JOÃO PEDRO PITOMBO
DE SALVADOR
DE SALVADOR
"Pedro Bala, enquanto sobe a ladeira da Montanha, vai pensando que não existe nada melhor no mundo que andar assim, ao azar, nas ruas da Bahia." Se o protagonista de "Capitães da Areia", livro de Jorge Amado publicado em 1937, percorresse a mesma rua oito décadas depois, veria um cenário de casarões demolidos e em ruínas.
Depois das fortes chuvas que atingiram Salvador desde abril, um deslizamento de terra com uma morte nas proximidades do Elevador Lacerda foi o início do processo de demolição de casarões históricos na região.
Em uma semana, 31 casas ou fachadas foram demolidas no centro histórico, sendo nove delas na ladeira da Montanha —ligação entre as partes alta e baixa do centro.
As demolições foram realizadas pela prefeitura com autorização do Iphan, órgão federal responsável pela gestão do patrimônio histórico, sob alegação de risco de novos desabamentos.
Os imóveis são tombados como patrimônio da humanidade pela Unesco desde 1984.
Cerca de 30 famílias deixaram suas casas na região. "Foi uma medida de segurança necessária para proteger as famílias que vivem no entorno e evitar novas tragédias", diz Sílvio Pinheiro, secretário de Urbanismo da gestão ACM Neto (DEM).
Evandro Veiga/ | ||
Obras de demolição embaixo do Elevador Lacerda, em Salvador |
Em nota, o Iphan afirma que as edificações estavam arruinadas e que o que restou das fachadas não possuía mais "valor individual ou de conjunto" que justificasse sua preservação.
Mas promete acionar judicialmente os donos dos imóveis por "danos irreparáveis ao patrimônio histórico".
SEM REVITALIZAÇÃO
Ao largo dos projetos de revitalização do centro histórico em curso desde os anos 1990, a área da ladeira da Montanha vive um de seus períodos mais críticos desde que foi inaugurada, em 1885.
A região viveu seu período áureo até os anos 1960, quando abrigava casarões e bordéis para marinheiros que atracavam no porto.
Desde então, lá resistem somente o que restou do baixo meretrício, além de alguns marmoreiros, sapateiros e artesãos que esculpem orixás em ferro.
No fim do ano passado, parte dos profissionais cujas oficinas ficam nos arcos da ladeira foram orientados a deixar os imóveis para obras do PAC Cidades Históricas. Capitaneado pelo Iphan, o projeto pretende implantar residências artísticas na área.
A expectativa de intervenções na região, aliada às recentes demolições, deu início a uma batalha política que envolve prefeitura, oposição, ativistas e pesquisadores.
Doutor em arquitetura e professor da UFBA (federal da Bahia), Luiz Antonio de Souza classificou como "patéticas" as demolições.
Segundo ele, os imóveis que compõem o acervo arquitetônico histórico de Salvador estão inventariados desde os anos 1970.
"Em 40 anos não se faz nada, mas em 72 horas os tratores foram reunidos para destruição daquela área. É como se a degradação do patrimônio fosse planejada", afirma.
Na Câmara Municipal, vereadores de oposição disseram estranhar a rápida ação para demolição dos imóveis, já que a maior parte das casas foi desocupada após os deslizamentos.
O secretário de Urbanismo alega que a Defesa Civil apontava desde 2010 problemas estruturais nessas casas.
"Não havia mais nada a fazer", afirmou. Segundo a prefeitura, em parte das casas só havia "cascas" das fachadas, sem estrutura interna.
O Iphan destacou que tem realizado o escoramento de edificações e estabilizou 30 imóveis nos últimos dois anos em Salvador. Ainda informou que o centro receberá R$ 142 milhões do PAC.
Procurado, o superintendente do Iphan na Bahia, Carlos Amorim, não atendeu a reportagem.
Fonte: Folha de São Paulo
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