do Diário do Nordeste
Vamos, agora, realizar uma viagem em direção ao passado de nossa cidade, quando, nesta, havia espaços reservados às transgressões, como se tal espécie de isolamento livrasse os demais da culpa e do pecado
O tempo é inexorável. Sorrateiro, chega sem avisar deixando em nós, profundas rugas e vincos nos rostos alcançados com passar dos anos. São marcas indeléveis desavergonhadas se instalam, anunciando que a velhice também tem encantos traduzidos pela experiência de vida, dando seu status estabilidade de percurso natural do tempo. As indesejadas rugas acordam cedo, mesmo estejamos dormindo, com a alerta da morte de cada um de nós; não têm a clarividência de ser advertidos pelo Céu, por São Pedro - Guardião da entrada principal, vigia da passagem dos seus entes queridos, mostrando-lhes, com poderosa chave em suas mãos, o lugar destinado de sua saída da vida na terra.
Isso não quer predizer velhice como fim da mocidade, prenúncio do término de vida, mas época emblemática do recinto "Curral das Éguas", onde mancebos despertados pela sexualidade se entregavam ao amor da "Mulher do Fado", mas deleite para conhecer como funciona a "vida noturna" e os salões dançantes do baixo meretrício entregue às libações.
Aqui como lá
O "Salão Bola Preta" do carioca Almada tinha características próprias e idênticas aos salões de dança no Rio de Janeiro, embora com proporções desiguais; mesmo assim, "odaliscas" mais saltitantes se esbaldavam aos sons de instrumentos de percussão, de sons metálicos e sopro (trompete, trombone de vara e saxofone), cuja harmonia ressoava os mais afinados tons com acompanhamento da sanfona (acordeão). Bailarinos, com passos singulares e acrobáticos, arremessavam as "damas da noite" para o alto, com grande destreza e malabarismo, causando aos espectadores espetáculos circense pondo em prática libações em profusão contagiantes, nos copos de vinho.
O salão despertava arrebatadora atenção dos frequentadores, cujos rodopios entre casais traduziam-se no compasso do samba ou qualquer ritmo dançante, verdadeira apoteose infindável entre pares com admirável exuberância entre os mesmos. A música entoada nos diversos tons sonorizava com o menestrel da noite no clarão da luz de combustão de carbureto previamente ligado com antecedência, para iluminar o embalo da orquestra, nos intervalos da mudança dos ritmos e musicas previamente ensaiadas para execução e, deleite dos frequentadores do Curral das Éguas lugar fascinante orgia sem tempo para terminar os momentos de prazer, suspirado por desejos incontidos nos salões dançantes do famoso prostíbulo.
Dos mais longínquos recantos do Ceará, os sertanejos que por aqui nunca vindos ficavam deslumbrados com aquela paisagem cheia de aventuras, efusivos momentos com as "mariposas" que repentinamente os atraia com afagos e, da mais inesperada candidez esquecendo por algumas horas a crueza do torrão natal de agruras e solidão, distante do canto da cauã, bem-te-vi, galo de campina, rouxinol, canários, graúnas, curió, entre outros que embelezam a natureza.
O olho da lei
O "Curral das Éguas", por ser lugar de baixo meretrício era mantido por severas ordens policial, do delegado Rodrigues e Comissário "Chico da Usina" que ajudava na manutenção do respeito às "borboletas noturnas", fazia a vigilância ostensiva do baixo meretrício até alta madrugada quando os parceiros se aproximavam para "forrar" o estômago com panelada ou suculento caldo preparado das vísceras do boi para substituir outro tipo de jantar.
O respeito à ordem pública mantida por delegado Rodrigues, previa de tamanha segurança, para evitar desmandos e arruaças comuns nos ambientes onde impera a prostituição e excessos de bebidas alcoólicas ingeridas muitas vezes às escondidas fora dos horários permitido por ordem da Secretaria de Segurança Pública.
O público
O jocoso é que certos comerciantes, no seu jeito astuto para burlar a lei, colocavam, nos "bules de café", cachaça, para vender nas xícaras de café às escondidas... Bebiam como se fosse café ingerido sem direito a fazer "cara feia", de quem bebe álcool... Sem direito a tira-gosto, servia com rapidez, demonstrando como se estivesse bebendo café... Era verdadeira Lei-seca.
Essa proibição caso desobedecida e se pegado em flagrante, iria parar no xadrez até o dia seguinte, quando era liberado relaxado o flagrante se encarregava de higienizar o local da carceragem onde dormira com os demais infratores.
Espaço emblemático
O Salão Bola Preta do carioca Almada era o mais importante salão de dança do Curral das Éguas. Com coreto de madeira fixado na parede do mesmo, onde comportava 8 (oito) figurantes com instrumentos de "pau e corda" e sopro, abemolando. O som volatilizado com reduzida luz do gás de carbureto se expandia por todo o salão onde "mariposas" saltitantes faziam acrobacias corporais com parceiros metidos a almofadinhas imitavam as "danças carioca" arremessando as "horizontais" para o alto, amparando-as com as mãos na cintura num eterno rebolado de sons e balanceios harmonizados pelos remelexos das cadeiras e quadris, digno de ser apreciado. Outro salão também famoso e mais antigo do baixo meretrício era o "Salão Azul" de propriedade de José Vitalino como era conhecida tal figura. Cidadão de idade avançada, que vivia de alugar ou arrendar prédios no Arraial Moura Brasil, para explorar o ramo de salão dançantes e bar.
Ali também era mais um espaço do lenocínio da cidade de Fortaleza nas décadas de 40, 50 até 1960, quando se iniciou a transferência do mulherio para a praia do Farol, Cais do Porto, Mucuripe, Serviluz, Castelo Encantado e adjacências. O imóvel, adaptado a esses fins, tinha entrada amparada por cabine ou caixa, onde era cobrado o ingresso para ter acesso ao salão quando iniciasse a contradança com a "dama da noite" à espera dos participantes do forró, cujos trajes sumários atraiam os que ali se dirigiam para demonstração dos ritmos, samba, foxtrote, rumba, bolero, samba-canção, valsa e o mais afamado tango- um dos ritmos mais apreciados à época.
FIQUE POR DENTRO
O controle da sexualidade pelo olho social
Michel Foucault, em seu estudo acerca da sexualidade, (História da sexualidade I - ao vontade de saber) ressalta o fato de que, no inicio do século XVII, as práticas sexuais "não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva e, as coisas, sem demasiado disfarce". Mas, com a burguesia vitoriana, a sexualidade, então, passa a ser cuidadosamente encerrada. A família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na seriedade da função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O casal legítimo e procriador dita a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de falar, reservando-se o princípio do segredo. Ao espaço social, como no coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das palavras limpa os discursos. E se o estéril insiste, e se mostra demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá pagar as sansões.
ZENILO ALMADA
COLABORADOR*
*Advogado
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