Brasília - O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, reafirmou ontem a existência do mensalão, que, segundo ele, foi o "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público" da política nacional. Na primeira metade de sua sustentação, no Supremo Tribunal Federal (STF), Gurgel citou o papel de cada integrante do esquema, dando destaque à atuação do ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu, que, de acordo com o procurador, era o "mentor" da ação. Mesmo com tempo limitado, o procurador dedicou os 20 minutos iniciais a considerações filosóficas sobre a relação entre ética e poder.
fabio rodrigues pozzebom/abr
Roberto Gurgel pede condenação de 36 acusados
e segunda-feira começa fase destinada à defesa
Gurgel citou pensadores como Raymundo Faoro (brasileiro, autor do livro Os Donos do Poder), o italiano Norberto Bobbio e o alemão Max Weber. E, concluindo a etapa teórica da denúncia, deu os motivos pelos quais considerou o esquema criminoso. "Com base na prova reunida na ação penal, os fins não justificam os meios, quando ignoram, cabalmente, o que é moralmente correto e socialmente aceitável".
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O procurador ainda rebateu críticas dos advogados dos réus que figuram no processo, que consideraram o mensalão "uma criação de delírio" do Ministério Público. "A robusteza da prova colhida torna risível a assertiva", argumentou Gurgel. Segundo ele, o mensalão foi montado em 2003, logo no início do primeiro mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para cooptar apoio político. "Maculou-se a República, instituindo-se à custa do desvio de dinheiro público, um sistema de movimentação financeira à margem da legalidade, com o objetivo de comprar o voto de parlamentares em matérias relevantes para o governo". Gurgel disse que a base do esquema constituía na captação de verbas por parte do publicitário Marcos Valério, a mando da cúpula do PT, para distribuição entre parlamentares da base aliada.
O procurador tem direito a cinco horas para falar sobre os 38 réus, uma média de oito minutos para cada um. Na primeira parte de sua apresentação, ele optou por dar destaque a José Dirceu, primeiro da sequência acusatória, a quem dedicou quase 30 minutos de sua fala. Gurgel concordou que há provas pouco robustas contra quem chamou de "principal figura de tudo que apuramos" e "o grande protagonista" do mensalão, mas atribuiu o fato ao papel de liderança que Dirceu exercia. "Como quase sempre ocorre com chefes de quadrilha, o acusado não aparece nos atos de execução do esquema", justificou.
Ainda no núcleo político (os réus foram divididos em três núcleos: político, operacional e financeiro), Gurgel citou o ex-presidente do PT José Genoíno, o ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira e o ex-tesoureiro da legenda Delúbio Soares, além dos parlamentares dos partidos beneficiados pelo esquema - PL (hoje PR), PTB e PP.
Do núcleo publicitário-financeiro, o destaque foi para Marcos Valério. "Dirceu foi o mentor do esquema enquanto Marcos Valério foi seu executor", sintetizou Gurgel. O interesse desse núcleo, segundo o procurador, era se aproximar do governo a fim de obter vantagens em contratos publicitários e desvio de verba em benefício próprio. Ainda segundo Gurgel, o núcleo financeiro - formado por dirigentes do Banco Rural à época - aceitou entrar no esquema para obter vantagens em transações envolvendo instituições financeiras. Segundo a denúncia, o grupo forjou empréstimos que não ocorreram na realidade, dissimulando a origem ilegal da verba. O procurador lembrou que representantes do Banco BMG não estão na ação penal do STF porque o caso está sendo tratado em outro processo, que tramita na Justiça de primeiro grau. Na segunda fase da exposição, Gurgel passou a tratar dos crimes imputados a cada um dos réus e as provas que sustentam as acusações.
Jefferson comenta julgamento do mensalão pela internet
Rio (AE) - Às vésperas de deixar o hospital, depois de uma cirurgia para retirada de um tumor com "foco maligno" no pâncreas e oito dias de internação, o ex-deputado Roberto Jefferson está atento ao julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Embora, segundo sua assessoria, não tenha assistido à transmissão na TV, acompanha e autoriza a publicação de comentários em seu blog e no Twitter.
Pivô do mensalão, o presidente do PTB comentou a votação que rejeitou o desmembramento do processo por 9 a 2 e chegou a arriscar uma previsão para o resultado final, nada favorável aos réus. "Ficou longe do empate, apesar de, no fim, a impressão que ficou foi de que a Corte está, sim, dividida. Não duvido que o placar, ou algo próximo, se repita no julgamento do mérito das acusações. E, se assim for, a grande briga está reservada para a discussão sobre as penas a serem impostas aos réus", analisou Jefferson no blog.
O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, recebeu novos ataques do petebista. "Os ministros precisam de nervos de aço, mas ontem (quinta-feira) Barbosa parecia estar com os nervos à flor da pele", disse Jefferson no Twitter e no blog, na manhã desta sexta. "Não é porque ele acha que o jogo está ganho que pode se eximir de jogar o jogo", completou.
Jefferson destacou o voto de Marco Aurélio Mello, que seguiu o ministro revisor, Ricardo Lewandovski, e foi favorável ao desmembramento do processo. O petebista salientou o fato de que, apesar de lembrar a praxe de elogiar o ministro de quem vai-se discordar, Mello não citou a manifestação de Barbosa contra a divisão do processo. "O silêncio disse tudo sobre o clima que, já no primeiro dia, Barbosa impôs ao julgamento", comentou.
"Mesmo acreditando que o julgamento já está com condenação certa, na falta de um voto preparado para decidir uma questão de ordem anunciada há tempos, Barbosa precisa melhorar seu jogo. Afinal, até a novata Rosa Weber tinha mais argumentos para rejeitar a questão levantada por MTB (o advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que pediu o desmembramento do processo) e mereceu elogios dos colegas, ao contrário de Barbosa, que ficou sem qualquer menção honrosa. A continuar no ritmo de ontem a tese de Barbosa pode até, quiçá, ser vencedora em mais algum ponto, mas o próprio ministro sairá perdedor", disse Jefferson no blog.
O ex-deputado, que teve o mandato cassado em setembro de 2005, três meses depois de denunciar o mensalão, deixará o Hospital Samaritano no próximo domingo e deverá começar a quimioterapia para combater o foco cancerígeno no prazo de quatro a seis semanas. O tratamento levará seis meses. No processo do mensalão, Jefferson responde por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, crimes que nega ter cometido.
Advogados criticam postura do procurador
Brasília (AE) - Os advogados dos réus do mensalão partiram para o confronto com o procurador-geral da República e tentaram desconstruir a denúncia que Roberto Gurgel fez no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns defensores acusaram Gurgel de fazer uso de peças da investigação de outras áreas, como a CPI dos Correios, que não foram obtidas na fase da instrução dos autos judiciais. "O procurador-geral está se atendo aos indícios produzidos na CPI (dos Correios) e na fase policial", declarou o criminalista Luiz Fernando Pacheco, que defende José Genoino, ex-presidente do PT, denunciado por formação de quadrilha e corrupção ativa.
Para Pacheco, o procurador-geral "ignorou aquela prova obtida sob o crivo do contraditório, perante o Poder Judiciário, com a participação e presença dos advogados, prova que derruba a tese da acusação". Para ele, "a acusação se enfraquece e a defesa se fortalece porque não há prova de envolvimento de Genoino em esquema de corrupção ativa".
"Ele (procurador-geral) sugeriu que Delúbio pode ter ficado com parte do dinheiro (do esquema). Isso é um absurdo, isso não está na denúncia, portanto, nem pode ser considerado pelo Supremo", reagiu o criminalista Arnaldo Malheiros Filho, defensor do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, também denunciado por crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha.
Malheiros sustenta que seu cliente é inocente e honesto. "O procurador-geral disse que Delúbio se locupletou, o que absolutamente não é verdade. Aliás, se há uma coisa notória é a simplicidade da vida que o Delúbio leva. Eu não conheço ninguém que tenha roubado e que more na casa da sogra."
"O Ministério Público fechou os olhos para os autos da ação penal 470, desprezou depoimentos colhidos durante a fase de instrução", disse o advogado José Luís Oliveira Lima, que defende José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil.
Oliveira Lima afirmou que o artigo 155 do Código de Processo Penal impõe que qualquer tipo de prova extra judicial tem que ser ratificada na etapa de instrução judicial. "Foram mais de 600 depoimentos (na instrução do STF), ele (Gurgel) não citou nenhum."
O ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que defende o executivo José Roberto Salgado - vice-presidente do Banco Rural acusado por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta - disse que Gurgel apenas "oralizou o memorial que apresentou como última peça da acusação".
*AE/TRIBUNA DO NORTE
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