quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Seca tira produtor do Vale do Açu

 Andrielle Mendes - Repórter

O agravamento da seca e as limitações no Perímetro Irrigado do Baixo Açu no Rio Grande do Norte levaram a Agrícola Famosa, maior empresa exportadora de frutas frescas do Brasil e maior produtora de melão do mundo, a transferir 30% de sua produção no RN para o Perímetro Irrigado do Baixo Acaraú, no Ceará. Segundo Luiz Roberto Barcelos, sócio-diretor da Agrícola, com a transferência, entre 300 e 400 famílias foram demitidas, o que equivale a 10% do total de funcionários que a empresa mantinha no RN.

Divulgação
Luiz Roberto: poços salinizados no Vale do Açu e água de qualidade e em abundância no Ceará


Para aumentar a produção no Estado vizinho, a Agrícola investiu, de início, R$ 8 milhões. O valor poderia ter ficado no RN e não considera o investido no custeio das atividades no Ceará. Antes de pensar em transferir parte da produção, a empresa havia investido cerca de R$ 20 milhões em galpões para embalar frutas no RN. "Tive que fazer tudo de novo no Ceará", afirma Barcelos. A área de plantio, na região Oeste, foi reduzida em 23,3%, passando de 3 mil hectares para 2,3 mil. No Ceará, a área cresceu na mesma proporção. 

A empresa, que produz 60 mil toneladas de frutas no Ceará e 120 mil toneladas no Rio Grande do Norte, já admite novas transferências, caso a oferta de água para irrigação no estado não seja ampliada. "O Perímetro Irrigado do Ceará tem água com qualidade e em abundância, por isso acabamos nos deslocando para lá. Este é o primeiro grande problema estrutural do RN: a falta de recursos hídricos suficientes em tempo de seca", justificou o empresário. Os poços da Agrícola no RN ou secaram ou salinizaram, com a seca. 

A Agrícola Famosa, admite o empresário, poderia ter transferido parte da produção para o Perímetro Irrigado do Baixo Açu, na região Central potiguar, concebido para o desenvolvimento da fruticultura irrigada, mas quase 30 anos depois de ter sido implantado - ao menos em parte, menos da metade do projeto inicial foi executado. Dos seis mil hectares que seriam distribuídos entre pequenos agricultores e empresas, apenas três mil foram distribuídos desde a década de 80. 

O Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) e o Governo do estado não realizaram a licitação para escolher as empresas destinadas a iniciar a produção. O projeto prevê a captação de água na barragem Armando Ribeiro para irrigar parte da região, extremamente dependente de chuvas. A TRIBUNA DO NORTE esteve na região na última semana e constatou que alguns dos canais não passam hoje de um amontoado de pedras e buracos repletos de areia e galhos. 

"Vamos aguardar como vai se comportar o inverno. Se for bom, vamos voltar para o RN. Se o inverno for fraco e não houver reposição da água, vamos transferir uma parte ainda maior da produção", afirmou Barcelos. 

A equipe de reportagem tentou entrar em contato com o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Rogério Marinho, mas ele estava em reunião, e não atendeu as ligações. Na última semana, Rogério reuniu-se com outros dois empresários que também decidiram transferir parte da produção para outros estados do Nordeste, por razões diferentes.

Volume exportado cai ao pior nível desde 2002

A transferência de parte da produção da Agrícola Famosa para o Ceará deve impactar ainda mais nas exportações do Rio Grande do Norte, que não anda muito bem neste quesito. O volume exportado pelo Estado no ano passado (379.341.419 quilos) foi o menor desde 2002, quando o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) passou a disponibilizar a série histórica. O RN, que registrou queda de 64,7% no volume exportado no período, seguiu na contramão do país, que registrou alta de 84,2% no volume exportado entre 2002 e 2012. 

Segundo o economista e chefe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no RN, Aldemir Freire, o reflexo direto da retração é a queda na geração de emprego e renda no estado e a redução do ritmo de crescimento. 

"Enfrentamos alguns problemas, principalmente depois de 2007. A crise econômica freou a exportação de melão, nosso carro-chefe; as chuvas reduziram a produção e exportação de banana; e a concorrência chinesa impactou a exportação dos produtos têxteis", esclarece Aldemir. O fato do RN ter reduzido a exportação de petróleo contribuiu para a queda, completa. 

De acordo com o coordenador de Desenvolvimento Comercial da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico (Sedec), Otomar Lopes Cardoso Júnior, a saída do camarão da pauta de exportações potiguar também impactou nos números do RN. "Tirando o petróleo, cuja exportação foi passageira, o item que mais contribuiu para esta queda foi o camarão, que chegou a ser o principal item exportado pelo estado em 2003 e desapareceu da pauta de exportações em 2011", explica Otomar.

O desempenho do estado em 2012 também não foi dos melhores. O RN encerrou o ano exportando 7,10% menos do que exportava em 2011, em termos de valores. O valor exportado no último ano caiu de US$ 281,18 milhões para US$ 261,22 milhões. Quando considerado o volume enviado para o exterior, a queda é ainda mais acentuada (-42,46%). O recuo só não foi maior, porque produtos como atum, camisas masculinas de algodão, e energia - que entrou para a lista dos dez mais exportados pelo RN no ano passado - registraram aumento de até 994,6% nas exportações. Embora a crise na Europa seja a principal causa para a queda na exportação de frutas, problemas na infraestrutura e logística no RN tem interferido no comércio exterior. 

Os produtores de melão, por exemplo, chegam a escoar boa parte da produção do estado pelo porto de Pecém, no Ceará. O frete onera o produto final, mas ainda assim compensa. O volume escoado pelo Porto de Natal até subiu, afirma Francisco de Paula Segundo, fruticultor e presidente do Comitê Executivo de Fitossanidade (Coex) do RN, que reúne fruticultores potiguares e cearenses. Mas ainda há limitações, afirma. O porto de Natal, de acordo com ele, não consegue escoar tudo o que é produzido no estado.

Porto é essencial para impulsionar as exportações 

Uma saída para melhorar o escoamento da produção seria a ampliação do Porto de Natal. A Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern) detalhou em agosto o projeto de ampliação, prometeu para novembro do ano passado o início das obras, mas ainda não concluiu o processo licitatório. Algumas das empresas interessadas entraram com recurso, questionando a experiência técnica das concorrentes, atrasando a licitação. 

A expectativa agora é que o vencedor da licitação seja apresentado no dia 15 de fevereiro. Cinco consórcios e empresas estão no páreo: o consórcio Potiguar, composto pela Construtora Ramalho Moreira Ltda. e A. Gaspar S.A; o consórcio Redram-Aterpa M. Martins; a Serveng Carioca; o consórcio formado pela Marquise e Ivaí e o consórcio Ribeira, formado pela Constran e Constremac - esta última ganhou as licitações do Terminal Pesqueiro de Natal, do Terminal Marítimo de Passageiros e já executou várias obras no Porto de Natal e Terminal Salineiro de Areia Branca. 

A ampliação do porto está orçada em R$ 113,1 milhões e contará com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), do governo federal. A empresa que vencer o processo licitatório terá 20 meses para entregar o novo trecho. 

Apesar do esforço para iniciar a obra que pretende duplicar a capacidade atual do porto ainda no primeiro trimestre de 2013, a companhia já admitiu que a obra não atingirá os efeitos esperados. A falta de proteção dos pilares da Ponte Newton Navarro, justificou Pedro Terceiro de Melo, presidente da Codern, limita a entrada de navios maiores e de navios de todos os portes no período noturno. 

Em visita ao RN no ano passado, o ministro dos Portos, Leônidas Cristino, prometeu ajuda, mas a Codern não tocou mais no assunto. 


TRIBUNA DO NORTE

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