Ricardo Araújo - repórter
Depois da enchente, a seca. Dois anos após as inundações que devastaram as plantações de jerimum do Vale do Punaú, distrito do município de Rio do Fogo, distante 70 quilômetros de Natal, desta vez é a falta de chuvas que reduz, mais que pela metade, a produção do fruto/legume. Em 2011, o transbordamento do rio Punaú provocou a perda de 80% da safra, estimada em 4 mil toneladas. Este ano, a expectativa é que seja produzido, em 343 hectares plantados, algo em torno de 1/3 do montante colhido no ano passado, que foi de 4,2 mil toneladas.
Magnus Araújo
Na esperança de aumento na oferta de água, os produtores começam a abrir novos canais de irrigação
"Se engana quem imagina que a seca só atinge o sertão do Rio Grande do Norte. A queda na produção de jerimum no Vale do Punaú foi causada pela seca, que prejudicou bastante nossa safra este ano", afirma o presidente da Associação dos Produtores de Jerimum do Vale do Punaú, João Batista Bandeira Gomes. Além da estiagem, pragas como a mosca-branca e o "purgão", dizimam ainda mais as plantações. "Tudo isto reflete na qualidade do produto. E baixa qualidade é baixo preço", relembra João Batista.
No início da colheita, em dezembro de 2012, a unidade do jerimum foi vendida por até R$ 0,25. Tal valor corresponde a uma perda de até 75% do custo cobrado atualmente, que é de R$ 1,00. Ressabiados com os prejuízos acumulados desde as enchentes consecutivas, cuja maior devastação foi registrada em 2011, os 30 produtores inscritos na Associação não contraíram mais empréstimos ou adquiriram máquinas para empregar nas plantações, somente compraram agrotóxicos para combater as pragas comuns na região.
De longe, os pés de jerimum parecem sadios e exuberantes. De perto, porém, é possível visualizar que o fruto/legume cresce travando uma batalha, muitas vezes mortal, com as pragas que o acometem. Somente em uma das áreas plantadas, a fusão da falta de chuvas com a "peste do purgão" provocou a perda de 20 toneladas do que foi plantado no final de 2012. O representante dos produtores, João Batista Bandeira Gomes reclama do descaso do Governo do Estado.
"O governo virou as costas para o produtor rural. Nós não temos nenhum tipo de apoio", afirma. João Batista relembra os problemas herdados da maior enchente do rio Punaú, ocorrida há dois anos, cujas ações para redução dos danos imediatos e prevenção, jamais saíram do papel. "Desde 2011, nada foi resolvido. Os secretários estaduais de Agricultura e Recursos Hídricos estiveram conosco, ouviram nossos pedidos e nada fizeram", lamenta.
Além das reuniões das quais participaram representantes dos produtores e moradores das áreas atingidas pela enchente no Vale do Punaú, os agricultores encaminharam ofícios à governadora Rosalba Ciarlini e ao então secretário estadual de Recursos Hídricos e vice-governador, Robinson Faria. Nos dois documentos, solicitavam a dragagem do rio Punaú. O céu cinzento que, nos períodos de seca é um alento ao produtor rural, é visto com esperança e medo pelos plantadores do vale do Punaú.
A cada chuva, como a que caiu no início da manhã da sexta-feira, 15, no litoral oriental potiguar, os agricultores relembram os dias vividos em janeiro de 2011, quando perderam quase tudo o que plantaram quando o rio transbordou. "Nem mesmo os R$ 12.600,00 prometidos pelo governo, ainda em 2011, para limpeza manual do leito do rio, foi entregue. Não há sinal de melhoria. O governo é omisso", assevera João Batista.
Perdas de produção só aumentaram
De dentro de uma Belina antiga, com algumas modificações que lhe permitem guiá-la, o agricultor Francisco Gomes de Oliveira contemplava a vastidão dos campos produtores de jerimum no Vale do Punaú. Paralítico há mais de 20 anos, após uma infecção medular, ele ficou incapacitado de caminhar e fazer o que mais lhe dava prazer e sustento para sua família: plantar e colher abóboras. Alheio à impossibilidade de se locomover como outrora, a maior preocupação do produtor é o futuro da próxima safra. Após três anos de perdas consecutivas, ele teme investir ou contrair empréstimos e não ter condições de pagá-los.
"Não cheguei nem a plantar esse ano com medo de não colher o suficiente para pagar as despesas. A situação é muito difícil", afirma. Francisco Gomes, relembra que os estragos causados pelas enchentes de 2011 o impediram de quitar um empréstimo contraído em um banco que financia o crédito rural em decorrência da queda da produção do jerimum. Ele comprou um microtrator comumente utilizado em plantações para agilizar a colheita do fruto/legume. Entretanto, os R$ 24 mil divididos em 72 parcelas estão com débitos em aberto e ele não tem previsão de quando irá quitá-los.
Numa situação não tão complexa quanto a de Francisco Gomes, está o produtor Geraldo Batista. Mesmo assim, ele lamenta as perdas de produção que só aumentam desde 2011. Das 150 toneladas de jerimum colhidas nos seus sete hectares de área plantada até 2010, ele estima que a produção este ano chegará à metade do colhido há três anos. "Acho que nem chegaremos a colher 80 toneladas esse ano. Só produzimos bem quando a terra está bem adubada, irrigada. Seca do jeito que está, não tem como. Com a queda da qualidade do preço e da qualidade do produto, perdemos a capacidade de investir na lavoura", explica Geraldo Batista.
Em um dos trechos da sua propriedade, as perdas de produção acumuladas entre novembro e janeiro deste ano chegam a 20 toneladas. Nem mesmo a irrigação, feita através da sucção via bomba da água do rio Punaú, conseguiu reverter a situação da seca do solo. Além disso, os frutos/legumes foram afetados pelo "purgão", uma espécie de fungo que dizima a plantação e impossibilita a venda do jerimum. O que não é possibilitado vender para consumo humano é separado e cedido e/ou vendido a alguns produtores rurais para alimentar porcos e gado.
Assim como o presidente da Associação dos Produtores de Jerimum do Vale do Punaú, João Batista Bandeira Gomes, o agricultor Geraldo Batista reclama do descaso do Governo do Estado com os produtores da região. "Falta incentivo. O Governo até hoje não fez a dragagem do rio Punaú, que muito nos ajudaria", relembra.
Litoral Oriental tem pastos devastados e gado morto
A terra rachada, a vastidão dos pastos secos e o gado morto, sendo consumido pelo chão batido, não são mais cenas exclusivas do sertão potiguar. A seca atinge, de forma voraz, o litoral potiguar. Devastando pastos e matando rebanhos, a falta de chuvas deixa suas marcas nas propriedades rurais que um dia foram reconhecidas pela sua fertilidade e contribuíram para o apogeu econômico do plantio da cana-de-açúcar na região do Vale de Ceará-Mirim, distante 28 quilômetros de Natal.
No distrito de Capela, nas proximidades de Ceará-Mirim, os pastos secos nos quais os gados sucumbem sedentos e famintos, se escondem entre as frondosas árvores que ainda sustentam o verde. Nas comunidades rurais próximas à Lagoa do Jenipapo e ao Riacho da Goiabeira, é possível certificar-se que a falta de chuvas já é uma dura, e não menos cruel, realidade que ao longo do último ano atingiu a maior parte dos municípios potiguares mais afastados do litoral oriental.
Num raio de aproximadamente 50 metros de extensão, pelo menos 12 ossadas de vacas, bois e bezerros jaziam, expondo o modo como o qual não suportaram a fusão da fome com a sede e caíram. O mais intrigante era que, a poucos metros dali, o Riacho da Goiabeira ofertava água límpida. Entretanto, por estar dentro de uma propriedade privada pertencente à Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), cuja pastagem de rebanhos é proibida, o gado não pode saciar a sede.
O dono do rebanho foi procurado para comentar os efeitos da seca em sua propriedade e quantos animais já haviam morrido. Não foi localizado, porém. De acordo com José Roberto Basílio, morador da região, além das mortes de animais de grande porte, os peixes que habitam as lagoas próximas ao distrito de Capela também estão morrendo em decorrência da seca prolongada. "A lagoa secou bastante já. A gente atravessa de um lado a outro sem a água bater no joelho hoje em dia. E a gente também vê muitos peixes mortos", afirma.
Além disso, o morador diz que o acesso à água potável na região, feita na maioria das granjas e fazendas através de poços artesianos, está diminuindo. "Os poços estão secando. Não tem muita água pois as lagoas estão secando também. O Governo nunca veio aqui ver isso", assevera.
O secretário estadual de Recursos Hídricos, Gilberto Jales, foi procurado, ao longo da tarde da sexta-feira, 15, para comentar a situação da seca nos distritos de Punaú e Capela. Ele, entretanto, não respondeu ou retornou as tentativas de contato telefônico. Do mesmo modo agiu o secretário estadual de Comunicação, Paulo Araújo.
Plantio da cana foi reduzido em quase 30%
Para o presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Norte (Faern), José Vieira, os efeitos da seca no estado potiguar são muito mais profundos. "Além do gado morto, das culturas dizimadas no sertão, o plantio de cana reduziu 30% esse ano, todas as agriculturas não irrigadas sofreram sérias perdas e o semi-árido chegou a praticamente 100% de produção perdida", afirma.
Em contrapartida, ele assevera que o Governo do Estado vem sendo alertado desde o ano passado, com a cobrança de ações intensificadores. Ele lamenta, porém, que tais ações ocorrem de forma muito tímida e não acontecem na velocidade que as necessidades do homem do campo exigem. "É tudo de forma sonolenta, devagar", diz.
Para traçar o retrato fiel do impacto da seca no Rio Grande do Norte ao longo de 2012 e início deste ano, o presidente da Faern irá comandar uma expedição por seis municípios potiguares mais afetados pela estiagem prolongada. Entre os dias 22 e 24 deste mês, as cidades de Lajes, Ipanguaçu, Apodi, Pau dos Ferros, Caicó e Santo Antônio, serão visitadas.
"A "Expedição Retratos da Seca" mostrará a real gravidade. Afinal de contas, o rebanho continua morrendo, a produção de castanha irá cair violentamente, seguido da mandioca", relembra. Como consequência da seca no estado potiguar, um quilo de farinha de mandioca está sendo comercializado a quase R$ 5,00. Até meados do ano passado, a mesma pesagem do produto não passava dos R$ 2,00.
Indagado sobre o montante de recursos investido pelo Governo do Estado em ações de prevenção e redução de danos causados pela seca, José Vieira afirma que ainda não viu nenhum resultado. "Aonde estão as ações? Eu ando o Estado todo e não vejo nenhuma das ações. A reclamação de falta de apoio do governo é geral. O desastre é monstruoso e falta sensibilidade dos governos e da sociedade como um todo, que está distante da realidade do campo. Vale salientar que a renda do produtor caindo", adverte.
Dentre as ações cobradas pela Faern estão a instalação e perfuração de poços artesianos, instalação de dessalinizadores e mais agilidade nos projetos, como a expansão do Programa do Volumoso, que atualmente só atende 3% dos produtores rurais potiguares. Para José Vieira, faltam ações que minimizem o impacto da seca num curto intervalo de tempo.
"Nós estamos numa fase de levantamento do que se deixou de produzir no estado como um todo. Ainda serão construídas mais 2.600 barragens subterrâneas, que são ações estruturantes e iremos aumentar o número de beneficiados com o Programa de Volumoso. O Governo está fazendo a parte que lhe cabe e, nesse momento, é muito fácil culpar o Governo. Nós estamos tentando ajudar os mais afetados e as ações estão começando a se configurar como planejamos", assevera José Simplício, que responde interinamente pela Secretaria Estadual de Agricultura.
TRIBUNA DO NORTE
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