domingo, 30 de agosto de 2015

Área de pessoal concentra irregularidades no setor público

» ENTREVISTA » Luciano Ramos - Procurador-geral do Ministério Público de Contas 

O procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC), Luciano Ramos, afirma que as irregularidades mais comuns nos órgãos públicos envolvem despesas com pessoal. São casos de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal e pagamentos indevidos de vantagens. Segundo o procurador, houve recentemente, com relação a esse tipo de situação, sete cautelares que determinaram correções na gestão de pessoal na Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap). que vão desde o pagamento indevido de plantões eventuais a quem não faz jus a adicionais de insalubridade sem que o servidor esteja em ambiente de trabalho insalubre. 

A atuação do MP de Contas também identifica um elevado número de dispensas indevidas de licitações e superfaturamentos. Nesta entrevista, o procurador ainda responde sobre o trabalho do Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas do Estado, o combate à corrupção, a desapropriação de um terreno motivada por uma iniciativa do TCE e as recentes declarações do presidente do Tribunal de Justiça com críticas aos gastos estatais.

Magnus NascimentoProcurador aponta que irregularidade mais comum envolve desrespeito à Lei de Responsabilidade FiscalProcurador aponta que irregularidade mais comum envolve desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal

Como tem sido a atuação do Ministério Público junto ao TCE na fiscalização dos gestores públicos no Rio Grande do Norte?
As instituições brasileiras, em geral, estão em uma fase de consolidação democrática, aperfeiçoando seus mecanismos de atuação dentro do Estado Democrático de Direito. O Ministério Público de Contas do Rio Grande do Norte insere-se neste contexto, com a incorporação de novos instrumentos de atuação, tais como o Termo de Ajustamento de Gestão – criado a partir de 2012, juntamente com a nova Lei Orgânica do TCE/RN (Lei Complementar nº 464/2012). Com este e outros instrumentos, além do fortalecimento do Corpo Técnico do TCE, o MPC/RN tem modificado gradativamente o perfil de sua atuação fiscalizatória, com maior ênfase agora em atuações preventivas, de modo a evitar a efetivação de potenciais danos ao Erário.

Em quais situações? Como tem sido esse trabalho?
A título de exemplo, em dezembro de 2012, quando do início do meu primeiro mandato à frente da Procuradoria Geral do Ministério Público de Contas, o MPC possuía em estoque 3.200 processos – os quais já vinham sendo reduzidos em gestões anteriores -, o que enseja uma inexorável atenção para fatos ocorridos no passado. Atualmente, o estoque de processos da Procuradoria-Geral do MPC/RN está reduzido a aproximadamente 10% do montante inicial, girando em torno de 400 processos e com tendência a ser zerado o estoque até o final deste ano. Com isto, além da fiscalização retrospectiva, tentando desfazer atos irregulares já praticados, o MPC/RN passou a ter musculatura para intensificar a fiscalização prospectiva, proativa, como é o caso das diversas representações efetivadas pela Procuradoria-Geral este ano. Muitas delas obtiveram medidas cautelares, como foi o caso recente a respeito da locação do Complexo Judiciário pelo TJRN, cujo efeito prático foi evitar um potencial dano ao Erário de quase R$ 1,8 milhão, sem contar desdobramentos futuros do processo originado de uma representação da Procuradoria-Geral poucos meses após o contrato ter sido firmado.

Igualmente, o MPC/RN ingressou com representações logo após a assinatura de contratos atinentes à Copa do Mundo, como foi o caso das estruturas temporárias instaladas no entorno da Arena das Dunas, onde também houve cautelar que se antecipou a potencial dano ao Erário da ordem de milhões de Reais. Em síntese, superada a questão do estoque de processos, o MPC/RN passou a atuar com matrizes de risco bem definidas, ponto de partida para intervenções concomitantes à realização de atos e contratos administrativos, interrompendo irregularidades e seus efeitos em seus estágios iniciais.

Quais são as irregularidades mais comuns identificadas no trabalho de fiscalização?
Há uma concentração de irregularidades no que tange às despesas com pessoal, com inúmeras inobservâncias da Lei de Responsabilidade Fiscal e pagamentos indevidos, tais como pagamentos de adicionais a quem não faz jus a sua percepção, acúmulo indevido de cargos, servidores que a Administração Pública não tem qualquer controle sobre a efetivação de sua carga horária. Neste último dia 27/08/2015, inclusive, o TCE/RN deferiu 7 cautelares determinando a correção de irregularidades na gestão de pessoal da SESAP, que vão desde o pagamento indevido de plantões eventuais a quem não faz jus este pagamento, assim como adicionais de insalubridade sem que o servidor esteja efetivamente em ambiente de trabalho insalubre, notadamente em unidades exclusivamente administrativas, até o ponto de haver um determinado contingente de servidores que a Administração desconhece o local em que eles estejam desempenhando suas funções.

No âmbito dos contratos administrativos, das irregularidades detectadas pelo TCE/RN, tem-se um elevado número de dispensas indevidas de licitações, fator potencializador de sobrepreço e superfaturamento, conforme se observa em um significativo número de processos de fiscalização. 

Alguns prefeitos alegam dificuldades de aplicar a Lei de Responsabilidade Fiscal diante dos problemas financeiros, com queda de repasses, principalmente FPM. Esse tipo de justificativa é levada em consideração na análise de contas?
A Lei de Responsabilidade Fiscal pressupõe planejamento e prevenção de riscos, inclusive quanto a eventuais quedas de arrecadação. Além disso, é um princípio basilar do Direito Financeiro, previsto no art. 167, III, da Constituição Federal, o equilíbrio entre receitas e despesas. A consequência natural de uma queda de arrecadação é a contenção de despesas, notadamente as não essenciais, como é o caso dos mais diversos gastos com festejos bancados com dinheiro público. 

Evidentemente, há um limite a esta possibilidade de cortes, mas ainda assim as imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal continuam a obrigar o gestor público, mas algumas medidas e sanções podem ser temporariamente adiadas na hipótese de crescimento real baixo ou negativo do PIB, conforme previsto na própria LRF – Lei Complementar nº 101/2000, art. 66.

TRIBUNA DO NORTE

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