De cobiçada vitrine eleitoral, a Copa do Mundo virou estorvo e motivo de preocupação para os candidatos à Presidência da República, que pretendem manter uma distância estratégica dos campos de futebol
Adriano Ceolin
Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos ainda estudam a melhor forma de tirar algum proveito eleitoral do campeonato mundial. Não se envolver muito, por enquanto, é a única certeza (Ilustrações Rob)
Quando a Fifa escolheu o Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014, o então presidente Lula festejou como se tivesse marcado um gol de placa. A escolha reforçava mantras que ele vivia a repetir, como “o povo voltou a ter orgulho de ser brasileiro”, e a cantilena de que, sob sua batuta, o país finalmente obtinha reconhecimento internacional e ascendia ao panteão do mundo desenvolvido. Estava claro para Lula: a Copa do Mundo e a Olimpíada de 2016 seriam usadas como peças de propaganda pelo PT nas eleições. Foi assim em 2010, quando Dilma Rousseff venceu a corrida presidencial. Mas não será assim neste ano. Candidata à reeleição, Dilma não tentará pegar carona no evento esportivo com a maior audiência do planeta. Uma mudança radical mas compreensível: entre o otimismo do criador e o distanciamento forçado da criatura, houve manifestações populares contra os gastos públicos com a Copa, denúncias de superfaturamento em obras, além, é claro, da vaia monumental que a presidente ouviu, no ano passado, na abertura da Copa das Confederações. País do futebol, o Brasil jogará em casa, mas Dilma, pelo menos durante o campeonato, não terá o apoio da torcida, assim como seus rivais Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB).
“A minha impressão é que, desde 1970, não acontecia uma tensão política em torno da Copa como agora. Naquela época, havia uma discussão sobre se torcer para a seleção ajudava a ditadura militar. Por isso, é prudente, de fato, (o candidato) não aparecer”, diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. Escaldada pela vaia tomada no Estádio Mané Garrincha, em junho de 2013, no auge dos protestos populares, Dilma não discursará na abertura da Copa, em 12 de junho. Será a segunda vez desde 1994 que o chefe de Estado do país anfitrião abdicará de dar boas-vindas aos torcedores. No Mundial da França, em 1998, o então presidente Jacques Chirac apenas declarou: “Está aberta a Copa do Mundo”. Apesar disso, Chirac acompanhou vários jogos nos estádios, inclusive a partida final, que terminou com a goleada de 3 a 0 da França sobre o Brasil. Por ora está definido que Dilma verá os jogos pela televisão. Por uma estratégia de marketing, ela se deixará fotografar ao lado de familiares, especialmente o neto, em imagens a ser divulgadas na imprensa e nas redes sociais. A reclusão da presidente foi decidida após pesquisas qualitativas encomendadas pelo governo.
As entrevistas mostraram que os brasileiros querem a classe política longe da Copa. Eles têm motivos para isso, inclusive no campo da superstição. Em 1950, o Brasil sediou sua primeira Copa do Mundo e chegou à final como franco favorito. Um dia antes da partida decisiva contra o Uruguai, os três candidatos a presidente — entre eles Getúlio Vargas, que venceu o páreo — fizeram questão de posar para fotos com os jogadores, que já eram tratados como campeões mundiais. O desfecho da história pode ser resumido numa palavra mítica: Maracanazzo. A pesquisa encomendada pelo governo traz outro dado preocupante para Dilma. Os entrevistados disseram que, se a Copa der errado, a presidente perderá votos. Se der certo, não ganhará, porque não teria feito mais do que sua obrigação. Fã de futebol e amigo de ex-jogadores como Ronaldo Nazário, artilheiro e campeão da Copa do Mundo de 2002, o tucano Aécio Neves planeja ir a pelo menos uma partida, em Belo Horizonte, seu berço político, onde terá a torcida a favor. Aécio foi convidado a assistir a jogos em Manaus e Salvador, mas ainda não respondeu se terá coragem de lidar com os eleitores fora de casa.
Já o socialista Eduardo Campos deu sinais de que manterá distância regulamentar dos jogos. Ele fez questão de publicar numa rede social apoio à decisão do prefeito do Recife, Geraldo Júlio, de cancelar a realização de uma festa oficial da Fifa, inicialmente orçada em 20 milhões de reais. Os gastos públicos com a Copa, como se sabe, se tornaram dínamos das manifestações populares. “É motivo de orgulho para o PSB ter nos seus quadros um prefeito que sabe avaliar cuidadosamente a forma de gerir as contas públicas e pensar no bem da cidade”, escreveu Campos. Integrantes da cúpula socialista pretendem orientá-lo a não ir a estádios. Diz o publicitário Fernando Barros, dono de uma agência que presta serviços à Presidência: “O único político que conseguiu faturar com futebol foi o presidente Emílio Médici (1969-1974), com seu radinho de pilha no Maracanã”. Quando o general Médici comandava o país, o Brasil conquistou o tricampeonato mundial, no México. Internamente, vivia o auge de uma repressão militar em que manifestações democráticas eram sufocadas. Entre elas, o voto e a vaia.
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