Por Thâmara Kaoru
Do UOL, em São Paulo
Um auxiliar de limpeza de uma empresa em Mato Grosso conseguiu na Justiça o direito de "demitir" o patrão, que não havia pago suas horas extras.
Esse direito é chamado de rescisão indireta e é garantido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) se o empregador cometer uma falta grave contra o funcionário. Na realidade, o patrão não é literalmente demitido. O que acontece é o rompimento do contrato, e o trabalhador recebe todos os seus direitos.
A CLT permite que o trabalhador peça a "dispensa do patrão" em sete casos (veja todas as situações mais abaixo). Um deles é quando o empregador não cumpre as obrigações do contrato. Foi com base nesse argumento que o trabalhador citado acima pediu a rescisão indireta, justificando, ainda, que teve recolhimento incorreto do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
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O pedido de rescisão indireta havia sido negado em primeira e segunda instâncias, mas o TST (Tribunal Superior do Trabalho) considerou que deixar de pagar horas extras é considerada uma falta grave, e deu razão ao trabalhador. "Quando o patrão deixa de pagar hora extra, ele está descumprindo o contrato de trabalho", afirma o advogado Rui Carlos Diolindo de Farias, do escritório que entrou com a ação.
Justa causa ao contrário
"São os mesmos requisitos da justa causa, só que ao contrário: a empresa é que sofre a rescisão. O funcionário deixa de trabalhar, e a empresa se torna responsável por pagar todas as verbas como se ele tivesse sido mandado embora sem justa causa", afirma o advogado trabalhista Danilo Pieri Pereira.
Mas "demitir" o patrão não significa que o chefe deixará a empresa. É o funcionário que deixa a empresa, mas recebe todas as verbas trabalhistas, como se houvesse sido demitido sem justa causa: multa de 40% do FGTS e seguro-desemprego, por exemplo.
Quando pedir a rescisão indireta?
A CLT lista, no artigo 483, sete casos em que a rescisão indireta é possível. Veja exemplos de situações para cada um deles:
1) Forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato
Quando o patrão exige que o funcionário faça um trabalho físico maior do que sua capacidade. Também vale para situações que vão além da força física, como quando o patrão pede para fazer uma tarefa que não está em seu contrato apenas para constrangê-lo ou até quando exige que faça algo que é considerado imoral.
2) For tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo
Quando metas abusivas e impossíveis de serem alcançadas são estipuladas ou quando são feitas exigências maiores para um funcionário do que para outros na mesma função.
3) Correr perigo manifesto de mal considerável
Quando o empregado corre riscos no ambiente de trabalho ou se o patrão deixar que ele faça uma função sem equipamentos de proteção, colocando sua segurança em risco.
4) Não cumprir o empregador as obrigações do contrato
Quando o patrão atrasa constantemente o pagamento do salário, não paga benefícios como vale-refeição, vale-transporte ou horas extras, ou não recolhe o FGTS, por exemplo.
5) Praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama
Quando o patrão ofende o funcionário ou sua família, com calúnias e difamações.
6) O empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem
Quando o funcionário é agredido fisicamente pelo patrão, com exceção de casos de legítima defesa.
7) O empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários
Nos casos em que o empregador reduz o salário do funcionário para humilhá-lo ou quando o patrão começa a reduzir as funções do empregado para desmotivá-lo e forçar sua saída.
Qual a vantagem de pedir a rescisão indireta?
A vantagem da rescisão indireta é que o trabalhador tem direito a receber os mesmos benefícios que uma pessoa demitida sem justa causa, como:
- Saldo de salário;
- Aviso prévio;
- Férias vencidas e proporcionais;
- 13º salário;
- Direito ao saque do FGTS, além de multa de 40%;
- Direito de receber o seguro-desemprego.
Como fazer o pedido?
Na prática, o funcionário ingressa com uma ação na Justiça e, no mesmo dia, pede para que o advogado informe para a empresa que ele não trabalhará mais lá, segundo o advogado trabalhista Daniel Chiode.
"Se deixar de trabalhar por mais de 30 dias e, depois, entrar com a ação, há o risco de ser considerado abandono de emprego e até de ser demitido por justa causa."
Quais provas apresentar?
Para pedir a rescisão indireta, o trabalhador precisará ter provas. Alguns casos são mais fáceis de comprovar. Para atraso de salário, por exemplo, é possível apresentar os holerites e comprovantes bancários. Para outras situações, como assédio moral, o funcionário terá que reunir gravações, e-mails ou mensagens de celular. Pode apresentar também até três testemunhas.
"Quanto mais objetivo o caso for, mais fácil de conseguir. Atraso de salário, por exemplo, é só apresentar o holerite e mostrar que o dinheiro caiu na conta em outro dia. Quanto mais abstrato, mais dependente de interpretação vai ser. Vou ter que conseguir convencer o juiz de que a questão se encaixa em um daqueles itens previstos na CLT", diz Pereira.
Quanto tempo demora?
Ações trabalhistas podem demorar para serem resolvidas, diz a advogada trabalhista Virna Rebouças Cruz. "É difícil falar em quanto tempo demora um processo. O tempo dependerá da vara e, se houver recurso, por exemplo. Mas é difícil conseguir um processo que se encerre em menos de três ou quatro anos. Como a Justiça lida com muitos processos, há uma certa demora", diz ela.
A especialista afirma, porém, que pode acontecer de patrão e empregado fecharem um acordo. Nesses casos, o recebimento é mais rápido.
E se perder a ação?
A reforma trabalhista, em vigor desde o ano passado, prevê que o trabalhador seja responsável pelas despesas do processo se perder a ação. O STF (Supremo Tribunal Federal) começou a discutir a questão, mas ainda não há uma decisão final. Por isso, os especialistas dizem que é preciso ter cautela para entrar com a ação e ter provas para sustentar os argumentos.
Além disso, se o funcionário entrar na Justiça e perder, o juiz considerará como se o empregado tivesse pedido demissão. Ele receberá os valores da rescisão, mas não terá direito a seguro-desemprego, saque do FGTS e multa de 40% sobre o fundo.
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