segunda-feira, 22 de abril de 2013

Mesmo com royalties, moradores de Macau e Guamaré vivem na miséria

Cidades
A miséria da riqueza de Macau e Guamaré
Ricardo Araújo - Repórter

A TRIBUNA DO NORTE foi conhecer detalhes do cotidiano das cidades de Guamaré e Macau que gastaram, nos últimos quatro anos, cerca de R$ 13 milhões em festas e shows. Os municípios estão entre os mais ricos do Estado, mas essas riquezas não são revertidas em melhoria da qualidade de vida de toda população. Muitos vivem em situação de miséria, sem nenhuma infraestrutura ou acessos a serviços de educação e saúde.

 
Magnus Nascimento
Escola Municipal Francisca Freire, em Guamaré, é o reflexo da falta de investimento em educação
 
 A Macau e a Guamaré onde nem o “pão e circo” chega

Nua e descalça, a pequena Beatriz saciava a fome com um pedaço de “chapéu de couro”, iguaria conhecida nas regiões mais pobres do Nordeste, feita a partir de uma mistura de farinha de trigo, açúcar, ovo e água, frita em fogo brando. No casebre de papelão, o qual divide com a mãe, o pai e mais três irmãos, o fogão era uma lata de tinta velha, alimentado por cinzas de carvão. Distante quarenta quilômetros dali, Carla tratava tainha, numa pia na qual moscas, escamas e água suja se misturavam. Mas a felicidade em ter o que oferecer aos filhos, ao marido e a si própria, após um dia de sorte na pescaria, ofuscava qualquer detalhe. Moradoras de Macau e Guamaré, respectivamente, cidades que somente em 2012 faturaram R$ 64,8 milhões em royalties oriundos da exploração de petróleo, elas parecem habitar um mundo paralelo, no qual a única riqueza é a miséria.

Não fosse o contexto no qual estão inseridas Beatriz e Carla, suas histórias seriam mais duas dentre milhares de brasileiros que vivem na miséria. Elas moram, porém, em municípios potiguares que gastaram, juntos, R$ 13 milhões em festas, conforme detalhado pelo Ministério Público Estadual através da Operação Máscara Negra, que investiga um complexo esquema de utilização de dinheiro público para a contratação de bandas e artistas locais e nacionais, a preços superfaturados. Em cidades nas quais o dinheiro não é problema, situações como estas acima descritas são inimagináveis. Macau aparece em quinto lugar na listagem dos municípios potiguares com a maior participação industrial e Guamaré como o quarto maior contribuinte no somatório das riquezas produzidas no estado potiguar.
“O caso de Guamaré é clássico. É a maldição da abundância de recursos nos dois municípios. Parece uma sina. Os gestores não se preocupam com uma qualificada destinação dos royalties para as áreas da Educação, Saúde e Infraestrutura”, analisa o chefe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no Rio Grande do Norte (IBGE/RN), Aldemir Freire. Das 94 cidades potiguares que receberam royalties da Petrobras em março passado, Guamaré e Macau despontam na lista das cinco maiores recebedoras. Entretanto, os investimentos na infraestrutura urbana e no desenvolvimento social destes municípios, aparentam ser inversamente proporcionais ao volume arrecadado.

Analfabeta, Carla Edilza Simão não consegue um emprego formal. “Eu quero trabalhar, mas não tem emprego. O jeito é ir pescar, tirar búzios, fazer faxina na casa de família. É uma luta, meu filho, que só a gente sabe”, relata. Moradora do Morro das Salinas, no subúrbio de Guamaré, ela talvez não saiba o que significa Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma das riquezas de um município ou país. Caso toda a riqueza produzida em Guamaré no ano de 2010 fosse igualitariamente dividida pelos 12.404 habitantes da cidade, Carla Edilza seria uma das que receberia R$ 96.358,67 como sua parcela do PIB per capita. Entretanto, a ela restam R$ 400 do Bolsa Família e cinco filhos para alimentar e vestir. 
 
   

Falta infraestrutura

A família de Beatriz divide uma casa de taipa na Comunidade do Maruim, em Macau. Não há rua, mas um beco enlameado, sujo e com acúmulo de lixo. O banheiro dela e de todos os outros moradores, é o braço de maré que passa ao lado dos barracos, de onde eles também tiram o sustento através da pescaria de sururu, peixes e búzios. E é esta mesma maré, que em dias de chuva ou lua cheia, alaga as casas. Ratos e baratas passeiam pelo que resta dos móveis sem nenhuma cerimônia. Água potável e energia elétrica chegam às estruturas de barro, plástico, papelão e cipós através de “bicos”, alguns deles clandestinos. O risco de acidentes é iminente.

Situação similar ocorre em Guamaré, cidade que desponta no cenário econômico brasileiro como uma das que mais atrai investimentos em parques eólicos e na mini-refinaria da Petrobras. Entretanto, muitas pessoas dependem exclusivamente do serviço e dos recursos públicos para sobreviver. Há, em Macau e Guamaré, lugares nos quais a política do ‘pão e circo’, nos moldes do imperador romano Otávio Augusto, não alimenta e não alegra.

Personagens

Magnus Nascimento
Francisca Francinilda da Silva, 24 anos, marisqueira

“Eu cheguei em Macau quando tinha cinco anos de idade. Eu moro numa casa com um quarto, uma sala, uma cozinha e um lugar para tomar banho. As necessidades, a gente faz num saco e joga na maré. Sou mãe de três filhos e estou grávida do quarto. Eu cato marisco. Cada quilo é vendido por R$ 7. O máximo que consegui tirar foi 25 quilos num dia. Meu marido é pescador, mas também faz bicos como pedreiro. Tem que se virar, né? Estou grávida de seis meses e ainda não comecei o pré-natal. Não tem médico no PSF aqui perto. Depois do Carnaval, o posto deixou de funcionar por meses. Ainda não tem doutor”.
 
Magnus Nascimento
Carla Edilza Simão, 33 anos, desempregada

“Vontade eu tenho de trabalhar, mas não tem emprego aqui em Guamaré. Sou mãe de cinco filho, só um mora comigo. Meus outros quatro filhos moram com o pai, porque aqui não cabe. Eu não sei ler, mas decorei como assina meu nome. A gente que é pobre, não tem nada resolvido. Meu sonho era ter uma casa para ter meus filhos todos juntos de mim. Eu peço que eles tenham um pouco de paciência. Do bom e do melhor não, mas a comida, eu arranjo. Com fé em Deus, eu vou ter meu filho de volta, quando construir uma casinha maior. Quando chega de manhã, na hora do almoço, eu sinto muita falta deles. Falar nos meus filhos me dá um aperto no coração”.
 
TRIBUNA DO NORTE



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