RIO - O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) disponibilizou em seu banco de dados na internet dados que vinha mantendo sob sigilo durante as eleições e que mostram o aumento do número de miseráveis no país em 2013, pela primeira vez em dez anos. Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2013), o instituto calculou que o número de pessoas extremamente pobres passou de 10,081 milhões, em 2012, para 10,452 milhões, em 2013, um acréscimo de 371.158 pessoas entre as pessoas com renda inferior a R$ 70 por mês. A alta de 3,68% no número de miseráveis fez com que o percentual de extremamente pobres passasse de 3,6% para 4%.
Não foi o único instituto que constatou um aumento dos miseráveis no ano passado. Os pesquisadores associados do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) Andrezza Rosalém e Samuel Franco já tinham calculado um aumento do número de miseráveis 6,1% para 6,2% em todo o país no último ano. Os pesquisadores consideram miserável quem tem renda de até R$ 123, um patamar acima daquele usado pelo governo, de R$ 70, em 2013.
A pedido do GLOBO, eles traçaram um perfil do miserável no país e mostraram que a piora do mercado de trabalho já pesou sobre a população mais desfavorecida. A taxa de desemprego dos mais pobres subiu de 25,5%, em 2012, para 30,4%, em 2013. Enquanto 43,8% dos trabalhadores no país são informais, entre os miseráveis essa é a regra: 96% vivem sem proteção social.
A reportagem, publicada em 5 de outubro, mostrou a história de Janecleide Fernandes, de 18 anos, que, diferentemente da mãe, sabe ler e estudou até a quinta série. Isso não impediu a moradia precária no Recife. Ela mora com o filho Leonardo, de 3 anos, numa comunidade quase invisível, fincada em pleno manguezal, entre duas pontes que dão acesso aos bairros do Pina e Boa Viagem, na Zona Sul da capital.
As casas têm tábuas irregulares, que margeiam becos estreitos sobre pedaços velhos de madeira, sem direito a banheiro, água encanada nem ligação oficial de luz elétrica. Para se ter acesso à comunidade, é preciso escalar uma mureta da ponte e subir uma escada enterrada entre a lama e as “ruas” de madeira que dão acesso às palafitas onde moram catadores de sururu, marisco disputado por restaurantes da capital. A casa de Janecleide tem dois pequenos cômodos, não possui latrina. Os moradores carregam baldes d’água tirada de uma mangueira comum.
— Aqui é assim, cada um no seu chiqueiro. Quem tem filho, tem que ter o seu lugar para cuidar dele — diz ela, que trabalha desde os 12 anos de idade e ganha hoje menos de meio salário mínimo por mês para a família.
INFLAÇÃO PESA
A inflação também teve impacto sobre os mais desfavorecidos, segundo o estudo dos pesquisadores. Entre os miseráveis que trabalhavam, o salário caiu de R$ 129,7 para R$ 123,9. Nessa parcela, o orçamento das famílias era composto sobretudo por outras rendas (transferências, como Bolsa Família), e o rendimento no domicílio dividido pelos moradores era de R$ 58,5, em 2013, abaixo dos R$ 62,2, de 2012. O grupo dos 5% de brasileiros mais pobres viu sua renda encolher 11%.
A pesquisadora Sonia Rocha, especialista em desigualdade e pobreza e também do Iets, foi outra que constatara a alta da miséria. Pelos cálculos da economista, houve aumento do percentual de miseráveis de 4,1%, em 2012, para 4,7% (sem o Norte rural), no ano passado, a maior alta desde 2008.
Em outubro, o diretor de políticas sociais do instituto, Herton Araújo, colocou seu cargo à disposição por discordar da decisão do Ipea de não divulgar novas pesquisas enquanto durar o período eleitoral, o que foi minimizado na época pelo presidente, Sergei Soares.
Procurado, o Ipea ainda ainda não informa porque os dados estão no site sem que fossem oficialmente divulgados.
Fonte: O GLOBO
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