Sara Vasconcelos - repórter
Um olhar sobre "o lugar onde vivo". Esse foi o ponto de partida, que junto com muita dedicação, empenho de professores de língua portuguesa e horas de (muita e boa) leitura permitiram a dois estudantes potiguares da rede pública - Taiana Cardoso Novais, de 17 anos, e Henrique Douglas de Oliveira, de 12 anos - desenvolverem o pensamento crítico e a lírica necessários para vencerem a terceira edição da Olimpíada de Língua Portuguesa. Os alunos retornaram ontem da solenidade de premiação, realizada em Brasília. Além das medalhas mostradas com orgulho, trazem na bagagem a prova de como a leitura pode mudar histórias.
Os textos falam do cotidiano e fazem a crítica social do espaço em que estão inseridos. Henrique Oliveira é estudante do 6º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Ariamiro Germano da Silveira, em José da Penha, no Alto Oeste, cidade distante 416 quilômetros de Natal. É de lá que brotam os versos do poema "Ô de casa?!", de autoria de Henrique e vencedor na categoria poema. O tema faz alusão à chuva, "visita que não veio esse ano" - explica o menino, e foi construído por meio de oficinas ministradas pela professora Simone Bispo, a partir de março. "Meu poema fala da vida de vaqueiro do meu pai, que faz gibão e chapéu de couro, do sítio Gerimum, escrito com G mesmo, onde moro na zona rural e da dificuldade que a gente enfrenta quando a chuva não vem, como esse ano", explica o adolescente. Mais novo de sete irmãos, a mãe Maria Odaleia de Oliveira, lembra que sempre foi bom aluno.
O estudante recebeu um computador e uma impressora. A premiação se estende à escola de apenas 125 alunos e cinco salas de aula, incrustada no sertão. Toda escola vencedora, ganha laboratório de informática com dez computadores, impressora, projetor, telão, além de livros para a biblioteca - que será criada na escola que Henrique estuda.
O modelo da OLP é bianual, com mobilização e premiação de escolas, professores e alunos em anos pares, e intercalados com anos de formação presencial de professores, com cursos de qualificação na área de leitura e produção de texto. A participação depende do interesse dos professores de língua portuguesa em inscrever, receber a qualificação e formar oficinas de leitura e produção de texto. "É uma sequência didática", lembra a professora Simone Bispo. "Há o compromisso em melhorar a competência de leitores, minimizar essa fragilidade que é mais latente nas escolas públicas", observa.
Com "Natal: noiva do Sol, amante da prostituição", publicado na Tribuna do Norte de quinta-feira, a aluna Taiana Novais do 3ª ano da Escola Estadual Professor José Fernandes Machado, foi uma das vencedoras na modalidade Artigo de opinião. A estudante, que lê em média 40 livros por ano, já havia se classificado em segundo lugar, na OLP 2010. "Espero conseguir despertar as pessoas para mudar a banalidade como veem o turismo sexual em Natal", disse a moradora de Ponta Negra.
POEMA VENCEDOR
"Ô de casa?!
Ê, Ê, Ê... Morena
Ô, Ô, Ô... Machada
Ê, Ê, Ê... Grauno
Ô, Ô, Ô... Pelada.
O vaqueiro solta a voz
No oco do mundo,
Com seu aboio triste
Em poucos segundos,
Encanta gente e gado
"Eita" aboio profundo!
Chapéu de couro e gibão
Luvas e peitoral,
Perneiras e sandálias
Tudo artesanal,
Ofício de meu pai
Vaqueiro magistral.
O sertanejo anseia
Uma visita em nossa terra,
Faz as honras da casa
E ansioso espera,
São José intercede
E o povo por ela reza.
Quando a visita chega
Molha o tapete vermelho,
Desbota ele todo
O caminho é só lameiro,
Pra nós é festa
É festa "pros violeiro".
Eles cantam e encantam
Aqui no nosso recanto,
Em noite de cantoria
Improvisam com seu canto,
É coisa da nossa gente
Aqui do nosso canto.
Sítio Gerimum
Este é o meu lugar,
Pedaço de chão resistente
Como o povo que aqui está,
Que semeia coragem
E faz a esperança brotar.
Meu Gerimum é com "G"
Você pode ter estranhado,
Gerimum em abundância
Aqui era plantado,
E com a letra "G"
Meu lugar foi registrado.
Este ano a visita
Raramente se aconchegou,
Sua ausência causou tristeza
E o nosso sertão chorou,
Nem as lágrimas derramadas
O chão seco molhou.
O tempo parece mudado
Mudou o verde do capim,
A brisa está mais quente
Não faz um carinho assim,
Até os passarinhos
Voaram pra longe de mim.
Espero que os bons ventos
Fluam em nossa cidade,
Visitem José da Penha
Sem nos deixar saudade,
Tragam-nos boa nova
Espalhando prosperidade.
Enquanto espero a visita
Você pode entrar,
Também é meu convidado
Pode se aproximar,
Nossa essência permanece
Sinta... Está no ar!"
Tribuna do Norte
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