Ele foi fatiado em três. Uma parte foi para a alçada de Sergio Moro, no Ministério da Justiça, outra para Paulo Guedes, na Economia, e outra para a Cidadania, com Osmar Terra
Da redação com ÉPOCA
Por Natália Portinari
Criado em 26 de novembro de 1930 por Getulio Vargas, o Ministério de Trabalho viu seu atestado de óbito ser assinado no dia 1º de janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro, na forma de uma Medida Provisória. No dia 28 de dezembro, a pasta teve seu último dia de vida como um órgão independente. Não houve choro, nem vela, nem bolo de despedida. Funcionários terceirizados cochichavam discretamente sobre o possível e provável fim de seus empregos. O clima era de resignação, e não desespero. Os corredores estavam vazios, como em todos os demais prédios da Esplanada dos Ministérios em Brasília. Na véspera de Ano-Novo, a preocupação era quando acabaria o plantão e começariam os festejos de fim de ano com familiares e amigos. O futuro estava incerto e não valia a pena discuti-lo.
O último ministro do Trabalho, Caio Vieira de Mello, já tinha ido embora. Viajara para Minas Gerais ao encontro da família no começo daquela sexta-feira e não tinha agenda oficial em seu último dia de expediente. Seu gabinete estava vazio, e poucos passavam por lá. Antes de partir, não quis dar entrevista. No início de dezembro, ao falar com O Globo , ironizou a decisão do então presidente eleito, Bolsonaro, de acabar com o ministério: “Serviu por 88 anos, vai deixar de servir agora?”. Ele se queixou de não ter sido convidado para conversar com a equipe de transição do novo governo e disse que as funções institucionais de assistência ao trabalhador podem ser prejudicadas com o fatiamento da pasta.
Na Medida Provisória editada por Bolsonaro em seu primeiro dia de governo, o ministério se dividiu em três. Imigração e Registro Sindical ficaram sob o chapéu de Sergio Moro, no Ministério da Justiça e Segurança Pública. A Subsecretaria e o Conselho de Economia Solidária será responsabilidade de Osmar Terra, ministro da Cidadania. Todas as demais funções do órgão serão absorvidas pelo Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes.
O novo ministro da Economia defende a flexibilização das leis trabalhistas e a criação de uma “carteira de trabalho verde e amarela”, em que o trabalhador optaria por manter apenas os direitos trabalhistas constitucionais. A proposta é potencialmente inconstitucional por criar uma “casta” de trabalhadores e segregar direitos sociais, segundo juristas, e ainda precisa passar pelo Legislativo. “Como servidor, é claro que não fico feliz. É um ministério que existe há 88 anos. Nós ficamos tristes, preocupados sobre como será feito o trabalho. Mas seguimos em frente para continuar a servir a máquina pública, para onde quer que nos mandem”, disse um funcionário ouvido pela reportagem. Quando foi anunciada a extinção da pasta, os servidores do ministério se reuniram para abraçar o prédio, em um protesto simbólico.
Quando foi criado, o Ministério do Trabalho abrigava também Indústria e Comércio. Na concepção de Vargas, que dera início a seu governo menos de um mês antes de criar a pasta, a relação entre capital e trabalho deveria ser gerida pelo governo. Foi assim que o ministério se tornou responsável por referendar a criação de sindicatos, emitir registros profissionais e fiscalizar o cumprimento da lei trabalhista em fábricas e comércios. Essa atribuição fiscalizadora depois foi ampliada para incluir o agronegócio, à medida que o trabalhador rural foi ganhando equiparação em direitos ao operário urbano.
Apesar das ambições desregulamentadoras da gestão Bolsonaro, essas funções continuarão na mão do governo, já que são definidas pela legislação trabalhista, e não por atos do Executivo. De certa forma, a distribuição ditada por Bolsonaro é mais parecida com o ministério varguista do que com o Ministério do Trabalho dos últimos anos. A Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), órgão mais atuante da pasta, será abrigada no Ministério da Economia, que engloba Fazenda, Planejamento e Indústria.
A SIT identificou 183 mil irregularidades trabalhistas nos últimos 12 meses. Foram 808 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em 2018. O ministério também emite guias de seguro-desemprego e verifica o recebimento de verbas rescisórias pelos resgatados. Os auditores fiscais do trabalho protestaram, em 2017, quando o governo tentou contingenciar 70% do orçamento destinado a fiscalizações, situação que foi resolvida com a liberação de verbas no fim do ano. Os auditores vêm se queixando da falta de estrutura desde a crise econômica de 2015, que levou ao corte de gastos em toda a máquina pública. O último concurso para auditor foi realizado em 2013. Dos 3.644 postos, estão vagos 1.135, ou seja, 36,6% do total. Em 2017, as fiscalizações chegaram a ficar paralisadas de julho até setembro por falta de caixa.
Foi a fiscalização de trabalho escravo, uma das atribuições mais importantes do ministério, que desgastou a gestão do ministro Ronaldo Nogueira (PTB-RS), em 2017. Em outubro daquele ano, ele baixou uma portaria que passou a classificar como trabalho escravo apenas as situações em que o trabalhador é privado de liberdade. Os critérios anteriores, mais amplos, incluíam quem estivesse sob condições degradantes, trabalhando em jornada exaustiva ou em trabalhos forçados. No final daquele ano, Nogueira acabou renunciando.
O ano seguinte foi ainda pior em termos de turbulência política na pasta. O PTB tentou emplacar como ministra a filha de Roberto Jefferson, Cristiane Brasil, mas o Judiciário deu uma série de decisões que barraram a nomeação. A deputada gravou depois um vídeo, cercada de homens musculosos, defendendo-se das acusações que sofria na Justiça. Quem assumiu foi Helton Yomura, também do PTB. Ele pediu demissão depois de alguns meses após ser alvo da Operação Registro Espúrio, em que a Polícia Federal investigou fraudes na concessão de registros sindicais. O Supremo Tribunal Federal determinou que ele fosse removido do cargo.
Há diversas ações judiciais, ainda em andamento, que investigam os esqueletos no armário do ministério. Por anos, o órgão foi vítima de um loteamento partidário que tinha por objetivo a cobrança de propina para ceder registros aos sindicatos. Em 2009, uma investigação da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou também suspeitas de fraude no uso de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em cursos de capacitação. Cursos-fantasmas, documentos falsificados e notas superfaturadas eram os instrumentos de desvio de verba orquestrados pela gestão do ministério, então controlado pelo PT e, em seguida, pelo PDT.
O ex-ministro Caio Vieira de Mello, indicado no final do governo Temer, exonerou os envolvidos na Operação Registro Espúrio e saiu, até o momento, incólume das investigações. Seu discurso é que realizou uma faxina no ministério. Ele conta com a inimizade de Pablo Tatim, ex-assessor do Ministério do Trabalho que integrou a equipe de transição. Em um processo aberto em 2017 pela Corregedoria do órgão, Tatim foi acusado de irregularidades envolvendo pagamento de diárias e passagens e de uma suposta “nomeação casada”. Quando saiu do ministério, ele foi trabalhar no gabinete de um desembargador do Rio Grande do Norte. Em seu lugar, assumiu como assessora a mulher do mesmo desembargador. Tatim conseguiu, em novembro, barrar a investigação da Corregedoria entrando com uma ação na Justiça. O fato de Tatim ter participado da transição explica, segundo funcionários do extinto Ministério do Trabalho, a ausência de comunicação entre a equipe de Bolsonaro e a de Temer. Como coordenador de assuntos jurídicos da equipe de transição, o desenho do desmembramento do ministério foi elaborado e defendido por ele. Agora, Tatim terá um cargo no Planalto sob o comando de Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil.
As mudanças no ministério devem afetar a forma de trabalhar dos 6.555 servidores da pasta espalhados por todo o Brasil. O governo não pode cortar vagas de emprego da administração direta por decreto. Segundo a lei, o Executivo pode apenas remanejar a mão de obra. Mas a situação não é tão tranquila para os 99 funcionários em cargos comissionados, que devem ser substituídos, assim como os terceirizados. Eles temem que seus contratos não sejam renovados.
Como a disposição dos novos ministérios foi esmiuçada em uma Medida Provisória, que precisa passar pelo Congresso, ainda há a possibilidade de que deputados de oposição questionem o desmembramento. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o juiz trabalhista Guilherme Feliciano, afirmou que a segmentação pode ser inconstitucional, já que o Trabalho é um dos pilares da Constituição brasileira. “A pasta hoje realiza uma série de funções integradas, ligadas a suas funções sociais, como a erradicação do trabalho escravo contemporâneo”, disse. “Como as funções do ministério estão previstas em lei, o Congresso Nacional deverá converter a Medida Provisória do presidente em lei, e, depois, será discutida a constitucionalidade dessa lei.”
O presidente do PDT e ex-ministro do Trabalho, Carlos Lupi, disse que seu partido questionará a extinção. “Essa medida é a cara do governo Bolsonaro. Ele não tem nenhum compromisso com o trabalhador. Querem colocar o ministro da Economia para tomar conta do FGTS, o que equivale a deixar a raposa tomando conta do galinheiro”, disse.
Nos corredores do ministério, ainda não se sabe se os funcionários vão mudar de lugar. Na quarta-feira 2, primeiro dia de expediente em 2019, o letreiro na frente do prédio, que carregava os dizeres “Ministério do Trabalho” e “Ministério da Fazenda”, foi retirado. Agora, o prédio ostentará apenas o nome do Ministério da Economia.
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