terça-feira, 25 de setembro de 2012

CRISE NA SAÚDE

Pacientes do interior são maioria à espera de cirurgias.
Há vidas por trás dos números

Isaac Lira - Repórter

Os hospitais conveniados ao SUS voltaram ontem a realizar cirurgias ortopédicas. E terão muito trabalho pela frente. Após vários dias de paralisação, a fila formada em hospitais como o Walfredo Gurgel é longa e conta com pacientes internados no corredor há meses. Segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde, o pagamento foi feito na última sexta-feira e o Hospital Memorial já voltou ao atendimento. O Hospital Médico-cirúrgico espera a confirmação do pagamento para retornar às atividades, segundo informações da administração. Cinco pacientes foram transferidos para o Memorial no último domingo e havia a previsão de transferir mais um ontem.


Até a tarde de ontem havia 76 pessoas no corredor do Hospital Walfredo Gurgel à espera de cirurgia ortopédica. O número já foi maior, de mais de 90 pessoas, e vem diminuindo após a retomada das atividades do Hospital Deoclécio Marques, de Parnamirim, e deve cair mais ainda por conta do retorno dos dois hospitais conveniados. Do total, 46 são vindos de cidades do interior do Estado, como Guamaré, Tangará e João Câmara. Há casos de pessoas que esperam atendimento há mais de dois meses. Paulo Laurentino da Silva é um dos mais antigos no corredor do Hospital. Está lá há dois meses e não recebeu ainda uma previsão de quando terá o seu problema resolvido.

A espera nos corredores do Hospital Walfredo Gurgel ocorre, nos casos das cirurgias ortopédicas, por conta da sistemática de transferências. O Hospital recebe o paciente, faz o primeiro atendimento e transfere para a rede conveniada. Como os hospitais privados pararam de atender - motivados pela inadimplência da Prefeitura de Natal - os pacientes com pernas, braços e outras partes do corpo fraturadas ficaram no corredor até que o problema fosse resolvido.

Todo este sistema passa desapercebido por quem passa semanas e meses mal alojado em uma maca no corredor. Paulo Laurentino da Silva, por exemplo, não tem conhecimento das pendências burocráticas da Prefeitura e/ou do Governo do Estado. O que ele fala, e muito, é que não aguenta passar mais nem um dia no Hospital. Já passou 62. "A única coisa que eu escuto aqui é que preciso esperar. Mas eu não tenho como esperar. Meus filhos estão em casa e nem para a escola estão indo", diz Paulo Laurentino.

Laurentino foi atropelado em julho, ao tentar atravessar a BR-101 em São José do Mipibu. Quebrou a bacia e clavícula. Trata-se de uma rede de descasos: a duplicação da BR-101 não incluiu uma passarela para quem quer ir de uma parte a outra de São José do Mipibu. Atropelamentos são constantes, com a necessidade de passar a pé as quatro vias da BR. Atropelado nestas circunstâncias, Paulo Laurentino foi enviado ao Hospital Walfredo Gurgel, onde mais uma vez o poder público falhou na missão de oferecer serviços de qualidade para os cidadãos. "Já são dois meses sem trabalhar, com meus filhos jogados, é realmente muito revoltante", diz o paciente. Na parede, um salmo resume a sensação de Laurentino: "Você não foi criado para viver assim. Deus o criou para ser livre".

Atualmente, o corredor do Hospital está repleto de histórias parecidas (veja quadro). A presença de qualquer equipe de reportagem por lá é suficiente para aguçar os pacientes, ansiosos por reclamar do tratamento recebido. A volta do atendimento nos hospitais conveniados é a esperança de conseguir sair da situação difícil em que se encontram.

Visita

A técnica do Ministério da Saúde, Alzira de Oliveira Jorge, chega hoje ao Rio Grande do Norte para tratar dos recentes problemas vividos no sistema de saúde do RN. Haverá reuniões com entidades e com a Secretaria Estadual de Saúde. Segundo o secretário Isau Gerino, uma audiência com a prefeita Micarla de Sousa deve ser solicitada pela técnica do MS. "Iremos tratar das questões que tivemos aqui nos últimos dias, inclusive abordando as questões do Município, do compromisso do Município", disse Isau Gerino.

Amanhã, funcionários decidem greve

Os funcionários terceirizados que prestam serviços aos hospitais do Estado decidem amanhã se entram em greve. A categoria reivindica uma reposição salarial de 10%, que deveria ter sido paga em janeiro, bem como o pagamento do vale alimentação, férias atrasadas e outros benefícios. São 800 funcionários da empresa Safe que trabalham na higienização, cozinha, lavanderia,entre outras atividades de apoio de hospitais como o Walfredo Gurgel, Santa Catarina, João Machado, Ruy Pereira, Laboratório Central, CRI, Giselda Trigueiro, entre outros.

De acordo com o assessor jurídico do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem, Técnicos, Duchistas, Massagistas e Empregados em Hospitais e Casas de Saúde do estado (Sipern), Haroldo Menezes, a Secretaria Estadual de Saúde enviou uma proposta para a categoria. A promessa é de quitar os valores da reposição até o dia 30 de outubro. Não foi incluso o vale-alimentação e outros benefícios. "Vamos levar a proposta para a categoria e ela irá decidir acerca de uma possível greve", disse Haroldo.

STF se pronuncia contrário a terceirizações

A terceirização do SUS causa discussões jurídicas em todo o país há anos. A mais recente se deu no Supremo Tribunal Federal. Na última quarta-feira, a Segunda Turma do STF negou, por unanimidade, um recurso do município do Rio de Janeiro contra ação movida pelo Sindicato dos Médicos carioca que exige o fim da terceirização na saúde. A prefeitura já havia sido derrotada outras duas vezes.

A Segunda Turma acompanhou o voto de Cezar Peluso, dado em agosto, antes de o ministro se aposentar. Ele concordou com decisão anterior, que dizia que os cargos inerentes aos serviços de saúde, prestados dentro de órgãos públicos, por ter a característica de permanência e de caráter previsível, devem ser atribuídos a servidores admitidos por concurso público.

Outras ações, de cunho semelhante, estão no Supremo, inclusive a que irá julgar se a contratação de organizações sociais para gerir unidades públicas de saúde é constitucional.

Memória

As terceirizações na área da saúde modificam o cotidiano dos hospitais estaduais e unidades de saúde do Município de Natal. Como a TRIBUNA DO NORTE mostrou no último domingo, o poder público vem aumentando a participação da iniciativa privada no SUS, como é o caso da contratação das cooperativas médicas, sendo que boa parte dos serviços depende destes contratos para funcionarem. Da mesma forma, as secretarias de saúde transferem o atendimento de várias especialidades para hospitais da rede privada, como acontece com a ortopedia.

Ao mesmo tempo em que requisita estes serviços, o poder público não honra com os pagamentos fixados em contrato. O caso mais recente é o das cirurgias de ortopedia, as quais acontecem no Hospital Memorial e no Médico-cirúrgico. Após deixar de pagar as faturas por meses, o Município de Natal viu o serviço entrar em colapso. As filas nos hospitais Walfredo Gurgel e Santa Catarina cresceram, por conta da falta de atendimento. No fim de semana, após o pagamento, o Memorial e o Médico-cirúrgico voltaram a receber pacientes. Mas a fila permanece longa.

*TRIBUNA DO NORTE

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