Por Carlos Madeiro
Colaboração para o UOL, em Maceió
Inaugurada parcialmente há um ano, a transposição do rio São Francisco corre riscos por falta de planejamento para manutenção e operações, além de carecer de garantias de verbas para custeio. A constatação está em auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União).
O relatório também apontou falhas que podem comprometer a sustentabilidade da obra, que já custou R$ 10,7 bilhões e ainda está em fase de execução no eixo norte. Para a CGU, o custo final estimado é de R$ 20 bilhões.
O eixo leste da transposição foi inaugurado pelo presidente Michel Temer (MDB), em março de 2017, enquanto o eixo norte está com mais de 90% das obras prontas e deve ser inaugurado "ainda neste ano", segundo o governo.
O eixo leste teve direito a "inauguração popular", realizada nove dias depois da oficial pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT, que reivindicaram a "paternidade" da obra.
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O canal já inaugurado tem 217 km e corta cinco municípios pernambucanos até a divisa com a Paraíba. Segundo o Ministério da Integração Nacional, 1 milhão de pessoas já saíram do colapso do abastecimento.
Mas, segundo a análise da CGU, "verificou-se que não há um planejamento estruturado" para operação e manutenção da obra. "Não foi elaborado cronograma com tarefas/atividades, duração, vínculos de precedência e responsável", aponta.
Ainda segundo o documento, o Ministério da Integração Nacional "não detém estrutura adequada para a gestão da transposição". Além disso, não haveria "mecanismos de direcionamento estratégico e controle que proporcionem maior previsibilidade e assegurem a execução do programa".
"Em primeiro lugar, não há um Plano de Gestão de Riscos. Há apenas uma lista de riscos simples, genérica e que retrata somente um momento do tempo. Em segundo, foram identificadas uma série de lacunas, pendências e fragilidades no modelo de gestão que não fornece as condições adequadas, bem como os instrumentos suficientes e na qualidade requerida à operação e manutenção", informa.
Para a controladoria, "é determinante realizar uma análise de riscos de todo o projeto e seu ambiente, para que a maior quantidade de possíveis riscos seja identificada e analisada, a fim de estabelecer respostas proativas a eles".
Recursos para manutenção em risco
Segundo a avaliação, ainda não é possível saber se os custos de aquisição de energia serão suficientes para garantir a viabilidade do empreendimento. Diz o estudo haver "incertezas e fragilidades" por faltarem estudos e planejamento energético de longo prazo e do uso de autoprodução de energia.
No estudo, há, por exemplo, simulações sobre o custo de energia do bombeamento. Foi necessário instalar estações-elevatórios, que funcionam como bombas e levam a água a um ponto mais alto, de onde por gravidade desce aos canais.
Esse custo de energia "poderá variar entre R$ 0,10/ m³, em um cenário otimista de aquisição de energia, a R$ 0,46/m³, em um cenário pessimista de aquisição de energia".
O resultado pode ser a inviabilidade do pagamento pelos estados. "O repasse desses custos para as tarifas de saneamento, considerando perdas de 50% no setor de saneamento, 3% de perdas elétricas e 25% de impostos, representarão aumentos variando entre 5% no cenário mais otimista a 21% no cenário mais pessimista. Os valores a serem arcados pelos quatro estados poderão ascender a cerca de R$ 800 milhões anuais considerando o cenário pessimista."
Para a CGU, trata-se de um "valor extremamente elevado", se for levada em consideração a situação fiscal dos quatro estados receptores. "A simulação poderá indicar cenários ainda mais críticos caso se considere os custos de energia que estão sendo praticados no mercado livre", afirma.
O que diz o governo?
Em resposta ao UOL, o Ministério da Integração Nacional informou que priorizou estruturas que estavam no "caminho das águas" com o "objetivo de atender rapidamente à população com risco de colapso no abastecimento".
"A estratégia possibilitou a chegada da água a Monteiro (PB), em janeiro de 2017, e ao reservatório Epitácio Pessoa, em Boqueirão (PB), em março de 2017. É importante destacar que a ordem de agilizar a chegada das águas reduziu a previsão de atraso apontada pela CGU", disse.
A pasta garante que operação e manutenção do projeto "sempre foram tratadas com a mesma prioridade em relação à execução do empreendimento". "O órgão federal responsável por essa função --a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf)-- está, inclusive, alterando sua estrutura organizacional e criando uma área específica com essa finalidade", informou.
Sobre o modelo de gestão da operação do projeto, a pasta diz que "tem sido amplamente discutido" com órgãos integrantes do sistema, como a Casa Civil da Presidência, o Ministério da Fazenda e governadores dos estados beneficiados. O ministério informou que a ANA (Agência Nacional de Águas) já estabeleceu, em 2016, o modelo tarifário a ser aplicado ao projeto São Francisco.
No que diz respeito à sustentabilidade da transposição, a pasta diz que "se trata de uma contínua preocupação do governo federal".
Um dos problemas é que existe um termo de compromisso assinado ainda em 2005 entre a União e os estados beneficiados (Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba). Mas o Ministério da Integração reconhece que o cenário econômico do país mudou, e a perspectiva dele está sob análise.
"Por isso, está em busca de soluções que viabilizem o projeto de forma mais eficiente para todos os envolvidos. Há tratativas com o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) em busca de estratégias para garantir melhor custo-benefício à operação do sistema, hoje com estimativa de investimento médio de R$ 500 milhões ao ano. Estudos estão sendo feitos, com possibilidade de uma PPP (parceria público-privada) ou outras soluções alternativas de autogeração de energia elétrica, que possam suprir a demanda do projeto São Francisco", informou.
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