domingo, 29 de julho de 2012

Londres, dia 1: um país de chorões tem largada histórica nos Jogos

Com ouro, prata e bronze, Brasil tem dia de emoção com a superação de seus atletas e o quarto lugar momentâneo no ranking de medalhas


Por Alexandre Alliatti                                                                                             
Rio de Janeiro

Os estrangeiros, quando se referem a nós, costumam sublinhar que somos um povo sorridente. Seria um bocado injusto tirar a razão deles. Somos. Mas se eles afirmassem exatamente o contrário, não estariam errados. Admitamos: também somos um país de chorões. Também sabemos chorar pelos cotovelos, chorar feito recém-nascidos, chorar a cântaros. E chorar, talvez mais do que tudo, pelo esporte. Que o diga o primeiro dia de disputas depois da abertura das Olimpíadas de Londres. Ele testou a moleza do coração brasileiro - com o perdão da pieguice da frase.

Foi difícil não acompanhar o judoca Felipe Kitadai em seu pranto (justificadamente) descontrolado com o bronze. Foi uma luta não balançar quando Sarah Menezes fez uma careta de choro ao ganhar um ouro que precisa de novos adjetivos para enfeitá-lo – os atuais, desgastados, não poderão expressar o verdadeiro tamanho dele. Foi complicado não se emocionar com a insistência de Thiago Pereira até a conquista da medalha de prata nos 400m medley.

Sarah Menezes chora: é dela a primeira medalha de ouro
do judô feminino do Brasil (Foto: Agência AFP)

Que dia. Vale ressaltar o inusitado do início da tarde deste sábado: por alguns minutos, estivemos no topo do ranking de medalhas dos Jogos. Azar que tenha durado tão pouco. O importante é que não será mentira dizer que estivemos, neste 28 de julho, à frente de todo mundo – até dos Estados Unidos e da China, embora a diferença para os orientais, reconheçamos, tenha sido apenas por causa da ordem alfabética (ainda bem que não era, sabe-se lá, o Afeganistão...). A ocorrência escancara um fato: jamais o Brasil havia começado tão bem uma edição das Olimpíadas.


O topo do ranking foi o resultado do casamento quase instantâneo de duas medalhas: a de Felipe Kitadai e a de Sarah Menezes. A primeira foi de bronze. Enquanto o judoca enfrentava o italiano Elio Verde, gritava aos olhos a frieza dele. O brasileiro, no dia de seu aniversário de 23 anos, parecia não dar bola para nada que estivesse fora do tatame. Sequer parecia escutar o treinador dele. Dava pinta de ser a pessoa mais fria do mundo.

Que nada. Assim que o árbitro confirmou sua vitória, com um yuko no golden score, o paulista se transformou. Virou uma criança. Chorou de soluçar, de ficar desnorteado, de não conseguir falar. Com o kimono sujo de sangue, resultado de um dente quebrado, o judoca parecia entrar em um surto histérico. É um chorão esse medalhista olímpico. Um chorão em um país de chorões.

E os mais lacrimejantes mal tiveram tempo de se recompor. Meia-hora depois, era a vez de Sarah Menezes, de 22 anos, produzir choradeira – mais em quem acompanhou o feito do que nela própria. A judoca até que conseguiu se conter. Chorou logo depois de atropelar a romena Alina Dumitru, campeã olímpica em Pequim 2008, mas depois ficou sóbria, com o olhar distante, como se mergulhasse em um mundo paralelo, em um universo de sonhos.

Não faltaria quem dissesse que só em delírios uma criança de nove anos, ao decidir brincar de judô no Piauí, começaria a construir uma medalha de ouro – a primeira de uma mulher brasileira no esporte na história dos Jogos. Pensar nisso, para quem vive o esporte, dá vontade de chorar. O narrador do SporTV, Sérgio Maurício, foi vencido pela emoção já durante a transmissão – e desabou em lágrimas depois dela, como mostrou uma câmera do canal.

Thiago Pereira foi o terceiro ato de um sábado que distribuiu todos os metais olímpicos ao Brasil. A medalha dele foi a de prata. Depois de ficar em quarto tanto em Atenas 2004 (justamente nos 400m medley) quanto em Pequim 2008 (nos 200m medley), o nadador chegou lá. Só perdeu para o americano Ryan Lochte, uma afirmação que ganha peso por também significar vencer o fenômeno Michael Phelps, quarto colocado (o terceiro foi o japonês Kosuke Hagino).

- O melhor é que eu ganhei esta medalha com Phelps e Ryan ao meu lado. Ele ainda é Michael Phelps. Ele é legal. É o maior atleta do mundo – disse Thiago mais tarde, ainda um pouco bobo com sua conquista.

Thiago Pereira não chorou – pelo menos na frente das câmeras. Mas tente imaginar como foi essa conquista para Rose Vilela, a mãe do nadador, aquela que por tantas e tantas e tantas provas se esgoelou gritando “Vaaaaaaaaai, Thiaaaaaagooooo!”.

As quedas de Diego Hypolito e Joanna Maranhão

Nem só de alegrias foi feito o sábado. Houve derrotas. Houve quedas – algumas naturais ao esporte, como a de Diego Hypolito, e outras nada normais, como a de Joanna Maranhão.

O ginasta repetiu o drama de Pequim. Apontado como um dos grandes favoritos ao ouro, foi ao chão em sua apresentação. A queda representou sua ausência na final individual de solo. Ficou em 11º. Extremamente frustrado, o atleta pegou pesado ao analisar seu rendimento:

- Amarelei.

A dor nos olhos de Diego Hypolito:
queda custa a chance de ouro no solo (Foto: AP)

Por outro lado, Arthur Zanetti e Sergio Sasaki conseguiram se classificar para as finais nas argolas e no individual geral, respectivamente. O primeiro teve uma exibição quase impecável e somou 15.616 pontos na prova que é sua especialidade. O segundo, com 89.132 pontos, ficou em 11º lugar.

Com Joanna Maranhão, o problema foi anterior à prova. Bem anterior. Ela sequer conseguiu sair inteira de seu quarto na Vila Olímpica. Teria passado mal e caído, cortando o supercílio. Ficou fora da disputa dos 400m medley, sua principal esperança, mas nesta terça pode disputar os 400m borboleta.

Ela perdeu a chance de enfrentar um novo fenômeno da natação. A vitória nos 400m medley ficou com a chinesa Shiwen Ye, que destruiu o antigo recorde mundial. Fez a prova em 4m28s43, contra 4m29s45 da marca anterior. O mais impressionante: ela tem 16 anos.

Quem também impressionou foi o chinês Yang Sun. Ele é o novo dono tanto do ouro quanto do recorde olímpico nos 400m livre. Cravou o tempo de 3m40s14, mais de dois segundos à frente do sul-coreano Park Tae-Hun, campeão em Pequim 2008. O recorde anterior era de Ian Thorpe, com 3m40s49.

Mais vitórias que derrotas nas quadras, nos gramados e na areia

Nas quadras e nas areias, foi um dia mais positivo do que negativo para o Brasil, embora longe de ser brilhante. A seleção feminina de futebol venceu a segunda, desta vez sobre a Nova Zelândia, por 1 a 0, com gol de Cristiane – antes, havia feito 5 a 0 em Camarões.

No handebol, nova vitória. E suada: 24 a 23 sobre a Croácia. O destaque foi a goleira Chana. Mas não só ela. Também chamaram a atenção as mangas de camisa e os calções com imagens de animais da fauna verde-amarela em meio a estampas de onças e araras.

No vôlei, as meninas estrearam com dificuldades. Mas venceram: 3 sets a 2 na Turquia, em atuação com muitos momentos de nervosismo, com muitas falhas, mas com vitória.

A decepção das quadras ficou com a equipe feminina de basquete, derrotada pela França por 73 a 58. No último quarto, com a seleção brasileira dormente, as adversárias fizeram 21 a 9. Foi o ponto de desequilíbrio.

No tênis de duplas, o Brasil teve uma vitória e uma derrota. Avançou às oitavas de final com Bruno Soares e Marcelo Melo, que venceram Andy Roddick e John Isner por 2 a 0, parciais de 6/2 e 6/4, mas não teve a mesma sorte com Thomaz Belucci e André Sá. Eles perderam por 2 a 1 para os irmãos Bob e Mike Bryan – parciais de 7/6(5), 6/7(5) e 6/3.

O vôlei de praia teve um dia tranquilo. Juliana e Larissa passaram fácil por Rigobert e Li Yuk Lo, de Ilhas Maurício: 2 sets a 0 - parciais de 21/5 e 21/10. Ricardo e Pedro Cunha também ganharam: 2 a 0 nos noruegueses Binstock e Reader (21/19 e 21/13).

No tênis de mesa, Hugo Hoyama perdeu para Zengyi Wang, chinês naturalizado polonês, por 4 sets a 3 (parciais de 8/11, 11/9, 9/11, 9/11, 11/5, 11/8 e 12/10). Foi a sexta participação do mesa-tenista de 43 anos em Olimpíadas– um recorde nacional.

China à frente

A China fechou o dia no comando do quadro de medalhas. Conquistou seis: quatro de ouro e duas de bronze. Em segundo lugar, ficou a Itália, alavancada pelo florete feminino, que tomou conta do pódio em Londres. O título ficou com Elisa Di Francisca, que derrotou sua compatriota Arianna Errigo na morte súbita de uma final equilibrada: 12 a 11. Valentina Vezzali foi bronze.

O primeiro ouro de Londres foi para a chinesa Siling Yi. Ela conquistou a medalha no tiro, na carabina de ar de 10m.

E os passos iniciais dos Jogos já começaram a deixar imagens marcantes. Uma delas esteve no tênis de mesa. A polonesa Natalia Partyka venceu, de virada, a dinamarquesa Mie Skov por 4 sets a 3. Seria uma partida corriqueira se a vencedora não tivesse apenas uma mão, a esquerda. Ela nasceu com uma deficiência, sem a mão direita. E foi aos Jogos mesmo assim. E estreou com vitória mesmo assim.



Nenhum comentário:

Postar um comentário