por Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Maceió
A sexta-feira de 13 de setembro de 1957 será sempre lembrada como um dos episódios mais sangrentos da política nacional. Era uma manhã de sol em Maceió, quando os 35 deputados se reuniram na Assembleia Legislativa para votar o impeachment do então governador Muniz Falcão (1915-1966).
A votação, porém, não ocorreu, porque um intenso tiroteio terminou com um deputado morto e outras oito pessoas baleadas -- cinco delas parlamentares. "Foram 1.200 tiros em dois minutos", rememora o jornalista Jorge Oliveira, autor do livro "O Curral da Morte", que conta em detalhes como ocorreu o episódio.
No dia, deputados alagoanos entraram armados com metralhadoras na Assembleia, sem qualquer cerimônia. Dentro do plenário, uma barricada com sacos de areia já estava montada para proteger a Mesa Diretora e já anunciava o iminente confronto armado.
Muniz Falcão foi o único governador na história brasileira a ter impeachment aprovado pela Assembleia. Depois dele, apenas Fernando Collor de Mello teve processo semelhante concluído, mas para a Presidência.
A aprovação do impeachment ocorreu três dias depois do tiroteio, quando o Estado estava sob interdição parcial federal. Porém, na votação final, a comissão mista de deputados e desembargadores devolveu o cargo a Muniz.
O jurista e advogado eleitoral Gustavo Ferreira explica: a lei do impeachment, de 1950 e em validade até hoje, prevê que, no caso dos governadores e secretários de Estado, como há apenas uma casa legislativa, a votação final do processo de impedimento ocorra por meio de uma comissão formada por cinco desembargadores sorteados e cinco deputados escolhidos pela Assembleia. A condução dos trabalhos é do presidente do Tribunal de Justiça, que só vota em caso de empate.
"Antes, claro, o processo é aberto em votação na assembleia, com necessidade de dois terços dos votos. Aceito o processo, o governador é afastado por até 180 dias para ser julgado."
1957 x 2016
Segundo Oliveira, o episódio de 1957 não guarda semelhanças com o pedido de impeachment atual. O motivo da revolta, à época, seria o envio de um projeto de lei pelo governador que previa o pagamento de uma taxa pelos usineiros do Estado para investimento na educação. Os deputados alegaram também problemas de segurança após o assassinato de um deputado oposicionista.
"Foi um processo puramente da elite. Houve uma conspiração da UDN [União Democrática Nacional, partido que existiu entre 1945 e 1965], que envolveu a elite e os usineiros, que não queriam pegar o imposto e se rebelaram. A conspiração envolveu o Carlos Lacerda, do Rio de Janeiro, e Arnon de Mello [pai do senador Fernando Collor]", afirmou.
Na época, por conta do clima belicoso, não houve manifestação popular em defesa de Muniz. "O povo se escondeu, ficou com medo, apesar de apoiar Muniz", lembra o autor do livro.
Um dos deputados da sessão era Geraldo Sampaio. Em 2007, antes de morrer, ele deu um depoimento à TV Alagoas contando que a tragédia era anunciada. "Fizemos um pedido ao ministro da Justiça, que era na época o ministro da Guerra. Ele autorizou o Exército em Alagoas a acompanhar, mas para ficar no prédio em frente, na antiga sede do Tesouro Nacional. Quando começou o tiroteio, o funcionário fechou a única porta da [Assembleia] e colocou uma grade de ferro", contou.
O deputado que morreu no tiroteio foi Humberto Mendes, que era contrário ao impeachment e cunhado do governador Muniz Falcão. Depois daquilo, Alagoas passou 20 anos na mira da pistola. As pessoas dali começaram a se matar depois", afirma Jorge Oliveira.
Telegrama rende Prêmio Esso
Não foram só políticos feridos. O repórter Márcio Moreira Alves, que veio do Rio enviado pelo jornal "Correio da Manhã", foi baleado também. "Ele levou um tiro na coxa, mas saiu e foi aonde havia um sistema de telegrama. Ele informou ao jornal que tinha havido um 'impeachment de sangue' em Alagoas. Aquele telegrama lhe rendeu o Prêmio Esso de Jornalismo", conta Oliveira.
No telegrama, Moreira informou: "Vi o fogo da metralhadora, senti dor na perna e caí. Durante uma hora, juntamente com outros quatro feridos, abriguei-me atrás de três sacos de areia destinados a proteger a taquigrafia. Esperei socorro. As ambulâncias tiveram dificuldades em atravessar o cerco de cangaceiros, que ameaçavam o corpo médico com metralhadoras".
Intervenção federal
Jorge Oliveira conta que, após o tiroteio, o presidente Juscelino Kubitschek decretou, naquela mesma sexta-feira, intervenção federal em Alagoas, e o general Morais Âncora, ex-chefe da polícia de Brasília, veio ao Estado. "Os deputados da oposição ficaram acautelados no quartel do Exército até a votação. Três dias depois, o impeachment foi aprovado, mas foi votado no Instituto de Educação, sob grande proteção do Exército. Não houve presença dos deputados governistas, e o vice [Sizenando Nabuco] assumiu imediatamente", explicou.
Semanas depois, o STF (Supremo Tribunal Federal) alegou ilegalidade no rito do impeachment e mandou que Muniz voltasse ao cargo --o que ocorreu no dia 24 de janeiro de 1958. "Ele foi carregado por uma multidão", lembra Oliveira.
Depois, a comissão de deputados e desembargadores o anistiou do impedimento, e o governador ficou no cargo até 31 de janeiro de 1961.
Até hoje não há muitos detalhes de como começou o tiroteio. "Dizem que o primeiro deputado a atirar foi o Edson Lins, mas não se tem certeza", diz o jornalista Jorge Oliveira.
Muniz Falcão era pernambucano e foi naquela década a Alagoas para chefiar a então delegacia do Trabalho. Foi eleito governador em 1955. "Ele era populista vinculado aos trabalhadores e passou a colocar em xeque a legislação trabalhista e a ter embates com o setor sucroalcooleiro", diz o historiador Alberto Saldanha, em fala à TV Alagoas.
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