É preciso uma maior vigilância da sociedade para evitar artimanhas beneficiadoras aos gestores corruptos
Heitor Férrer foi um dos deputados que se insurgiram contra a proposta original de emenda à Constituição, mais favorável ainda aos corruptos FOTO: JOSÉ LEOMAR
Como se não bastasse a impunidade hoje reinante para os dilapidadores do patrimônio público, em especial o municipal, por conta da morosidade, letargia, menoscabo da função pública de vários dos agentes do Estado, responsáveis pela salvaguarda dos recursos arrecadados da sociedade para prover os serviços públicos essenciais, está para sair do forno uma grande pizza capaz de satisfazer os instintos nada nobres de administradores municipais e estaduais cearenses, calejados na arte da malversação da coisa pública.
Arrimado em uma emenda à Constituição do Estado, de incomensurável mau gosto, aprovada no apagar das luzes do ano passado e publicada no último dia 5 deste fevereiro, garantindo a prescrição de todas as contas de prefeituras e do Estado, sem julgamento ou parecer dos Tribunais de Contas do Estado e dos Municípios do Ceará, a partir do quinto ano de suas tramitações nessas Cortes de Contas, o TCM, órgão julgador das contas municipais, já trabalha na elaboração das reformas do seu Regimento Interno e da Lei Orgânica da Casa.
Desatentos
Ainda bem que o texto da emenda constitucional aprovada pela Assembleia foi menos imoral do que a proposta original, mas, mesmo assim ela é extremamente danosa à sociedade e amplamente favorável aos administradores desonestos ou desatentos ao cumprimento das leis e o respeito aos princípios da moralidade, da ética e do tratar o patrimônio do povo, exatamente por absolvê-los mesmo sem qualquer exame das prestações de contas de muitas das suspeitíssimas gestões.
À justificativa do projeto de emenda à Constituição aprovada em regime de urgência urgentíssima, inclusive com dispensa dos prazos regimentais exigidos para votações de tais matérias, foi anexado um parecer do conselheiro Pedro Ângelo denominado de "A Prescrição e os Tribunais de Contas", datado de 2001, que teve como "finalidade, apenas submeter o tema ´prescrição nos tribunais de contas´ a uma reflexão mais profunda dos estudiosos".
Indesejado
Por qualquer dos ângulos analisados, as alterações feitas na Constituição Estadual se constituem em um gesto de acumpliciamento com o indesejado. Sendo verdade que nenhum administrador deva ficar indefinidamente sem ter o julgamento de suas contas; também é imperioso se exigir das nossas Cortes de Contas celeridade do seu mister e não permitir que os conselheiros, abusivamente, se arvorem no direito , qualquer deles, de sentar-se em cima de um processo, pelo tempo que lhe aprouver, em alguns casos para atender a amigo ou protegido de terceiros, e chegado aos cinco anos a coisa se tornar prescrita.
Moralizar
Os deputados e a grande maioria dos conselheiros - é triste ainda se constatar tal situação no nosso País -, utilizarão as novas regras para beneficiar antigos cabos eleitorais ou a familiares que continuam comandando prefeituras pelo Ceará afora.
Tivessem os legisladores a intenção de moralizar o controle externo da administração pública, os termos da emenda constitucional seriam outros. As emendas imporiam mecanismos para que todas as contas municipais fossem julgadas, quando muito, um ou dois anos após o termino do mandato do prefeito.
Falar em impossibilidade de isso acontecer, não apenas se nega a capacidade de gerenciamento dos próprios gabinetes de cada um dos integrantes dos tribunais, como também a do próprio Legislativo, a quem as tais Cortes estão vinculadas, posto que elas são instrumento auxiliar do exercício parlamentar de deputados e vereadores.
Os relatórios anuais das atividades das Cortes de Contas, se analisados e questionados com a percuciência devida pelos nossos deputados, com a seriedade reclamada das ações legislativas, abstendo-se cada um dos deputados do corporativismo para beneficiar ex-integrantes da própria Assembleia, hoje considerados magistrados, ajudariam, em muito a esfacelar as quadrilhas ainda existentes, no âmbito municipal, favorecidas, também, pela ineficiência do controle da aplicação dos recursos públicos.
A sociedade civil e todos os demais segmentos da sociedade cearense precisam ficar atentas a essa questão que, em se concretizando, como projetada, não será prejudicial ao Estado apenas pela ampliação da impunidade a criminosos, mas, também pelo precedente que encerra.
EDISON SILVA
EDITOR DE POLÍTICA
Diário do Nordeste
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