quinta-feira, 18 de junho de 2015

Sem unidade apropriada, RN mantém deficiente mental presa irregularmente

Estado não possui unidade psiquiátrica de custódia para mulheres.
Ana Maria Laurindo está há 9 anos isolada numa cela comum em Natal.

Anderson BarbosaDo G1 RN

O sistema penitenciário do Rio Grande do Norte não dispõe de unidades adequadas para o acolhimento de criminosas consideradas inimputáveis, ou seja, não possui nem mantém um local para que as mulheres acometidas de alguma doença psíquica, desenvolvimento incompleto ou retardado intelectual, cumpram adequadamente as medidas de segurança impostas pela Justiça. É o caso de Ana Maria Laurindo. Ela, que tem 45 anos, há quase 10 é mantida isolada em uma das celas do pavilhão feminino do Complexo Penal João Chaves, na Zona Norte de Natal. Superlotada, a unidade mantém 90 mulheres em um espaço construído para receber no máximo 70.

“A Ana Maria ocupa uma cela sozinha. Isso para nós é um incômodo, porque poderíamos receber outras detentas já condenadas pela Justiça. Mas, como ela não tem para onde ir, fica aqui em um espaço que poderia ser utilizado por outras seis ou até sete internas”, observou a agente penitenciária Pascoaliana de Souza Alves, diretora do pavilhão.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Justiça e da Cidadania (Sejuc), pasta responsável pelas unidades prisionais, informou que o órgão está providenciando um local adequado para a detenta, e garantiu que ela recebe todos os cuidados necessários com medicamentos e assistência médica.

A Sejuc informou também que, depois das rebeliões de março, a recuperação das unidades é a prioridade, até porque a demanda de presas com problemas mentais não é tão grande. Ainda segundo a secretaria, no pavilhão feminino do Complexo Penal João Chaves, por exemplo, são duas apenadas nessa situação.

Ana Maria tem 45 anos. Em 2004 ela matou o próprio pai com mais de 40 facadas. A mulher chegou ao pavilhão feminino dois anos depois, e desde então o único tratamento que recebe são doses diárias de Zyprexa e Seroquel, medicamentos indicados para esquizofrenia, e os também antipsicóticos Olanzapina e Risperidona, administrados para que ela não machuque outras pessoas nem atente contra a própria vida.

"Se ficar sem tomar os remédios ela enlouquece, fica batendo com a cabeça nas grades, nas paredes, e ninguém consegue segurá-la”, relatou uma das presas da unidade. "Ano passado, Ana Maria foi encaminhada para o Hospital Psiquiátrico João Machado, mas foi devolvida porque quebrou o braço de um enfermeiro", acrescentou o juiz Henrique Baltazar, da vara de Execuções Penais de Natal.


Sem família, sem liberdade
Além do pavilhão feminino, Henrique Baltazar ainda visitou a Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento (UPCT), que também faz parte do Complexo Penal João Chaves. A unidade, que é exclusivamente masculina, possui 45 vagas e mantém 45 presos. Como a maioria dos alojamentos (como são chamadas as celas) são individuais, e os internos precisam ser mantidos isolados, não há superlotação. Lá, o problema é outro: os presos não saem. Sem acompanhamento médico, a maioria não evolui. E sem melhora, a medida de segurança é renovada.

“Falta uma equipe técnica adequada para acompanhar os doentes. Os internos não têm laborterapia, não têm o tratamento que deveria ter. É basicamente medicamentoso. Outro problema muito sério são os laudos que são feitos pelo Itep (Instituto Técnico-Científico de Polícia), que só tem um psiquiatra para atender a todo o estado. Então ele não consegue se dedicar aos inimputáveis que estão aqui no UPCT o tempo que seria necessário. Então o médico faz um laudo com base numa avaliação superficial, rápida. E como a unidade não tem uma equipe técnica completa, não há subsídios suficientes para que este médico possa trabalhar. É esta falta de pessoal, dessa equipe técnica fazendo este trabalho, que está resultando nesta situação”, observou o magistrado. “E nós também não vemos uma melhoria na saúde destes internos porque o tratamento é simplesmente feito à base de remédio, medicamentoso. Não tem laborterapia, nenhum tipo de terapia, na verdade, que possa conduzi-los de volta ao convívio da sociedade”, acrescentou Baltazar.

E ainda há casos de internos que não deixam a unidade porque não têm para onde ir. É o caso de João Batista Ferreira da Costa, de 48 anos, que é natural de São Gonçalo do Amarante. Faz um ano e meio que ele foi considerado apto para retornar a uma convivência social, mas sem família e sem ninguém que o acolha, ele permanece ocupando um dos alojamentos. João está no UPCT desde 2009. "O crime ele cometeu em 2000, quando derrubou a porta de uma casa, invadiu o imóvel e matou um homem a pauladas. Isso foi em Imperatriz, no Maranhão", contou o juiz.

“Eu já autorizei a liberdade dele. A perícia médica atestou que João não oferece mais perigo para a sociedade. E como a medida de segurança acabou, ele precisa sair da unidade. Ele está oficialmente desinternado desde janeiro de 2014, mas continua encarcerado”, ressaltou o juiz.

De acordo com Juliane de Souza Soares, vice-diretora da UPCT, a estrutura física é atualmente o maior problema da unidade. “Os banheiros são horríveis, assim como o alojamento dos agentes, que precisa de uma reforma”, afirmou. No banheiro masculino, o espaço de um dos vasos sanitários virou depósito para ferramentas e material de limpeza. No feminino, duas das três pias não têm torneiras. Já no alojamento, as paredes carecem de pintura, os beliches são velhos e os colchões estão mofados. “E ainda tem um problema sério que é a falta d’água, que é constante”, frisou Juliane. “Quando falta, é um transtorno. E quando tem, também é um problema. Se abrirmos as torneiras para a água subir para os corredores dos alojamentos, tem um sumidouro aqui que começa a feder e ninguém aguenta o mau cheiro”, acrescentou.

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