cassação, a cidade passou a ser governada por vereadores que não têm o menor compromisso com o povo", diz Luiz Antônio.
Sai o segundo, entra o terceiro prefeito
Houve pouco tempo para a população conhecer Luiz Antônio como prefeito. Com a cassação de seu mandato, a gestão passou a ser liderada por Mauri Batista (PSL), em março de 2018. Mais conhecido como Noquinha, Batista é o atual presidente da Câmara Municipal. O mandato dele termina no próximo dia 31 de dezembro. A partir daí, quem assume é o vereador Jefferson Kita, eleito para o segundo biênio na Câmara.
Noquinha, 44 anos, é vereador desde 2012 e está no segundo mandato. Ele afirma que o problema de Bayeux está na instabilidade. "Em dois anos, são quatro prefeitos. Isso é algo incomum. Nenhum fornecedor quer vender ao município porque fica com medo dessa mudança de prefeito a toda hora."
Segundo o prefeito interino, a arrecadação de Bayeux gira em torno de R$ 10 milhões por mês, sendo que a folha de pagamento é de aproximadamente R$ 1 milhão. Noquinha rebateu as declarações de moradores sobre falta de infraestrutura na cidade. "Quem reclama é a oposição. Eu não tenho como mudar uma realidade que vem se arrastando há anos. Tinha gestor aqui que pagava funcionário fantasma e eu tirei todos. O que eu posso fazer, estou fazendo."
Noquinha defende eleições diretas no município e afirma que, caso isso aconteça, será candidato a prefeito. "Precisamos cumprir os trâmites legais do pedido de cassação do prefeito Berg Lima. Se ele tiver o mandato cassado pela Câmara ainda este ano, teremos eleições diretas. Se acontecer em 2019, teremos indiretas. Dificilmente será julgado este ano porque não podemos atropelar o processo."
"Quem tem que decidir é o povo", diz próximo prefeito
O próximo a assumir a cadeira de prefeito em Bayeux será o vereador Jefferson Kita (PSB), em janeiro. Como próximo presidente da Câmara Municipal ele assume a prefeitura interinamente.
Kita já foi aliado do atual prefeito, Noquinha, mas o rompimento político entre os dois aconteceu no primeiro semestre deste ano. "Sou contrário à forma como ele conduz a cidade, o povo não merece esse tratamento", diz.
O próximo prefeito acusa o atual de defender eleições indiretas porque seria diretamente beneficiado: "Nos bastidores, ele articula com os demais vereadores para que tenhamos eleição indireta no município, pois ele seria beneficiado com isso. Nós, ao contrário, defendemos, sim, eleições diretas para que o povo decida o que quer para a cidade". Como o terceiro prefeito, o quarto também diz que gostaria de ser candidato em uma possível eleição.
O vereador afirma ainda que outra possibilidade é fazer movimento na frente da casa de Berg Lima para que ele renuncie ao mandato de prefeito, o que implicaria na vacância do cargo e eleições diretas no município. "Até eu poderia ser beneficiado pela eleição indireta, mas não é justo que a Câmara assuma isso. A Câmara já se desgastou demais. O povo é quem tem que decidir."
"Não faço ideia de quem é o prefeito", diz morador
Nas ruas de Bayeux, parte da população não sabe responder quem é o prefeito da cidade. O comerciante autônomo Edmilson Juvino ficou surpreso ao ser informado que em janeiro assumirá o quarto prefeito desde as eleições municipais de 2016. "Eu não tenho vergonha de dizer, não sei mesmo quem é o prefeito. Sei que Berg ganhou, mas dizer quem manda na cidade agora, sei não", declarou.
Na rua que Juvino mora, sacolas de lixo se acumulam há dias. Segundo ele, a coleta não passa todos os dias e os moradores se veem obrigados a conviver com o mau cheiro e a presença de insetos.
O aposentado Almir da Silva também não sabe quem é o prefeito do município onde mora há mais de 40 anos. "Não sou muito ligado nessas coisas de política, só sei que já mudou, né?". Ele também reclamou da falta de infraestrutura, saneamento, coleta de lixo e insegurança na cidade. "É uma vergonha. Em Bayeux falta tudo, só Deus para olhar por nós."
A dona de casa Roseane dos Santos é outra moradora que lamenta a "dança das cadeiras" no Executivo Municipal. Ela também disse não saber o nome do prefeito.
"O que eu sei é que Berg Lima ganhou, outro assumiu e tiraram também. Se está mudando é porque alguma coisa está errada. Quem sofre somos nós", afirma Roseane.
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