Da Redação
“Que braseiro, que fornalha, nem um pé de plantação. Por falta d’água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão”. A música Asa Branca, composta pelo rei do baião, Luiz Gonzaga, em parceria com Humberto Teixeira, no ano de 1947 ainda é atual para descrever a situação do homem do campo que sofre com a seca prolongada e com a ausência de políticas públicas eficazes no combate aos efeitos da estiagem.
Árvores sem folhas, pastos vazios, animais com fome, fuçando a terra em busca de algo perdido que possam comer. Um cenário triste, complementado pela imagem do sertanejo que tem os olhos sofridos e as mãos calejadas, mas o coração cheio de esperança.
O sr. José Lourenço Neto, 71 anos, é um dos personagens dessa história real. Proprietário do Sítio Pajeú, ele sobrevive da agricultura. Aliás, esse é o ofício que exerce desde que nasceu. “Eu sobrevivo daqui”, afirma. “A planta aqui é milho, sorgo e um pouquinho de feijão. No momento não tem nada, só uns bichinhos escapando como podem”, conta. São 16 cabeças de gado, três animais (entre jumento e cavalos) e 35 ovelhas. “É pouca coisa e para comer é muito”, desabafa. Na esperança de um pasto mais farto, os animais obedecem a voz do dono, mas o que encontram não é muito animador, até os galhos das árvores estão secos e sem folhas.
Para manter os animais, mensalmente José Lourenço vai até a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) pegar milho para ajudar na alimentação da criação, mas a quantidade do milho é pequena, - 11 sacos. Assim, precisa comprar sorgo, que, antes da estiagem, ele mesmo produzia. São duas carroças do produto, por semana, ao preço de R$ 35,00 cada. Na tentativa de melhorar a situação, José Lourenço fez um empréstimo no banco, que adiantou o dinheiro para a compra da ração. Mas a quantia acabou junto com a reforma da cerca.
Até o momento, nenhum animal morreu. “De fome não, graças a Deus”, diz o agricultor. “Porque tendo água, mesmo com dificuldade ajuda”, acrescenta. Como prevenção, no entanto, ele mantém um dos animais preso para a engorda, caso haja necessidade de vendê-lo para comprar comida para os demais.Enquanto isso, o agricultor aguarda a chuva. “Se Deus quiser, venha. Ao menos para melhorar a situação desses bichos”, espera sr. Lourenço.
No Assentamento Independência a situação não é diferente. Luiz Ronaldo da Costa, que também é agricultor, diz que na época de chuva vive do plantio, mas quando o ‘inverno’ não é bom procura outras locais de onde possa trazer alimento para os bichos. No início do período seco, teve que vender alguns dos bichos para alimentar o gado mais magro. “A situação não está boa, porque a gente nessa seca está dividindo o comer com os bichos para escapar”, revela.
A realidade de José Rodrigues Gomes, 68 anos, do Assentamento Vingt Rosado, também é semelhante. A comida para alimentar o seu cavalo e duas cabeças de gado vem do Ceará. O quilo custa R$ 0,30, mas por dia, só o cavalo consome cerca de 30 quilos de alimento. Fora isso, uma parte dos animais está solta, pois, segundo o próprio dono, se for atrás, não há como alimentá-los. “Nós estamos passando uma dificuldade muito grande”, diz Raimundo Cabral de Lima, 68 anos, do Projeto de Assentamento Solidão.
Com medo de perder seus animais, ainda em janeiro de 2012, ele vendeu as 20 cabeças de gado que possuía, pois conta que não tinha como ‘atravessar’ a seca. “Seca medonha, acabou o pasto”, comenta.Para complicar ainda mais, antes da venda dos animais, ele já tinha perdido quatro reses, que morreram após a perfuração de um poço para extração de petróleo na comunidade.
“Eu sou aposentado e eu trabalho todo dia, seja lá com o que for, para dar de comer a três animais”, diz Raimundo Cabral, se referindo a um jumento e dois burros que mantém. Mas o dinheiro da aposentadoria não dá para muita coisa. Sr. Raimundo conta que entrega o benefício à mulher, que vai ao centro de Mossoró para fazer a feira e pagar despesas como a luz.
“Aqui, a situação é essa, a maioria dos idosos é aposentada, vive da aposentadoria, os jovens fazem parte dos projetos”, conta a agricultora, Fátima Lins, da comunidade rural Coqueiros.
Segundo ela, no período de chuvas todo mundo planta arroz e feijão. Já nessa fase, alguns produtores mantêm projetos agrícolas, através da ajuda da água proveniente dos poços. Porém, se não chover, a manutenção dos projetos também ficará complicada, o que agrava o risco de desemprego.
(Foto: Wilson Moreno)
Para agricultores, esta é a pior seca de todos os anos
“Hoje eu estou muito triste, com essa situação/ Só tem sol, não existe chuva de saco e um grão/ E para completar de acabar, inventaram o tal do apagão”. Os versos do agricultor José Pereira da Silva, conhecido como Zezinho, também da comunidade rural Coqueiros, são baseados na sua própria realidade. Aqui, as histórias se repetem.
Das 30 cabeças de ovelha que o agricultor possuía, só restam 17. Algumas morreram, enquanto outras foram vendidas para garantir a sobrevivência das restantes. Para alimentar o rebanho, ele ainda consegue plantar milho, através da irrigação feita com água proveniente de um poço, mas a comida diminuiu bastante.
“Tudo indica que vou vender as outras, porque não tem como”, afirma, lembrando que as águas dos poços estão baixando.Ter que se desfazer dos bichos ou testemunhar a morte de animais de amigos é de partir o coração. “A gente fica triste demais. Eu não crio gado, mas só em ver os bichos dos outros morrerem de fome a gente fica triste demais, triste de chorar”, diz o agricultor.
“Muito difícil, só Deus é quem sabe”, revela Zezinho, que aos 53 anos não tem idade suficiente para se aposentar e já é velho para integrar um dos projetos. Além da preocupação, os agricultores também são unânimes em uma coisa. Ambos acreditam que essa é a pior seca dos últimos anos. Para eles, não houve outro momento tão cheio de dificuldades. “Em 70, eu estava com dez anos e foi ruim, mas não era assim não”, afirma sr. Zezinho.“Difícil assim, não. 58 foi seco, eu era um garoto, mas a gente escapou um gadinho”, lembra sr. Lourenço.
Luiz Ronaldo confirma e diz que ainda não tinha visto uma seca como essa. “Na minha idade, foi o verão mais longo, a estiagem mais difícil que vi”, concorda Raimundo Cabral.Apesar disso, como todo sertanejo, eles alimentam a esperança no coração, até que o verde tome conta do pasto. “A gente tem que ter força, confiar em Deus. Se for se aperrear, a gente vai embora e os bichos ficam. É tocar o barco para frente”, confia sr. Lourenço.Luiz Ronaldo apela para as experiências e diz que, por elas, o período chuvoso será bom.
O agricultor conta que, no início do verão, observa as árvores, como a aroeira: “Se carregar, o ano é bom”, diz ele, confirmando que este ano, a planta mostrou suas folhas.“O tempo mudou, está mudado. Quando eu era menino, o inverno começava em 20 de janeiro, agora passou para março, mas quando eu vejo um relâmpago, uma neblina, eu fico animado”, menciona Raimundo Cabral, que espera as primeiras gotas de chuva para cuidar do roçado.
“Se chover planto, se não chover vou esperar que chova. Eu não vou abandonar meu lote. Já gastei uns R$ 2 mil com cerca e está todo cortado para plantar”, acrescenta. Já José Rodrigues Gomes não é muito otimista. Do mesmo modo, Zezinho se preocupa: “A gente não vê nada de animado”, diz ele, comentando que, prestes a chegar o dia de São Sebastião, as chuvas ainda não começaram.
José Pereira da Silva (Foto: Wilson Moreno)
Para ter acesso à água, homem do campo recorre aos poços e a carros-pipas
Paralelo à falta de chuvas, o nível dos reservatórios diminui. Para ter acesso à água, os agricultores têm que se deslocar a pontos que chegam a ficar a dois quilômetros de distância da propriedade. Sr. Lourenço conta que, para o consumo humano, leva água de Mossoró, já para os animais, ele vai buscar em um assentamento vizinho.
Já na casa do sr. Luiz a água para consumo humano vem de um poço, enquanto a que serve para matar a sede dos animais vem de outro. Maria Faustina de Oliveira diz que o líquido que chega às torneiras é fraco. Há dias em que só dá para encher meia caixa d’água, dividida para duas casas. Mesmo quando a força da água é considerada ‘forte’, o que escorre para dentro do reservatório não é muito.
José Rodrigues Gomes, 68 anos, do Assentamento Vingt Rosado, no Jucuri, anda dois quilômetros de carroça para pegar água em um poço no Jucuri. “A situação está difícil. Aqui é muito difícil”, diz ele. Apesar disso, a sede ainda não matou os animais. “De sede não, que a gente carrega água”, afirma.
Como na comunidade Coqueiros a água é salgada, os poços públicos possuem dessalinizadores, como conta Fátima Lins. Já para casa, a alternativa, segundo ela, será comprar um carro-pipa com água doce; cada seis mil litros de água custa R$ 50,00.
Fotos: Wilson Moreno
Gazeta do Oeste
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