Ciro Marques
Repórter de Política
Pela terceira vez em três anos de gestão, as contas anuais do governo Rosalba Ciarlini (DEM) foram aprovadas com ressalvas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). O detalhe é que, neste ano, a aprovação ocorreu de forma mais “apertada” por conta do voto firme do relator, o conselheiro e futuro presidente da Corte, Carlos Thompson. Ele, que votou pela desaprovação, afirmou que a governadora superestimou várias fontes receitas, não cobrou os mais de R$ 5 bilhões de Dívidas Ativas e, ainda, abriu R$ 1 bilhão em créditos suplementares sem a devida autorização da Assembleia Legislativa. E isso, segundo Thompson, significaria crime de responsabilidade e improbidade administrativa por parte da chefe do Executivo Estadual.
“Restou demonstrada, ainda, a abertura de créditos adicionais suplementares e créditos adicionais especiais sem autorização legislativa, correspondente, respectivamente, a R$ 483.204.066,07 e R$ 614.525.000,00, totalizando, portanto, R$ 1.097.729.066,07 de créditos adicionais abertos. Tal prática incorre no crime de dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei, tipificado no art. 315, do Código Penal. Também constitui ato de improbidade administrativa influir, de qualquer forma, para a aplicação irregular de verba pública”, afirmou o conselheiro Carlos Thompson, em seu voto como relator das contas de 2013, acrescentando que a conduta também é tipificada como “crime de responsabilidade contra a lei orçamentária”.
“Verifica-se que o art. 42, da Lei nº 4.320/1964, e o art. 167, V e VII, da Constituição Federal, foram infringidos, uma vez que foram abertos créditos adicionais suplementares e especiais sem autorização legislativa, o que também implica utilização de créditos ilimitados”, afirmou o conselheiro, que, mesmo tendo recebido as explicações da governadora para tais medidas, manteve esse entendimento.
“Na conclusão do Relatório Anual preliminar, é possível observar no corpo deste o enquadramento da conduta ilícita, em tese, no crime comum do art. 359-D do Código Penal (incluído pelo art. 2º, da Lei nº 10.028/2000) e nos atos de improbidade administrativa do art. 10, IX e XI, da Lei nº 8.429/1992. Outrossim, o ilícito também pode ser tipificado como crime de responsabilidade contra a lei orçamentária no art. 10, item 6, da Lei n 1.079/1950 (incluído pelo art. 3º, da Lei nº 10.028/2000)”, confirmou.
Diante disso, Carlos Thompson votou “no sentido de que este Tribunal emita Parecer Prévio, nos termos da Proposta apresentada por este Conselheiro Relator, pela reprovação das Contas Anuais de sua excelência a governadora do Estado do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini Rosado, relativas ao exercício de 2013, nos termos do art. 59, § 4º, da Lei Complementar Estadual nº 464/2012, combinado com o disposto no art. 237 do Regimento Interno deste Tribunal (Resolução nº 009/2012-TCE), submetendo-o à deliberação da Augusta Assembleia Legislativa deste Estado, com as recomendações alhures arroladas”.
CRÉDITO SUPLEMENTAR
Ao votar pela desaprovação das contas de Rosalba, o conselheiro Carlos Thompson usou como principal argumento a abertura de créditos suplementares e adicionais, que terminaram por demonstrar a falta de planejamento do atual governo. “Por serem falhas que se repetem há algum tempo, merecem maior atenção por parte do órgão fiscalizado, a fim de que sejam eliminadas ou mitigadas quando da elaboração dos próximos orçamentos, tornando os valores previstos mais próximos dos realizados, assim como afastando oscilações expressivas e não justificadas de um exercício para o outro e, ainda, com observância das exigências legais”, acrescentou o conselheiro.
E o curioso é que, durante o ano, quando o Governo Rosalba afirmava estar em grave crise financeira e, pouco depois, publicava no Diário Oficial do Estado o remanejamento de recursos por conta de excesso de arrecadação, muitos apontavam, aí, a falta de coerência da gestão. Como pode ter falta de dinheiro para pagar em dias os salários e repassar o valor integral do duodécimo, mas apontava excesso de arrecadação? No voto, Carlos Thompson acabou por desmistificar um pouco essa situação.
Segundo ele, apesar de apontados como excesso de arrecadação, os créditos suplementares foram abertos, em muitos casos, por “vetos ao projeto da LOA (Lei Orçamentária Anual) e a operações de crédito”. Ou seja: foram resultantes dos vários empréstimos feitos durante a gestão Rosalba Ciarlini e, também, da suspensão de alguns projetos previstos no Orçamento-Geral do Estado 2013, aprovado pela Assembleia Legislativa.
Relator afirma que Governo cobrou Dívida Ativa de forma “pífia”
Se abriu créditos suplementares justificando um excesso de arrecadação que não existiu tanto assim, o Governo do Estado acabou por confirmar que, realmente, enfrentou uma grave crise financeira. Diante disso, acaba por se destacar ainda mais o fato de que, mesmo diante da falta de dinheiro, a gestão Rosalba Ciarlini não cobrou, de forma firme, a Dívida Ativa do Estado, que poderia viabilizar a entrada de mais de R$ 5 bilhões na receita estadual.
“Importante ressaltar a pífia cobrança da Dívida Ativa no exercício de 2013, apesar da recomendação constante no parecer prévio relativo às contas de 2012, no sentido de se conferir um melhor controle do respectivo crédito. Do saldo da Dívida Ativa do exercício de 2012, apenas 0,26%, o que representa R$ 14.899.085,43, foi efetivamente recebido. Constatou-se que a Dívida Ativa é o valor mais representativo na composição do Ativo Não Financeiro (64,41% do total), seguido pelo Imobilizado (27,22%)”, analisou Carlos Thompson.
Segundo o conselheiro, dos créditos exigíveis como Dívida Ativa, da ordem de R$ 5,7 bilhões, apenas R$ 14,8 milhões foram recuperados, enquanto R$ 1,1 bilhão foi cancelado. “Constatou-se no Balanço Geral do Estado, mais especificamente quanto à Demonstração das Variações Patrimoniais, omissão quanto à contabilização de inscrições de Dívida Ativa no exercício de 2013, apesar de a Procuradoria Geral do Estado, por meio do Ofício nº 044/2014-GPGE, ter informado que foram inscritos R$ 563.580.731,72 (quinhentos e sessenta e três milhões, quinhentos e oitenta mil, setecentos e trinta e um reais, e setenta e dois centavos), que devem ser doravante contabilizados”, ressaltou.
Apesar disso, segundo o conselheiro, “o relatório do Balanço Geral do Estado não ter evidenciado qualquer motivação devidamente comprovada, seja para a não contabilização de inscrições de Dívida Ativa durante todo o exercício de 2013, seja pelo ‘perdão’ da dívida, da ordem de R$ 1.165.683.509,20 (um bilhão, cento e sessenta e cinco milhões, seiscentos e oitenta e três mil quinhentos e nove reais e vinte centavos), que não decorreu do efetivo recebimento de importes financeiros”.
Precisando de R$ 1 bilhão a mais só para pagar em dia o funcionalismo público, conforme apontou a equipe de transição do futuro governador, Robinson Faria (PSD) já afirmou, em entrevistas, que vai cobrar a Dívida Ativa do Estado.
FALTA DE PLANEJAMENTO
Ao observar as contas do Governo do Estado, Carlos Thompson afirmou também que é possível apontar “receita orçamentária arrecadada alcançou o patamar de 89,03% do valor previsto, em função, principalmente, da superestimação das receitas de capital”. “Em relação à receita de contribuições, importa registrar a ausência de um padrão nos excessos historicamente apurados. As variações de um ano para outro são significativas: em 2012 foi da ordem de 19,67% da receita prevista, enquanto em 2013 o excesso correspondeu a 12,47%”, acrescentou Thompson.
E não foi só. Carlos Thompson também afirmou que o Estado não está sabendo quanto é possível arrecadar quando se fala de receita patrimonial. “Constatou-se que a receita patrimonial apresenta o nível mais baixo de eficiência no processo de previsão, cuja arrecadação correspondeu a 211,92% do valor previsto. Destaca-se a inexecução completa das receitas de concessões e permissões. Esse fato é indicativo de uma gestão inadequada do patrimônio estadual, uma vez que não está havendo, por parte do Poder Público, a mensuração correta do quantum é possível arrecadar a título de receita patrimonial dos seus bens móveis e imóveis”, criticou.
“No que se refere às Receitas de Capital, ficou evidente a reiteração da superestimativa dessa categoria econômica de receita. Esse descompasso entre as Receitas de Capital previstas e arrecadadas repercute diretamente na realização das despesas, pois o aprimoramento do processo de planejamento deve observar maior compatibilidade entre o autorizado na Lei Orçamentária Anual e o executado ao final do exercício. A conduta do Poder Executivo, de elaborar um orçamento anual sem observar critérios e padrões que compatibilizem as Receitas de Capital previstas e o resultado da arrecadação efetiva, gera uma desconformidade que repercute diretamente na realização das despesas pelo ente federativo, sem a correspondente capacidade financeira, violando, assim, o Princípio Fundamental da Prudência”, acrescentou Thompson.
Contas de Rosalba são aprovadas pela terceira vez com ressalvas
Ter as contas aprovadas com ressalvas pela gestão Rosalba Ciarlini não chega a ser uma novidade. Desde o primeiro ano de gestão que a governadora não conseguiu passar “tranquila” pelo Tribunal de Contas do Estado. Em 2011 e 2012, ela teve as contas aprovadas com ressalvas, pelos baixos investimentos feitos na área da saúde em detrimento aos gastos elevados com diárias e publicidade.
Além disso, as ressalvas desses dois anos anteriores foram consequência da “inclusão das despesas com inativos nos gastos com a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) é tema dos Relatórios que analisaram as Contas Anuais do Governo do Estado. Têm sido feitas diversas recomendações no sentido de corrigir tal irregularidade”. “Mais uma vez o Estado computa as despesas com inativos da Educação para fins de cumprimento do percentual mínimo estabelecido pelo art. 212, da CF, sem que as recomendações emanadas da Corte de Contas potiguar tenham acarretado a eliminação de tal prática”, citou Carlos Thompson, ao declarar seu voto de relator neste ano.
A soma de irregularidades antigas com as novas fez a aprovação ser mais apertada agora. Depois de mais de 5 horas de deliberação, Rosalba escapou de ter as contas rejeitadas graças aos votos favoráveis dos conselheiros Poti Júnior, Tarcísio Costa e Adélia Sales. Carlos Thompson e Renato Dias votaram pela reprovação das contas anuais da governadora Rosalba Ciarlini.
Agora, aprovadas pelo TCE, as contas de Rosalba Ciarlini vão para análise da Assembleia Legislativa que pode confirmar a regularidade delas ou votar pela desaprovação (para isso, precisará de dois terços da Casa).
TCE E ROSALBA
E, destaca-se também, a prestação de contas da governadora não é a única dor de cabeça que Rosalba enfrenta por conta do Tribunal de Contas do Estado. O TCE e o Ministério Público de Contas têm apontado uma série de problemas e indícios de irregularidades nas contas públicas.
Em dezembro, por exemplo, o corpo técnico do TCE deve apresentar o relatório da inspeção extraordinária feita na folha de pagamento do Estado, com o objetivo de apontar irregularidades e analisar os motivos que levaram Rosalba Ciarlini a atrasar, por mais de um ano, o pagamento dos servidores públicos.
CRIME DE RESPONSABILIDADE
É bem verdade, entretanto, que o TCE e o MPC não são os únicos órgãos de controle que dão dor de cabeça a governadora. O Ministério Público do RN, por meio de seu procurador-geral de Justiça, Rinaldo Reis, ingressou com quatro ações por improbidade administrativa neste ano contra a atual administração estadual. Em uma deles, inclusive, pede-se o afastamento de Rosalba Ciarlini pelo crime de responsabilidade, motivado pelo corte indevido do duodécimo dos poderes estaduais, MPRN e TCE, o que é um desrespeito a Lei Orçamentária Anual.
“É inegável que a ilegalidade de que se valeu a governadora se reveste de acentuada gravidade no ordenamento jurídico brasileiro, podendo implicar até mesmo no impedimento do governante, dado o grau de reprovação jurídica dessa conduta”, apontou Rinaldo Reis, na época, citando, depois, que “São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária”.
Fonte: O Jornal de Hoje
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