Gerson de Castro
Da Redação Natal
A ação de vândalos ou de grupos decididos a acerto de contas se tornou a maior ameaça às manifestações de rua em Natal. Legítimas na sua essência e em sua concepção, as mobilizações se transformaram, no entanto, em ponto de encontro de baderneiros dispostos a tudo. A legítima expressão da cidadania foi aos poucos sendo substituída pela ação dos inconsequentes, dos que não respeitam nada nem ninguém.
A manifestação desta sexta-feira (19) foi uma lamentável prova desta inversão de valores. Os que querem apenas protestar e exercer o legítimo direito à expressão continuam, sim, sendo maioria. Mas a minoria dos inconsequentes ameaça levar os protestos a um rumo perigoso, atraindo para si o repúdio e a condenação da população.
A caminhada de hoje começou com uma concentração em Mirassol. Um pequeno grupo fechou a marginal, no sentido sul-centro. E logo depois fecharam a pista da BR-101/avenida Senador Salgado Filho no mesmo sentido. Não satisfeitos, alguns manifestantes fecharam a outra pista, no sentido contrário. Bastou isso para gerar o caos que patrulheiros rodoviários federais tentaram administrar.
Pouco antes da invasão da segunda pista, houve uma “plenária” em plena avenida/BR-101. E, num sinal de que a manifestação não caminhava para um desfecho pacífico, alguém chegou a sugerir que seguissem até a clínica do médico Albert Dickson, atual presidente da Câmara Municipal de Natal e a depredassem. A ideia foi abortada e em seu lugar surgiu a proposta de se caminhar até o prédio da Câmara, palco de uma ocupação breve e de fim tumultuado na tarde de quinta-feira.
A Câmara está em recesso, protegida por tapumes e por policiais e por sua guarda legislativa. Por que caminhar até a sede do Legislativo se os manifestantes já haviam conseguido ontem um dos seus objetivos, a suspensão da tramitação do projeto de lei que autoriza a licitação das linhas de transporte coletivo da capital?
Um revide pelo que aconteceu na tarde de quinta-feira? Talvez. Um previsível e lamentável revide.
No caminho da manifestação, ficaram evidentes os desvios e contradições de quem sai às ruas, hipoteticamente, em busca de respeito a seus direitos, mas se esquece ou não quer lembrar que precisa respeitar os direitos dos outros. Jornalistas são xingados e veículos de comunicação acusados de “serem vendidos, comprados” ou coisa parecida.
Diante do shopping Midway Mall uma nova cena de intolerância. Uma bomba junina foi atirada contra um grupo de policiais que cruzara a avenida Hermes da Fonseca depois da passagem dos manifestantes. A ação foi revidada com tiros de bala de borracha. O incidente foi superado, mas houve quem defendesse que cinegrafistas que acompanhavam a cena levassem um tiro no olho. “Somente assim vocês ficarão do nosso lado”, dizia um jovem exaltado.
Quando a manifestação chegou perto da Câmara Municipal, devidamente protegida por policiais, o conflito começou. E logo a multidão foi dispersa por bombas de gás de efeito moral e tiros de borracha. Na dispersão, muitos grupos se formaram e alguns que rumaram para o centro da cidade foram deixando um rastro de destruição.
Uma loja de móveis e decoração no cruzamento da rua Apodi com a avenida Prudente de Morais teve várias portas de vidros quebradas e pelos menos dois móveis foram recuperados pelos policiais que detiveram os baderneiros e evitaram um saque ainda maior. Policiais militares e guardas municipais se juntaram na tentativa de evitar o saque que provocou desespero em um cidadão que tem a loja entre os clientes de seus serviços.
Poucos minutos depois, um ônibus que seguia para a zona norte da cidade foi apedrejado para desespero de um rapaz que trabalha na segurança de uma revendedora de automóveis. O ataque ao ônibus lhe foi relatado pela própria noiva que viajava no ônibus.
Na Avenida Rio Branco, baderneiros saíram quebrando o que conseguiram. Duas agências bancárias tiveram as fachadas destruídas a pedradas. Em frente a uma delas, um carrinho de lanches por pouco não foi usado pelos vândalos para destruir ainda mais a agência. Apelos de populares demoveram o grupo de seu intuito. E aqui cabe a pergunta: destruir agências bancárias porque estão associadas a banqueiros e capitalistas até seria compreensível para quem é movido por um ódio insano e com resquícios ideológicos. Mas, por que investir contra o carrinho de lanches que certamente é o ganha-pão de toda uma família?
No encalço dos vândalos, os policiais militares passaram a promover pelas ruas e avenidas da região central da capital uma verdadeira varredura. Nem mesmo a Central do Cidadão, localizada na avenida Rio Branco, escapou da ação de baderneiros que não resistiam a uma vidraça.
O triste saldo de vandalismo deixado pela manifestação desta sexta-feira suscita uma pergunta que pode ser respondida com uma cena que presenciei. Na avenida Prudente de Morais, um grupo de manifestantes conversava com um policial militar. Ele defendia a tese segundo a qual os vândalos são a maior ameaça às manifestações. “Vocês precisam nos ajudar”, dizia o experiente policial, após relatar a prisão de um adolescente que foi contido depois de usar um poderoso laser contra o helicóptero usado pela PM.
A pergunta que o saldo da manifestação suscita: se as mobilizações são a favor da cidadania e do respeito aos direitos de cidadão que querem saúde, educação, transporte e segurança por que permitir a atuação de vândalos? Por que o uso de máscaras se as manifestações tem o aplauso e a aprovação da absoluta maioria da população brasileira, conforme pesquisas recentes?
Se os organizadores das mobilizações não atentarem para o fato de que precisam separar o joio do trigo, as manifestações estarão ameaçadas de perder o apoio da sociedade. Por que o direito à manifestação não é nem nunca será maior do que direito à integridade física, de ir e vir e à preservação da propriedade privada.
Todos são direitos, previstos numa Democracia, um sistema de governo que pode ser imperfeito mas, como diria Winston Churchill, não encontrou ainda um substituto à altura. Exercer direitos e cumprir deveres são o exercício básico de uma Democracia. Que não pode ser vivida à base de pedras e agressões. A não ser que a revolta popular vire sinônimo de baderna. E certamente não é essa a intenção de quem saiu às ruas para se manifestar e pedir por um País melhor.
Jornal de Fato
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