segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Reforma política: com propostas de Dilma, sete partidos dominariam a Câmara

Fim da coligação para eleição de deputados e o estabelecimento da cláusula de barreira podem mudar Congresso

POR MARIANA SANCHES E JULIANNA GRANJEIA


Tomemos por exemplo o PMDB. Pelo modelo eleitoral atual, o partido é um dos maiores credores destas eleições. Em 2014, elegeu 66 deputados. Mas, se fossem proibidas as coligações proporcionais ou se fosse instituída a cláusula de barreira para partidos, o PMDB contaria com 102 ou 89 parlamentares, respectivamente. Como é possível? 

Esse caso ilustra a opacidade do sistema político brasileiro. Como o PMDB fez nada menos do que 166 coligações nos estados, os votos recebidos pelo partido acabaram repartidos entre os aliados, engordando a bancada de quem não foi votado e esvaziando a do PMDB, que havia sido escolhido pelo eleitor na urna. 

— Há dois problemas nisso. O primeiro é que a coligação transfere voto sem que o eleitor tenha informação disso. Então a pessoa pode ter votado em um partido da situação, mas, pela composição da coligação estadual, acaba elegendo um deputado de oposição — explica o cientista político Jairo Nicolau, da UFRJ, que prossegue: — O segundo é que o modelo favorece a dispersão dos partidos. Não tenho conhecimento de nenhum outro parlamento no mundo em que haja 28 partidos com cadeiras. Essa fragmentação dificulta aprovação de leis e favorece chantagens e achaques. 

A situação tem grandes chances de mudar no começo do segundo mandato de Dilma Rousseff, porque esse é um dos poucos temas em que tanto partidos da base quanto de oposição tendem a concordar. Estabelecido o fim da coligação, o número de partidos capazes de alcançar o quociente eleitoral e garantir representação na Câmara diminuiria. Mas, mais importante, apenas sete partidos, em vez de dez, teriam bancada superior a 20 deputados, o que facilitaria a composição de maiorias e, em tese, diminuiria a possibilidade de compra de votos. 

Outra maneira de diminuir a fragmentação é instituir a chamada cláusula de barreira, um mecanismo criado pela democracia alemã. Nesse caso, partidos que não obtivessem 5% dos votos válidos em pelo menos nove estados perderiam o direito às suas cadeiras, que seriam redistribuídas aos partidos que superassem esse piso. Em um cálculo simplificado e hipotético, o número de partidos da Câmara eleita seria reduzido a um quarto da quantidade atual. 

— Seria uma mudança draconiana para um sistema que sempre foi tão disperso e estadualizado. Correríamos o risco de provocar subrepresentações regionais — argumenta Jairo Nicolau. 

Para o cientista político Fernando Abrúcio, da Fundação Getulio Vargas, além de demasiado severa, a cláusula de barreira produziria efeitos que poderiam ser atingidos, ao longo do tempo, apenas com o fim da coligação. 

— A tendência é que os partidos comecem a se fundir. Os próprios líderes partidários já estão percebendo isso e se adiantando à reforma, porque já está claro que o sistema atingiu seu limite com tantos partidos — afirma Abrúcio. 

Enfraquecidos após a última eleição, PSB, PPS, Solidariedade e DEM já começaram a discutir fusões. Todos farão oposição ao governo. O PSB elegeu 34 deputados, o Solidariedade, 15, o PPS, 10, e o DEM, 22. 

PSB e PPS discutem uma união entre as duas siglas, que também poderia contar com o Solidariedade para formar um bloco. Já o DEM ainda estuda alternativas e pode se juntar a partidos nanicos. 

— Numa análise preliminar, digo que o resultado da eleição, do jeito que aconteceu, fortalece a tese da fusão diante da necessidade de surgimento de uma nova força política por conta da divisão do país — defendeu nesta semana o deputado Júlio Delgado, da Executiva do PSB; o projeto de fusão do PSB, de acordo com ele, já vinha sendo discutido desde o fim do primeiro turno. 

O segundo grande tema que deve ser abordado em uma proposta de reforma política é o financiamento de campanha. Nesse caso, não há consenso: PT e alguns aliados preferem um financiamento exclusivamente público, enquanto PSDB e demais opositores defendem a manutenção do sistema privado de financiamento — inclusive com empresas —, desde que estabelecido um teto para doações. 

— O Estado já gasta fortunas com eleições, não pode aumentar o gasto. Não vejo razão para que o setor privado não dê dinheiro para campanha, desde que se crie um limite para evitar distorções e impedir que os muito ricos influenciem mais do que os menos ricos — afirmou o filósofo da Universidade de São Paulo José Arthur Giannotti, um dos ideólogos do PSDB. 

O mais provável é que o resultado não contemple inteiramente nem a vontade da oposição nem a da situação. Isso porque, provocado pela Ordem dos Advogados do Brasil, o Supremo Tribunal Federal está julgando se empresas podem ou não doar para campanhas presidenciais. Embora o julgamento esteja suspenso, na contabilidade dos votos dos magistrados o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas já foi considerado inconstitucional. É apenas uma questão de (pouco) tempo para que esse tipo de doação seja proibida. 

CAMPANHAS “FRANCISCANAS” 

Campanhas eleitorais passarão a depender do Fundo Partidário e da boa vontade dos eleitores para se financiar. A aposta de Jairo Nicolau é de que passaremos a ver campanhas “franciscanas”, com recursos muito limitados: 

— Os Estados Unidos proíbem doação de empresas desde 1907. Lá, os partidos se esforçam para dialogar com a sociedade e ganhar não só voto, como dinheiro. Doar para partido é visto como um ato político. Aqui não temos essa cultura política filantrópica, então os partidos terão que se esforçar para dialogar com a sociedade. A esquerda vai ter que voltar a fazer suas festas para arrecadar. A direita vai ter que reviver as quermesses — afirma Nicolau, que também rechaça a ideia de financiamento público exclusivo: — Nenhum país do mundo adotou isso. Tendo a suspeitar de ideias nativas. Se dependerem do Estado também para se financiar, os partidos vão virar as costas para a sociedade. 

Vedete das discussões eleitorais, execrada por Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), a reeleição para o Executivo dificilmente será contemplada em uma possível reforma política. Além de exigir uma emenda constitucional, muito mais difícil de ser aprovada no Congresso do que uma lei ordinária, o tópico não conta com o apoio da maior parte dos governadores, diretamente atingidos pela mudança. Dos 27 governadores eleitos, 16 estão em primeiro mandato e certamente vão querer a chance de ter mais quatro anos para mandar. 

Por outro lado, o cargo de suplente de senador deverá ser extinto. O suplente é o equivalente a vice do parlamentar, mas com frequência é um desconhecido da opinião pública e acaba exercendo a maior parte do mandato, já que é comum que senadores eleitos se licenciem para ser ministros ou secretários de Estado e deixem seu mandato. Apenas na última legislatura, cerca de 20% dos 81 senadores foram compostos por suplentes, políticos que nunca foram escolhidos pelo voto direto do eleitor. 

Fonte: O GLOBO

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